Narrado por Melissa
Nunca tive muito. Nunca fui muito.
Lembro da primeira vez que subi aquele morro. O céu tava cinza, e não era só pelo clima. Era como se o mundo todo estivesse em luto por mim. O tênis furado que eu usava deixava a água da chuva entrar, e o jaleco que eu carregava dentro da bolsa era o único escudo entre mim e a realidade.
Na infância, o morro era sinônimo de grito. Grito da minha mãe pedindo paz. Grito do meu pai mandando ela calar a boca. Eu ficava no canto, escondida, segurando uma faca cega e esperando o pior. Ele nunca me bateu. Sabia que eu era bruta, nascida na fúria. E mesmo sendo ele meu pai, sempre soube que se me tocasse, eu devolveria em dobro. Ele tinha medo da filha que criou. Engraçado isso.
Minha mãe morreu quando eu tinha doze. Câncer. O hospital não tinha recurso. A gente não tinha dinheiro. Ela dizia que eu ia ser enfermeira, “anjo de branco”, como ela falava, rindo com aquele dente faltando do lado esquerdo. Quando ela se foi, ficou só o eco