LONDRES – CONDOMÍNIO SANCTUM – MESMO DIA – 08h12
Rael Vasquez acordou com o celular vibrando ao lado da cama. Ele se espreguiçou, nu, coberto apenas por um lençol negro de seda. Ao seu lado, duas mulheres dormiam. Uma ruiva. Uma oriental. Ambas alheias ao furacão que se formava do outro lado do continente.
— Stepanov? — disse ele, atendendo a chamada.
— Leonardo está em Viena. Na villa. Confirmado.
— Já era hora de ele mexer as peças.
— Quer que cuidemos dele?
— Não. Quero que observem. O príncipe tem que cair sozinho.
Rael se levantou, caminhando até a sacada. A cidade ainda acordava sob névoa. Ele acendeu um cigarro e encarou o céu.
— Dominick morreu pela boca. Domenico morreu por amor. Leonardo... você vai cair por orgulho.
Rael sorria, mas seus olhos estavam cheios de uma dor antiga, sufocada pela vingança. E por mais que fingisse não se importar, havia algo naquela visita de Leonardo que o incomodava. A fita cassete. A foto. O passado.
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VIENA – SUBMUNDO DA CIDADE – 10h35
Leonardo entrou no galpão subterrâneo onde Mikhail o aguardava. O russo estava encostado em uma das colunas, com o semblante carregado e a mão direita enfaixada. O último confronto deixara cicatrizes em ambos.
— Então você resolveu visitar a cripta dos Vasquez? — disse Mikhail, irônico.
— Há fantasmas que não morrem com balas, Mikhail. Só com verdades.
— E o que achou?
— A fita. E essa imagem — ele estendeu a foto. — Há algo que você não me contou. Giuliano não era apenas um tirano. Ele criou Rael para ser uma arma.
— Todos nós fomos criados para ser algo. Eu fui forjado para obedecer. Você, para dominar. E Rael… para destruir.
Leonardo assentiu em silêncio.
— Ele sabe que você está aqui.
— É o que eu quero.
— Isso não é um jogo, Leo. Se cair, não há quem te levante.
O herdeiro Santorini deu um leve sorriso.
— Se eu cair… será levando o império com ele.
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ROMA – QUARTEL GENERAL DAS FAMÍLIAS – 13h20
Nike Vasquez cruzou os corredores do conselho com os saltos ecoando como tiros. Seus olhos escuros refletiam o caos iminente. À sua frente, Nolan a esperava diante da mesa de mármore, ladeado pelos chefes restantes das cinco famílias aliadas.
— Recebemos confirmação. Leonardo está mexendo no que deveria permanecer enterrado — disse Nolan.
— Giuliano Vasquez traiu o pacto. Escondeu filhos, criou monstros. Mas nós... deixamos isso acontecer.
— E agora?
Nike olhou para o anel que levava no dedo — um rubi negro, símbolo do sangue Vasquez.
— Agora... abrimos as portas do inferno.
VIENA – MANSÃO SANTORINI – 18h06
A tempestade finalmente cessara, mas o ambiente na mansão Santorini ainda era de guerra. Leonardo olhava para o mapa aberto sobre a mesa do antigo escritório de Dominick. Em volta dele, três homens de confiança: Matteo, Goran e Ilan — todos sobreviventes de guerras antigas.
— A villa de Giuliano era apenas o início — disse Leonardo. — Rael quer que pensemos que ele está jogando com a paciência. Mas ele já iniciou a movimentação. A filial de Palermo sumiu dos registros. Dois dos nossos fornecedores em Tóquio foram silenciados. E na Colômbia… perdemos contato com Thiago Reyes.
Matteo assentiu.
— Ele está cortando suas veias. Quer que você sangre devagar.
— Não. Ele quer que eu reaja. E é exatamente isso que vou fazer.
Leonardo pegou um antigo envelope debaixo da mesa. Nele, um nome: A. Vasquez. Ninguém ali sabia, mas era a única carta que Dominick deixara em segredo.
— Vamos para Lisboa. Há alguém que pode nos dar o que precisamos. Uma peça esquecida. A irmã renegada.
