William
Viro mais uma dose de bourbon, que desce rasgando pela garganta. Só isso tem me mantido de pé neste momento. Desde que recebi o dossiê completo daquela meretriz, não consegui me conter. Precisei vê-la com os meus próprios olhos, a causadora de toda a desgraça. Quando finalmente a encarei, tive que me segurar para não cometer uma loucura. As fotos que recebi no dossiê não chegavam nem perto do que ela é pessoalmente. Mas sempre soube: uma câmera nunca captura totalmente a beleza de alguém. E quando a conheci, percebi algo que me arrepiou, ela é um verdadeiro anjo caído. Ouço o toque do meu celular em algum canto da bagunça que fiz no escritório. Depois que a vi, não consegui voltar para a empresa. Fui direto para casa, me tranquei aqui e, sem conseguir me controlar, quebrei metade do lugar. Mas, em minha defesa, venho acumulando essa raiva há quatro longos meses. Não consigo entender como meu irmão se envolveu com uma mulher tão sem caráter e manipuladora. Durante toda a vida, ela foi apenas a segunda pessoa com quem ele se relacionou. E, apesar da beleza estonteante, sei que algo, além disso, deve ter chamado sua atenção. Gael ainda tinha tanto para viver. Foi privado de tantas coisas quando teve que assumir a empresa da família logo após a morte dos nossos pais. Nunca teve tempo para aproveitar a juventude, diferente de mim, que deixei tudo nas mãos dele e fui curtir a vida. Esse arrependimento vou carregar para sempre. Mesmo vivendo pelo mundo, nunca estive completamente longe do meu irmão. Nossa ligação sempre foi forte. Lembro como se fosse hoje o dia em que ele me contou que havia conhecido alguém. Ele a descreveu como um anjo, de tão bela. Essa empolgação durou por um tempo, até o dia em que me ligou dizendo que iria pedi-la em casamento. Eu não poderia estar mais feliz por ele. Finalmente estava realizando o sonho de formar uma família. Então veio a bomba: ele descobriu uma traição. E a mulher que eu nunca tive a chance de conhecer… estava pronta para fugir com o amante. Além da traição, algo de que antes eu não tinha conhecimento veio à tona recentemente. No início, eu não queria acreditar que o meu irmão tinha morrido para tentar evitar uma traição, um abandono. Mas, com as investigações, descobri que era muito, além disso. Sinto uma lágrima descer no meu rosto; não faço questão de secá-la. Farei questão de destruí-la, da mesma forma em que destruiu Gael, nem que eu viva só para isso! — Você está bem? — assusto-me ao ver Nicolas parado no batente da porta, me encarando. — Não sabe bater, porra? — retruco, irritado. Ele caminha até uma das poltronas e se senta bem na minha frente. — Não. — Ri, o que só aumenta minha irritação. Nicolas é meu primo de primeiro grau. Gael o convidou para trabalhar na empresa, já que também faz parte da família. E, depois que meu irmão morreu, foi ele quem se tornou meu braço direito, me apoiando nos meus piores dias. — O que você quer? — pergunto, direto. Odeio rodeios. Prefiro quando vão direto ao ponto. — Por que não voltou para a empresa hoje? Estamos cheios de pendências, e você simplesmente sumiu — questiona, curioso. — Sei das minhas obrigações — resmungo, querendo encerrar o assunto. — Recebi o dossiê pela manhã, então fui atrás daquela mulher. Não imaginei que isso me afetaria tanto. — Por que foi procurar essa mulher? — Ele me olha sério, algo raro, já que sempre foi bastante extrovertido. — Quero vingança. Ela vai pagar pelo que fez — digo entre dentes, cerrando o maxilar. Nicolas se recosta na poltrona, apoiando a mão no queixo, enquanto me observa em silêncio. — O que você vai ganhar com isso? Nada. Não vai trazer seu irmão de volta. Esqueça essa ideia estúpida de vingança. — Não me importo com a sua opinião. Ela vai pagar caro, não apenas pela morte do meu irmão… mas também pela vida da criança que ela tirou — elevo o tom, sem conseguir conter a raiva. Ele me encara por um momento e solta um longo suspiro. Um filho. Ela teve a coragem de tirar a vida do próprio