Capítulo 01

Melinda

Às vezes me pego sonhando acordada, imaginando como seria viver uma daquelas histórias arrebatadoras que encontro nos livros. Sabe aquelas onde o mundo parece parar por um segundo, e só o que existe é um olhar trocado entre dois desconhecidos que, de repente, sentem que se conhecem desde sempre? Ou aquelas cenas clichês, mas irresistíveis, em que alguém derruba seus livros no chão e, ao se abaixar para ajudar, encontra o amor da vida ali.

Fico pensando como seria ter o coração acelerado por um simples sorriso no meio da rua, sentir borboletas no estômago ao ouvir o nome de alguém, ou até viver uma reviravolta daquelas que mudam tudo, como se o universo finalmente decidisse conspirar a favor do amor.

Mas, infelizmente, nada disso jamais aconteceu comigo. Nenhum encontro digno de trilha sonora, nenhum esbarrão mágico, nenhuma troca de olhares em câmera lenta. Talvez o meu cupido esteja dormindo em serviço, profundamente, diga-se de passagem, ou talvez eu tenha mesmo um talento especial para atrair as histórias erradas.

De qualquer forma, sigo aqui, com os livros no colo, a cabeça nas nuvens e o coração aberto, esperando que, quem sabe um dia, a minha história comece. Nem que seja com um tropeço no metrô ou um pedido de café que venha errado.

— Outra vez sonhando acordada, Melinda? Quando vai aprender a parar de viver no mundo da lua e acordar para a realidade? — Assusto-me com Karen, filha da minha chefe, falando. Rapidamente, desencosto-me do balcão. — Volte ao trabalho.

Pego o tablet de anotações e vou atender às mesas sob a minuciosa supervisão de Karen.

Quando completei quinze anos, tive que começar a trabalhar. A minha mãe sempre deu o melhor de si para que eu não precisasse trabalhar, mas, como éramos somente nós duas, ela não conseguia arcar com as despesas da casa sozinha. Aos dezenove, tivemos que sair da nossa cidade natal para tentar conseguir uma vaga em um dos maiores hospitais de Londres, onde os recursos para o tratamento de câncer eram melhores.

— Tem cliente na mesa cinco, mel. — Isabelle diz ao passar por mim, indo em direção ao balcão.

Quando deixei minha cidade natal com minha mãe, carregava na mala mais do que roupas: levava sonhos, medos e uma expectativa imensa de começar uma nova vida em Londres. Sempre imaginei que a cidade fosse feita de possibilidades, daquelas que a gente só vê em filmes, com cafés charmosos nas esquinas e ruas que guardam histórias em cada passo.

Mas a realidade não demorou a bater à porta. O custo de vida era assustador, e tudo parecia mais caro do que eu havia previsto, desde o metrô até um simples pão com manteiga. Eu tentava esconder a frustração, principalmente da minha mãe, que sempre acreditou no meu otimismo.

Foi então que conheci Isabelle. Por acaso, ou talvez por sorte, vi um anúncio no jornal local: “Procura-se alguém para dividir apartamento e despesas. Centro de Londres. Preferência por pessoa tranquila e responsável.” Quase parecia um convite direto para mim. Liguei no mesmo dia.

Isabelle me atendeu com uma voz leve e simpática. Nos encontramos em um café pequeno no Soho, e desde o primeiro momento senti que ela era diferente, tinha aquele jeito despreocupado de quem já enfrentou o caos da cidade e sobreviveu com charme. Em poucas palavras e um café compartilhado, selamos o que se tornaria uma das conexões mais importantes da minha vida.

Depois de algumas semanas, surgiu uma vaga de garçonete no café onde Isabelle trabalhava. Para mim, foi como um presente dos céus, afinal, eu já vinha procurando um emprego havia algum tempo. Apesar de ter fracassado em entrevistas anteriores, fui confiante. E aqui estou eu: há mais de um ano no Coffee Corner.

— Bom dia, seu Lúcio. Como o senhor está hoje?

Seu Lúcio é um dos meus muitos clientes fiéis. Ele vem todas as manhãs e sempre se senta no seu lugar habitual, uma das mesas com sofá.

— Ah, minha filha, a saúde não está boa, mas continuo firme — diz ele, com o seu habitual jornal nas mãos e um sorriso doce nos lábios.

Lúcio pode ser considerado um daqueles senhores que, por onde passam, são conhecidos por sua gentileza e carisma. Ele foi um dos meus primeiros clientes quando comecei a trabalhar no café.

Caminho até a cozinha para entregar o pedido para Leôncio, o chefe da cozinha. Na verdade, o café, por mais que seja bastante movimentado, não tem muitos funcionários. São cinco no total, contando comigo e Isabelle.