— Alys Vasquez? — Goran engasgou com o nome. — Disseram que ela desapareceu.
— Ela sumiu para sobreviver. Mas agora... chegou a hora de escolher um lado.
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LISBOA – VALE DAS BRUMAS – 02h11
O carro preto deslizou pela neblina como um espectro. Leonardo desceu, desta vez sozinho. As ordens eram claras: se algo acontecesse, ninguém deveria intervir. A velha casa no alto do vale era cercada por vinhedos e silêncio. Ele bateu à porta apenas uma vez.
A mulher que abriu tinha cabelos longos e brancos, apesar de parecer jovem. Olhos acinzentados. Pele marcada por uma cicatriz que descia da sobrancelha até o queixo. Ela não sorriu.
— Você é o neto dele — disse, sem emoção. — A arrogância está nos seus ombros.
— E o sangue também — respondeu Leonardo.
Ela deixou a porta aberta. Era o bastante.
Dentro, o cheiro de incenso e madeira queimada misturava-se à atmosfera carregada de lembranças. Fotos antigas nas paredes. Um retrato de Giuliano com duas crianças. Leonardo fitou aquele quadro.
— Ele teve uma filha além de Rael?
— Eu. Mas para ele, eu nasci morta.
— Então somos dois bastardos de um legado podre.
Alys virou-se para ele, e pela primeira vez, seu olhar amoleceu.
— Se você veio por armas, estou vazia. Se veio por respostas... prepare-se para sangrar.
Leonardo tirou a fita cassete do bolso.
— Eu vim por isso.
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LONDRES – COBERTURA VASQUEZ – 04h45
Rael estava diante de uma lareira acesa, com um copo de uísque na mão. Stepanov entrou sem bater.
— Ele foi a Lisboa.
— Então encontrou a irmã.
— Acha que ela vai traí-lo?
Rael virou-se devagar. Seus olhos brilhavam com algo sombrio.
— Ela nunca foi minha. Mas odeia Giuliano mais do que eu. E isso... pode ser útil.
— Quer que eliminemos Leonardo?
— Ainda não. Quero que ele tenha a ilusão da escolha. É mais cruel quando acham que estão vencendo.
Stepanov hesitou.
— E se ele conseguir unificar os traidores?
Rael sorriu, como quem vê uma peça cair no tabuleiro.
— Então ele se tornará o rei. E o trono sempre exige sangue.
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LISBOA – INTERIOR DA CASA DE ALYS – 06h02
A fita rodava em um antigo gravador de rolo. A voz de Giuliano Vasquez ecoava, abafada, grave, imponente.
"Se um dia meus filhos se enfrentarem… deixo essa gravação para aquele que tiver coragem de ouvir. Nem Leonardo, nem Rael são completos. Mas juntos... podem destruir tudo o que construí. Se quiserem vencer... terão que renunciar a mim. Ou morrer como sombras do que fui."
Silêncio.
Alys olhou para Leonardo com olhos marejados.
— Ele nos condenou desde o início. Você quer mesmo assumir esse inferno?
— Eu quero reescrevê-lo.
Ela caminhou até uma estante, puxou um compartimento oculto e retirou um livro. Dentro, um dossiê — fotos, contas bancárias, localização de antigos leais a Giuliano. Uma rede esquecida, adormecida.
— Se for usar isso, não pode hesitar. Nem quando os traidores forem seus aliados. Nem quando o inimigo for alguém que você amou.
— Eu não amo ninguém — ele respondeu.
Alys sorriu com melancolia.
— Então está pronto para governar.
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ROMA – IGREJA SUBTERRÂNEA – 09h10
Nike ajoelhava diante do altar negro da velha igreja onde as famílias selavam pactos sob sangue. Ao seu lado, Nolan preparava o novo juramento.
— Leonardo não pode seguir o mesmo destino de Dominick — disse Nike. — O trono que o espera é um abismo.
— E Rael?
— Rael já vive no abismo. Mas Leonardo… ele ainda sente. E isso o torna perigoso.
Nolan hesitou antes de recitar o voto.
— Se ele cair, o nome Santorini morre com ele.
Nike assentiu.
— E com ele… nosso último arrependimento.