filho. É repugnante pensar que, com aquela cara de anjo, tenha sido capaz de matar um inocente. Um verdadeiro lobo em pele de cordeiro. — E o que você pretende fazer? Você nem sabe se ela realmente perdeu a criança… Passei esses quatro meses inteiros pensando em como me vingar daquela vadia. E, sendo a aproveitadora que é, acabei tendo uma ideia perfeita. — Vou me casar com ela. Nicolas me olhou como se eu tivesse acabado de criar uma segunda cabeça. — Você ficou maluco? Em que isso vai te ajudar? Não faz o menor sentido! — praticamente gritou. — Ela é uma interesseira. Quando vir o império que construí, não vai resistir. Vou fazê-la se casar comigo e transformar a vida dela num inferno. Se não for por bem, será por mal. E, depois do casamento, ela vai conhecer o verdadeiro inferno. — Isso é uma completa loucura — sussurrou, parecendo chocado. — Quando você comentou seus planos da primeira vez, não dei muita atenção… achei que nunca iria tão longe. — Já disse que não me importo com a sua opinião — respondo, frio. — Ela é uma pessoa, um ser humano. Por mais que tenha sido uma vadia, não merece ser enganada desse jeito — diz com calma. — Você quer mesmo se rebaixar ao nível dela? Dou um tapa forte na mesa e me levanto de súbito, assustando-o. — Nunca mais defenda ela na minha frente! Ela vai pagar pelo que fez, você querendo ou não! — Volto a me sentar, tentando conter a raiva. Nicolas passa a mão pelos cabelos, contrariado. — Eu não estou no mesmo nível que ela. Nunca estarei. Tudo o que quero é justiça! — E como você a encontrou? Essa, de fato, era uma boa pergunta. Gael havia marcado um jantar especial para me apresentar a noiva. Estava empolgado, quase ansioso. Falava dela como se fosse a própria personificação da perfeição, a chamava de “Bela”, e esse apelido ficou. Ele dizia que só de olhar para ela, o mundo parecia mais leve. Mas, no dia marcado, surgiu um imprevisto. Eu adiei. Disse que remarcaríamos em breve… Mal sabia que esse “em breve” nunca chegaria. Algumas semanas depois, recebi uma ligação que ainda ecoa na minha mente como um grito sufocado. Era Gael. A voz dele estava embargada, as palavras vinham atropeladas, misturadas à respiração ofegante. Ele parecia em pânico, repetindo que a Bela o havia traído. Que tinha ido embora com outro homem. E o pior: que ela estava grávida, e decidida a tirar o bebê. Eu tentei acalmá-lo. Disse que ele precisava respirar, pensar com clareza. Mas nada do que eu falava parecia alcançá-lo. Gael estava destruído. Falava como se o chão tivesse sumido debaixo de seus pés. Tudo que ele mais desejava era construir uma família, e, em questão de horas, tudo tinha desmoronado. Assim que desliguei, fui direto para o apartamento dele. Corri como se pudesse, de alguma forma, impedir o que já estava em curso. Mas quando cheguei lá, ele já tinha ido. Horas depois, recebi a notícia. Gael havia sofrido um acidente a caminho do aeroporto. Estava dirigindo em alta velocidade, desorientado, segundo testemunhas. O carro atravessou o canteiro central e colidiu de frente com um caminhão. Ele morreu na hora. Não houve chance de despedida. Nenhuma última palavra. Nenhuma explicação. Só silêncio. Desde então, essa culpa me consome: e se eu tivesse ido ao jantar? E se eu tivesse atendido aquela ligação antes? E se eu tivesse insistido mais, corrido mais, chegado a tempo? Mas “e se” não muda nada. Gael está morto. E a mulher que o destruiu, ainda respira. Foram quatro meses de silêncio, raiva e dor. Quatro meses encarando a ausência do meu irmão como uma ferida aberta que não cicatrizava. Nada fazia sentido. As palavras de consolo soavam vazias. O luto virou um companheiro amargo que me visitava todas as noites, e com ele vinham as mesmas perguntas, as mesmas imagens, o mesmo arrependimento. Até que a dor começou a se transformar em algo mais sombrio. Vingança Não adiantava mais rezar, lamentar ou tentar esquecer. Gael se foi, e alguém precisava pagar por isso. A verdadeira culpada não podia seguir