Leôncio, tem o gênio um pouco forte, mas é uma pessoa maravilhosa. Paula, a cozinheira, faz os doces e salgados, um amor de pessoa. Mauro é o barista, sempre com bom humor. Eu e Isabelle somos garçonetes e, ao mesmo tempo, responsáveis pelo caixa. 

Há pouco mais de um mês, começamos a sofrer com a queda no número de clientes. As vendas diminuíram, o que fez Karen assumir a contabilidade do café, e, desde então, passou a vir diariamente.

— Até que hoje deu um bom movimento. — Isabelle se aproxima do balcão, onde eu arrumava os doces.

— Acho que finalmente vamos voltar à correria do dia a dia.

Em certos horários, a movimentação do café triplicava, devido às muitas empresas ao redor. Os rumores que circulam entre nós, são de que, depois da troca de ingredientes por marcas mais baratas, os produtos perderam a qualidade, e os clientes deixaram de vir.

A cafeteria não é muito grande, nem moderna, mas é aconchegante. Tem um estilo rústico, com uma paleta de cores em marrom, preto e branco. Os bancos e cadeiras de madeira são acompanhados de travesseiros, trazendo conforto ao ambiente. As mesas são redondas, cada uma com um pequeno vaso de flores no centro. Mais afastado, há um cantinho reservado para os leitores, com sofás e almofadas, oferecendo um espaço mais tranquilo e acolhedor.

— A cada dia mais amarga — resmunga Isabelle, fazendo careta. Olho para ela sem entender. — Estou falando de Karen — diz, fazendo um gesto de cabeça em direção à morena do outro lado do salão no telefone. 

— Ah, realmente ela não é uma pessoa fácil de lidar — comento, pegando um pano para limpar o balcão.

— Essa mulher é terrível. Mas você, com esse coração de açúcar, não consegue enxergar isso. — Ela se senta no banquinho que fica atrás do balcão. — Com a crise do café, ela virou o nosso fantasma particular.

— Acho que isso é falta de afeto. Talvez ela só precise encontrar alguém que a entenda. — Dou de ombros.

— Na minha opinião, ela vai terminar sozinha. Não me olhe assim, só digo a verdade. Você já viu alguma amiga dela?

— Não, mas acredito que, como ela está trabalhando, não queira que as amigas venham até aqui. 

— Não acredito que seja isso. Também, com esse humor de cão, ninguém quer ser amiga dela. 

Antes que eu tenha tempo de responder, o sino da porta toca, anunciando a chegada de um cliente. Vejo de relance um homem de terno entrando e indo em direção a uma mesa próxima da janela, uma das mesas da minha área. Vou atendê-lo. 

— Bom dia. O que o senhor vai querer? — Pergunto com um pequeno sorriso. O homem demora a me encarar, mas, quando seus olhos finalmente encontram com os meus, algo neles me deixa extremamente desconfortável.

O jovem homem parece me avaliar minuciosamente, dos pés à cabeça, e isso me deixa totalmente sem jeito. Tento não fazer contato visual, mas falho ao ser atraída pelos maravilhosos e intrigantes olhos azuis quase cinza.

Sinto o coração acelerar; minhas mãos ficam suadas. O olhar dele é intenso, quase frio, e me arrepia.

Minhas bochechas começaram a esquentar. Ele me transmitia algo que eu não saberia explicar no momento. De uma beleza tão esplêndida que parece de outro mundo, com a barba perfeitamente aparada e os cabelos escuros como a noite, sua pele levemente bronzeada contrasta com os traços marcantes do rosto.

Enquanto o atendo e levo o seu pedido, sinto seus olhos me acompanharem o tempo todo, o que só aumenta meu desconforto. Era a primeira vez que o via, e, ainda assim, parecia que ele me conhecia há anos. Ao limpar sua mesa, encontro um bilhete com a caligrafia firme: “Até breve, Melinda.”

Isso me deixou ainda mais nervosa e assustada. De onde o conheço? Tenho a certeza de que nunca o vi. Poderia dizer que ele me confundiu com outra pessoa, mas isso não explicaria meu nome no bilhete.

— Elle, você conhece aquele homem? — Pergunto, me aproximando dela.

— Não, mas ele costuma passar aqui na frente em um carro luxuoso. Por quê? — Mostro o recado para ela, que me olha confusa. — Você o conhece?

— Não. É a primeira vez que o vejo.

— Estranho. Talvez você já tenha esbarrado nele em alguma ocasião e só não se lembra. — Dá de ombros.

Mas tenho certeza: nunca o vi. Um homem como ele é impossível de esquecer.

Tento deixar os pensamentos de lado e voltar ao trabalho, mas a todo momento me pego pensando nele. No homem misterioso de olhos cinzentos e no bilhete que ainda queima em minhas mãos.

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