Capítulo 03

Melinda

O dia mal começou e eu já me sinto exausta. Ontem precisei ir à minha antiga faculdade para resolver alguns assuntos pendentes. Com as dívidas se acumulando, tive que abdicar dos meus estudos e passei a trabalhar em dois empregos; no entanto, recentemente pedi demissão do segundo. Agora, ainda não sei se conseguirei retomar a faculdade.

Caminho quase correndo em direção à cafeteria. Justo hoje, o despertador resolveu não tocar, e o cansaço de uma noite mal dormida só piorava ainda mais a situação. Para completar o meu desespero, hoje é a folga da Isabelle, o que significa que a Karen deve estar uma fera.

Quase sem fôlego, entro na cafeteria, e, para o meu azar, a primeira pessoa que vejo é Karen, furiosa no balcão.

— Isso é hora, Melinda? Já passa das sete!

— Sinto muito… — Ela me interrompe antes que eu possa me justificar.

— Não quero saber o que aconteceu. Só quero que esteja aqui na hora. Olhe quantos clientes temos! Hoje você vai sair mais tarde, para compensar o atraso.

Suspiro, sem ter o que dizer, e sigo para o pequeno quarto nos fundos, onde guardo minhas coisas e pego meu avental. No instante em que volto para o salão, começo a ajudar a moça que está cobrindo a folga da Isabelle a atender as mesas. Quando me aproximo da mesa cinco, levo um susto ao me deparar com o homem do dia anterior, me encarando.

— Bom dia. O que deseja? — Desvio o olhar para o tablet em minhas mãos.

— Olá de novo, Melinda. — A voz rouca chega aos meus ouvidos, fazendo um arrepio percorrer meu corpo antes que eu possa evitar.

Volto a encará-lo e, então, percebo o sorriso de canto em seus lábios. Tento ser gentil e retribuo com um pequeno sorriso, que logo desaparece quando noto a frieza em seus olhos.

— Desculpe, mas… nós nos conhecemos de onde? — pergunto, na defensiva. O simples fato de ele saber meu nome, enquanto eu não sei absolutamente nada sobre ele, me deixa desconfortável.

Ontem à noite tentei lembrar se já o havia visto em algum lugar. Cheguei até a cogitar que pudesse ter sido no meu segundo emprego, mas ele não parece ser do tipo que frequenta fast food.

— Você ainda não me conhece, mas eu conheço você há algum tempo.

Olho ao redor, assustada. Dou um pequeno passo para trás e direciono o olhar para a janela que dá para a cozinha, onde Leoncio colocava um novo pedido no balcão.

— Sei que deve estar confusa, mas, se tiver um tempo para um café, poderíamos conversar um pouco.

— Sinto muito, mas não tenho tempo. — O sorriso que enfeitava seu rosto se desfaz, dando lugar a uma expressão séria.

— Não tem tempo ou não quer? — pergunta, com firmeza.

A pergunta me pega desprevenida. O encaro séria, apertando a caneta entre os dedos. Não estou gostando do rumo dessa conversa.

— Sinto desapontá-lo, senhor…

— William Montenegro — responde, com o tom de voz mais áspero.

— Senhor Montenegro, não tenho o que conversar com o senhor. Então, por favor, faça seu pedido. — Minha voz falha, mas mantenho a postura firme.

— Tudo bem. Talvez eu tenha me expressado mal, senhorita Melinda. Poderia me trazer um café preto, puro, por favor?

Anoto o pedido e me afasto o mais rápido possível de sua vista, mas sinto seu olhar em mim a cada passo. Ele toma o café calmamente e, de tempos em tempos, me encara. Após algum tempo, me chamou para pedir a conta.

— Queria pedir desculpas pela forma como me expressei antes. Talvez você não me conheça, mas já faz um tempo que passo por aqui quando vou trabalhar. Pensei em parar e conversar. — Ele passa a mão na nuca, visivelmente desconfortável.

— Claro, senhor Montenegro. — Finalizo o atendimento rapidamente, na esperança de que ele vá embora. Após pagar a conta, ele se despede com a promessa de voltar no dia seguinte.

Espero, sinceramente, que isso não aconteça tão cedo.

Após longas horas de trabalho, finalmente o dia termina, e a única coisa que ainda me mantém de pé é a enorme vontade de tomar um bom banho.

Sinto um vento frio bater no rosto e enlaço os braços ao redor do corpo, tentando me aquecer. A noite já caiu, e estou a poucos metros de casa quando percebo que o carro que vi duas quadras atrás ainda me acompanha.

Talvez seja só paranoia. Mas, mesmo assim, apresso o passo assim que avisto meu prédio. Quando entro, o carro acelera e desaparece ao dobrar a próxima esquina.

Ainda assustada, subo as escadas com pressa e, assim que entro em casa, tranco a porta.

— Aconteceu alguma coisa? — pergunta Isabelle, sentada no sofá, me encarando com expressão confusa.

— Não foi nada — respondo, seguindo direto para a cozinha, tentando evitar o assunto. O dia foi cansativo, talvez eu esteja vendo coisas onde não há.

