MelindaÀs vezes me pego sonhando acordada, imaginando como seria viver uma daquelas histórias arrebatadoras que encontro nos livros. Sabe aquelas onde o mundo parece parar por um segundo, e só o que existe é um olhar trocado entre dois desconhecidos que, de repente, sentem que se conhecem desde sempre? Ou aquelas cenas clichês, mas irresistíveis, em que alguém derruba seus livros no chão e, ao se abaixar para ajudar, encontra o amor da vida ali.Fico pensando como seria ter o coração acelerado por um simples sorriso no meio da rua, sentir borboletas no estômago ao ouvir o nome de alguém, ou até viver uma reviravolta daquelas que mudam tudo, como se o universo finalmente decidisse conspirar a favor do amor.Mas, infelizmente, nada disso jamais aconteceu comigo. Nenhum encontro digno de trilha sonora, nenhum esbarrão mágico, nenhuma troca de olhares em câmera lenta. Talvez o meu cupido esteja dormindo em serviço, profundamente, diga-se de passagem, ou talvez eu tenha mesmo um talento es

Melinda O dia mal começou e eu já me sinto exausta. Ontem precisei ir à minha antiga faculdade para resolver alguns assuntos pendentes. Com as dívidas se acumulando, tive que abdicar dos meus estudos e passei a trabalhar em dois empregos; no entanto, recentemente pedi demissão do segundo. Agora, ainda não sei se conseguirei retomar a faculdade. Caminho quase correndo em direção à cafeteria. Justo hoje, o despertador resolveu não tocar, e o cansaço de uma noite mal dormida só piorava ainda mais a situação. Para completar o meu desespero, hoje é a folga da Isabelle, o que significa que a Karen deve estar uma fera. Quase sem fôlego, entro na cafeteria, e, para o meu azar, a primeira pessoa que vejo é Karen, furiosa no balcão. — Isso é hora, Melinda? Já passa das sete! — Sinto muito… — Ela me interrompe antes que eu possa me justificar. — Não quero saber o que aconteceu. Só quero que esteja aqui na hora. Olhe quantos clientes temos! Hoje você vai sair mais tarde, para compensar o atr

Melinda Entro na cozinha sentindo o peso de uma noite mal dormida. Desde que William me ligou, perguntando se poderíamos adiantar o casamento para hoje, não consegui pregar os olhos. A ansiedade tomou conta de mim, varando a madrugada como uma velha conhecida que insiste em ficar. O frio na barriga estava presente desde o momento em que aceitei o pedido e, ao mesmo tempo, um sorriso no rosto. Eu iria me casar com o homem que amo. O que mais eu poderia querer? — O que aconteceu com você? — Isabelle me encara como se tivesse visto um fantasma. — Não dormi bem à noite. — Sento-me e sirvo um pouco de café. — Teve pesadelo? A campainha toca, interrompendo nossa conversa. Ainda são sete horas da manhã de um domingo; não consigo imaginar quem poderia ser. Elle se afasta dizendo que vai ver quem é e, segundos depois, retorna com uma expressão confusa. — Mel, tem umas pessoas aqui dizendo que vieram arrumar a noiva. Eu disse que estavam no lugar errado, mas elas insistiram que era aqui m

Como um furacão, William saiu da cozinha, deixando-me sozinha mais uma vez. Só então deixei que as lágrimas, até então contidas, começassem a cair. Deslizei pela parede até me sentar no chão, abracei as pernas e deixei escapar o primeiro soluço.Tudo aquilo que eu vinha idealizando há tanto tempo desmoronou como areia movediça. Sonhava com a nossa lua de mel e, depois do casamento, achei que finalmente me entregaria, pela primeira vez, ao homem que amo. Mas estava terrivelmente enganada.A única coisa que recebi foi desprezo. Por algo que nem sequer me lembro de ter feito. Pelo que me recordo, antes do casamento tudo estava bem, sem brigas, sem desentendimentos. Algo aconteceu para transformar William desse jeito. E eu não faço ideia do que foi.Exausta pelo dia que tive, levanto-me do chão com dificuldade, sentindo o corpo reclamar a cada movimento. Caminho lentamente até o quarto e, ao encontrá-lo vazio, uma ponta de decepção me atravessa.No banheiro, ao encarar meu reflexo no espel

MelindaOs corredores do supermercado estavam quase vazios; apenas algumas pessoas passavam por eles. Passo mais uma vez pela mesma prateleira e, agora sim, tenho certeza de que estou completamente perdida.É a primeira vez que venho a este supermercado, então não consigo encontrar quase nada com facilidade. Não sei há quanto tempo estou aqui, mas, felizmente, já consegui pegar quase tudo de que preciso, exceto o trigo.A conversa com William ainda ronda a minha mente desde o momento em que saí de casa. Reflito bastante sobre o que discutimos e, em parte, reconheço que ele tem razão. Ele está sempre presente na mídia; porém, não posso simplesmente ficar sem fazer nada da vida. Depender dele para tudo não é uma opção para mim.Além disso, ainda tenho minhas dívidas, que, finalmente, estão quase todas quitadas. Esforcei-me muito para chegar até aqui; não posso parar agora.Quando me canso de andar em círculos, avisto um rapaz organizando algumas prateleiras e pergunto onde fica o trigo.