Capítulo.01

Helena Duarte 

Naquela noite ainda estava na casa da minha amiga, ainda sem acreditar que fui expulsa de casa, depois de conseguir uma promoção maravilhosa. Há males que vem para o bem, e talvez tenha sido um livramento de Deus.

— Eu sei o que você está pensando, Helena. E com certeza foi Deus dizendo " filha eu tô aqui". Vai menina, aproveita todas as oportunidades que seu chefe puder te dar, e viva sua vida, curta muito, e prospere. Só volte para o meu casamento. — Ela diz me entregando uma xícara de chá.

— Óbvio que irei vir para seu casamento. Você me ajudou quando mais precisei, e em todos os momentos da vida, você é mais minha irmã que minha própria irmã.

— Eu sinto muito por você ter nascido nessa família tão horrível.

— Agora já foi.

Lua sempre foi, uma amigona, uma irmã de alma, sempre me ajudou em muitos momentos, teve época em que minha mãe trancava os armários e a geladeira para que eu não comecesse nada, água eu tinha que beber da torneira, e Lua sempre me ajudou, nunca me negou um prato de comida.

É difícil falar isso, mas minha mãe é uma narcisista, em todos os detalhes, não é só um pouco, e sim ela inteira.

Eu cresci achando que o problema era comigo. Que eu era ingrata, dramática ou exagerada. Mas com o tempo e terapia — sim, graças à Lua, que praticamente me arrastou — eu entendi que o buraco era muito mais embaixo. Minha mãe sempre me controlou de forma cruel, fazia chantagem emocional, diminuía minhas conquistas, me colocava contra mim mesma.

— Lembra quando você passou naquele concurso e ela disse que só idiota escolhia essa carreira? — Lua resmungou, sentando-se ao meu lado.

— Lembro. Ela disse que eu só estava tentando aparecer... Como se eu não pudesse querer crescer.

Lua balançou a cabeça e bufou, indignada como sempre.

— Ela teve medo. Medo de você sair do controle dela. Narcisistas não suportam quando a vítima cria asas.

Sorri fraco. Era estranho ter que lidar com tudo isso depois de adulta. Quando se é criança, a gente só quer agradar. Quando cresce, percebe que agradar certos tipos de pessoas é o mesmo que apagar a própria luz pra não incomodar.

— Mas agora chega, né? — disse, tomando um gole do chá quente. — Eu consegui uma promoção, estou morando com uma amiga incrível, e tenho um futuro inteiro pela frente.

— Isso mesmo! — Lua levantou a xícara como se brindasse. — Ao novo começo de Helena Duarte.

Sorri mais sincera agora. Pela primeira vez em muito tempo, senti que estava exatamente onde precisava estar. Longe do caos, perto do afeto. E mais importante: comigo mesma.

— E você acha que seu chefe vai viajar mesmo? — Lua perguntou, com aquele olhar curioso de quem já estava montando mil teorias na cabeça.

— Vai. E adivinha quem vai com ele?

— Você? — Ela arregalou os olhos.

Assenti.

— Ele disse que confia no meu trabalho, e que precisa de mim nessa viagem pra representar a empresa.

— Menina, isso é tudo! Você vai viajar, vai mostrar serviço, vai fazer contatos... Quem sabe o que pode acontecer?

— Pois é... quem sabe? — respondi, deixando o pensamento flutuar.

Naquele instante, me dei conta de que, apesar da dor, do abandono e da humilhação, eu tinha recebido algo que não se compra: liberdade. E talvez, só talvez... essa viagem fosse o ponto de virada da minha história.

— Eu tenho medo — confessei, num sussurro.

Lua apertou minha mão.

— Ter medo é normal. Mas sabe o que não é? Ficar parada por causa disso. Você vai dar a volta por cima, Helena. Vai se erguer tão alto que nem vão conseguir te olhar nos olhos.

Sorri. Um sorriso pequeno, frágil… mas sincero.

— Obrigada, Lua. Por tudo. Se eu conseguir algum dia retribuir metade do que você fez por mim…

— Retribui sim, sendo feliz. — Ela me interrompeu com firmeza. — Isso já vai valer por tudo.

Naquela noite, dormi no quarto de hóspedes da Lua, abraçada a uma almofada e à esperança de um recomeço. Sabia que o mundo lá fora não seria fácil, mas, pela primeira vez em muito tempo, me sentia livre.

E liberdade, mesmo dolorida, era muito melhor do que viver acorrentada à sombra de uma mãe que nunca me amou.

~~~

Na manhã seguinte, acordei antes mesmo do despertador tocar. O céu ainda estava cinzento e silencioso, como se o mundo também estivesse se preparando para começar de novo.

Coloquei meus pés no chão com determinação. Lua já estava de pé, preparando um café reforçado como só ela sabia fazer.

— Bom dia, assistente do chefe! — disse ela com um sorriso largo, enquanto me entregava uma caneca de café quente.

— Bom dia — respondi, tentando disfarçar o nervosismo. — Parece que acordei num mundo novo.

— E acordou mesmo. Agora vai lá, mostra que você merece estar exatamente onde está.

Depois do café, coloquei minha roupa mais elegante — um blazer vinho que comprei assim que soube da promoção. Passei um batom discreto, mas que me dava segurança, peguei minha mala. Respirei fundo três vezes antes de sair pela porta.

Cheguei ao hotel e Davi já estava me esperando no saguão, dali já iríamos para nosso próximo destino.

— Obrigada, senhor Montez. É uma honra.

— Por favor, me chame de Davi. Vamos ter muito trabalho pela frente e, se depender de mim, você vai crescer ainda mais.

Aquela frase me atingiu como um raio. Pela primeira vez, alguém poderoso olhava para mim e dizia: Você tem potencial.

Segui Davi até o carro e fomos direto para o aeroporto, iriamos em seu jarinho particular, ali eu dava adeus a minha mãe, até mesmo a minha irmã, que eu sabia que não era má, apenas teve uma mãe ruim.

Ali, naquela poltrona do jatinho, com esse homem que acredita no meu potencial, eu fiz uma promessa silenciosa a mim mesma:

Nunca mais vou me encolher para caber nos limites que os outros tentaram impor sobre mim.

{...}

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App