vivendo como se nada tivesse acontecido. Ela destruiu o meu irmão, e com ele, tudo o que restava da minha família. Foi então que, através de um conhecido, consegui o contato de um detetive particular. Um profissional discreto, objetivo. Passei as informações que tinha e esperei. E, enquanto esperava, comecei a planejar. Cada detalhe. Cada passo. Cada armadilha. Minha vingança não seria impulsiva ou violenta. Seria fria. Calculada. Justa. Ela tirou tudo de mim. Agora, é minha vez de arrancar tudo dela. Hoje, o dossiê chegou. Completo, detalhado… cruel. E, ao terminar a última página, algo dentro de mim estalou. Não consegui esperar mais um segundo. Eu precisava vê-la. Precisava olhar nos olhos da mulher que destruiu meu irmão, e junto com ele, tudo o que restava da minha paz. Dirigi até a cafeteria com as mãos tremendo no volante, o coração batendo com tanta força que parecia prestes a rasgar meu peito. O lugar era simples, comum, quase acolhedor demais para alguém com a alma tão podre quanto a dela. E então, a vi. Ali estava ela, Melinda Allen. Vestida com um uniforme qualquer, um sorriso educado no rosto, carregando uma bandeja como se fosse apenas mais uma entre tantas outras. Mas eu sabia. Por trás daquele semblante gentil, havia uma mulher capaz de destruir vidas com a mesma suavidade com que entregava um café. Ela riu de algo que uma cliente disse, e por um segundo, confesso, hesitei. Era bela. Muito mais do que nas fotos, muito mais do que Gael havia descrito. Tão bela que me perguntei como alguém assim podia esconder tanta maldade. Mas foi só um segundo. A imagem do rosto de Gael, destruído, reapareceu diante de mim. A lembrança da ligação desesperada. Do caixão fechado. Do vazio. A beleza dela não passava de uma armadilha, e eu não seria a próxima vítima. Me mantive à distância. Observei. Analisei cada movimento, cada gesto. E quanto mais eu via, mais claro ficava o que precisava ser feito. Ela vai pagar. Não com sangue, mas com tudo o que valoriza. Vai aprender o gosto amargo da perda, da traição, da queda. E o mais cruel de tudo: ela vai acreditar que está sendo amada… antes de eu puxar o chão sob seus pés. — Contratei um investigador para encontrá-la. Precisava ver com os meus próprios olhos a mulher que estruiu o sonho do meu irmão e construir uma família. — E onde ela trabalha? — Nicolas se aproximou da mesa, curioso. — Em uma cafeteria. Ela é apenas uma garçonete. Simples. Comum. — Fechei o punho, tentando conter o ódio. — Meu irmão morreu por se envolver com uma garçonete. Com tantas moças de família renomadas ao redor, ele preferiu ir ao subúrbio. Cerrei os dedos com força ao me lembrar do rosto dela. Aos olhos de quem não a conhece, parece doce, calma, gentil. Mas por dentro… é podre. Uma megera sem coração, disposta a tudo para alcançar seus objetivos. — Você quis dizer “com tantas moças esnobes no nosso meio” — ironizou com um sorriso debochado. — Gael queria um amor verdadeiro. E acho que não é a posição social que define o caráter de alguém. — É por esse tipo de comentário que tenho vontade de socar a sua cara — resmungo, irritado. — Qual é o nome dela? — pergunta após alguns segundos de silêncio. — Melinda Allen. Não foi fácil encontrá-la, mas vou fazer com que pague por tudo o que causou à única família que eu tinha. — Você ainda pode mudar de ideia — diz, se aproximando da mesa novamente. — Você já sabe minha resposta. Não perca seu tempo — afirmo, encarando-o com firmeza. — Não vou ser conivente com essa ideia estúpida. E se algo der errado? — Nada vai sair errado — dou de ombros, encostando-me na cadeira. — Eu sei que seu jeitinho de bom samaritano te impede de tomar certas atitudes, mas só te peço uma coisa: não me atrapalhe. — Não espere isso de mim — diz, levantando-se e indo em direção à porta. — De que lado você está? — pergunto, parando-o antes que saísse. — De nenhum. Só não apoio quem tenta fazer justiça com as próprias mãos. E então ele saiu, me deixando sozinho com os meus pensamentos.