— Não me pareceu “nada” — Isabelle entra na cozinha e se encosta no batente da porta, braços cruzados.

— Só foi um dia muito agitado — dou de ombros. Não quero preocupá-la por algo que pode ser só impressão.

Conversamos sobre coisas leves e, depois, fui para o quarto descansar um pouco até a hora do jantar.

*****

Quatro meses depois…

Quando William Montenegro realmente apareceu no dia seguinte, como havia prometido, fiquei surpresa. Ainda mais quando as visitas se tornaram frequentes, e isso se estendeu por quatro meses.

No início foi estranho. Não havia muito o que conversar. Ele parecia um homem reservado; na maioria das vezes, era ele quem puxava assunto.

Não sei exatamente quando aconteceu, mas, com o passar dos dias, comecei a ansiar pelas visitas. Passei a contar as horas até ele chegar. E, inevitavelmente, me apaixonei por William Montenegro.

Pensei em guardar meus sentimentos para mim mesma, não podia contar o que estava sentindo. Mas, numa noite chuvosa, enquanto ele me dava uma carona, declarou seu amor por mim e, naquele mesmo momento, me pediu em namoro.

O tempo ao lado dele parece mágico. É como se já o conhecesse há muito tempo. O jeito como fala, como demonstra carinho. Até mesmo as flores que traz quase todos os dias me fazem sentir as famosas borboletas no estômago.

— Estou tão feliz por você, amiga. Parece que finalmente encontrou o que tanto procurava.

Sorrio para Isabelle, que está deitada na minha cama. Ela me ajuda a me arrumar para sair com William. Já perdi a conta de quantas vezes saímos nesses meses.

— Acho engraçado como as coisas entre a gente aconteceram. Será que desta vez o meu cupido acertou? — brinco.

— Se isso for considerado um erro, quero que o meu cupido erre bastante. — Rimos juntas. — Mas estou bem do jeito que estou. Agora é sua vez de viver o conto de fadas. Essa é a sua história.

— Não seja exagerada, Elle.

Antes que ela possa responder, meu celular vibra com uma nova mensagem. Era William, avisando que já havia chegado.

— Will chegou. Qualquer coisa, me manda mensagem.

— Se algo acontecer, não vou cometer o crime de te atrapalhar. Aproveita a noite, amiga. E não esquece de se prevenir.

Sinto meu rosto esquentar com o comentário malicioso, é claro que ela não perderia a chance de me deixar envergonhada.

— Você só fala besteira — digo, rindo e indo em direção à sala.

— Não é besteira nenhuma! — ela grita, ainda rindo. — Divirta-se!

Desço os curtos lances de escada com um sorriso no rosto. Isabelle sempre tem um comentário. Antes mesmo de chegar à portaria, o vejo encostado no seu BMW preto.

Mesmo não sendo nosso primeiro encontro, ainda fico sem fôlego com a beleza de William. Ele está impecável, como se tivesse sido moldado sob medida para roubar suspiros: calça social cinza que realça suas pernas longas, colete de corte perfeito ajustado ao tronco forte e a clássica camisa branca, cujas mangas dobradas revelam parte dos antebraços, um detalhe simples, mas inexplicavelmente sedutor.

— Estava com saudades — digo, me aproximando e roubando-lhe um selinho. Seus olhos estão sérios, mas seus lábios esboçam um pequeno sorriso.

— Eu também — responde, abrindo a porta do carro para mim.

O trajeto até o restaurante foi tranquilo, embalado por uma música suave que tocava no som do carro. Trocamos poucas palavras, mas nem o silêncio entre nós pareceu desconfortável, havia algo reconfortante na presença dele, mesmo calado. A cidade passava pelas janelas como um borrão de luzes, até que o carro desacelerou em frente a um restaurante luxuoso, com fachada envidraçada e letreiro dourado iluminado por discretos refletores.

A recepcionista já nos aguardava e nos conduziu até a mesa. No caminho, sinto olhares sobre mim. A princípio penso ser coisa da minha cabeça… mas estou errada. O julgamento nos olhos das mulheres me incomoda. Elas me olham de cima a baixo com certo desprezo.

O garçom nos entrega os cardápios e se retira. Ao analisar os pratos, os preços exorbitantes me fazem querer desistir e ir direto para a lanchonete da esquina.

— Você já veio aqui antes? — tento quebrar o silêncio.

— Sim — responde, fechando o cardápio e me olhando. — O cardápio não está do seu agrado?

— Está sim — sorrio. — Só queria conversar um pouco.

O garçom retorna para anotar os pedidos.

— Vamos querer dois pastramis com pimenta. E o melhor vinho da casa.

Pimenta? Sou alérgica à pimenta! Faz tempo que não tenho uma crise, mas a última foi grave.

— Will, prefiro que o meu venha sem pimenta.

— Se quiser, pode escolher outro prato. Pedi esse por ser um dos melhores.

— Não precisa. Só não pode ter pimenta… sou alérgica.

— Oh, sinto muito. — Sorrio, tentando amenizar. O garçom se retira. — O motivo de eu ter te trazido aqui esta noite, é que preciso te dizer algo.

Isso foi o bastante para me deixar apreensiva.

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