Melinda
Ele me deixou aqui nesse quarto.
Trancada.
Gelada.
Tremendo.
E, meu Deus… eu preciso sair daqui. Preciso fugir desse louco — ele é louco, eu sei que é.
Eu estava encolhida, nua, num canto escuro, tentando manter a respiração sob controle, até que vi um rato.
— Ai, meu Deus! — Gritei tão alto que minha garganta arranhou. — Ai, que nojo! Sai daqui! — comecei a pular, quase desmaiando de pavor.
Eu chorava, soluçava, implorava, e ele nem apareceu. Nem se importou.
Eu podia morrer ali naquele chão gelado que, pra ele, tanto fazia.
Quando a porta finalmente se abriu, meu coração travou. Mas não era ele.
— Ei, o chefe mandou eu te levar pro quarto — disse uma senhora, me cobrindo rápido com uma toalha.
Só que eu não percebi que, ao passar pela cozinha, ele estava ali, sentado, fumando com três caras. Eles arregalaram os olhos assim que me viram de toalha, corpo molhado, machucada.
— Tu é um puto mermo, né, parceiro? A mãe dela chorando no jornal e tu com a mina aqui — um deles falou.
Ele nem piscou. Só deu um sinal com a mão, mandando a mulher me levar.
O quarto onde me colocaram era outro — luxuoso, tão fora da realidade da favela que me deu enjoo.
Quando fechei a porta, vi tudo.
Roupas minhas.
As minhas roupas.
As que eu posto no I*******m.
As que eu nem tinha lançado.
Minhas lingeries.
Minhas fotos.
Meu Deus… ele é obcecado por mim.
Eu comecei a tremer. Não era mais medo — era pânico.
Fui até o banheiro. Havia maquiagem, cremes, perfumes… tudo que eu uso no dia a dia.
Tudo. Como se ele tivesse me estudado.
Quando terminei meu banho, vi meu rosto no espelho — marcado, inchado dos t***s.
Se arrependimento matasse, eu já estaria morta por ter feito aquela live idiota.
Saí do banheiro e quase tropecei para trás.
Ele estava sentado na cama.
Me encarando.
Calado.
Respiração pesada, olhar sombrio — e porra, esse desgraçado não era feio. O que piorava tudo.
Abaixe a cabeça. Não provoque.
— Pensou muito? — perguntou com aquela voz baixa que fazia meu estômago virar.
— Quem tem que pensar é você, não eu. Você é louco. Aqui tem tudo o que eu uso… tu tava me vigiando, é isso? — Meu Deus, eu sou uma idiota, eu não tenho noção do perigo.
Ele ficou me observando dos pés à cabeça. Sem piscar. Sem responder.
E então levantou, veio até mim e tocou meu rosto.
— Isso dói? — perguntou, passando o dedo onde o tapa pegou.
Eu confirmei.
Vi o brilho nos olhos dele mudar — um brilho que me deu medo e, ao mesmo tempo, a sensação de que eu tinha acertado algo.
— Tá doendo ainda… — eu disse, baixinho.
Ele aproximou o rosto, respirou fundo.
— Vou mandar trazer remédios pra ti — murmurou, passando o dedo pelos meus lábios. Meu corpo arrepiou. Eu mordi o lábio por reflexo.
Mas o momento quebrou quando um deles gritou:
— Chefe! A mina tá passando no jornal!
Ele olhou pra mim como se eu fosse culpada de algo… e saiu, trancando a porta.
Eu respirei fundo.
Eu vou sair daqui. Eu preciso.
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Pablo
Eu deixei ela no quarto, mas a porra da minha cabeça não desligou.
Fiquei a madrugada inteira olhando pro teto, pensando nela, na forma como ela me olhou, como mordeu o lábio… como me desafiou.
Puta que pariu, aquela mina mexia comigo de um jeito que eu não sabia lidar.
De manhã, tomei banho, vesti as roupas e desci.
Vanuza já preparando o café.
— Vai tomar café, filho? — ela perguntou.
— Não. Vai lá no quartinho, tira a mina de lá e coloca no quarto do lado do meu.
Queria ela perto.
Queria sentir ela respirando.
Queria… porra, eu queria tudo.
Um parceiro meu entrou.
— Fala, boladão!
— Fala! — cumprimentei.
— E aí, vai participar do assalto ou não, porra?
Eu puxei o cigarro, traguei até o fim.
— O que eu ganho com isso?
— Dinheiro. Muito dinheiro, parceiro.
Ri de canto.
Dinheiro eu tinha. Mas vontade nenhuma de sair da favela enquanto ela estava no meu território.
Mas dei o papo:
— Vou te fortalecer. Depois a gente desenrola.
E foi aí que ela apareceu com a Vanuza, só de toalha.
Meu sangue ferveu. Todos os caras olharam.
Eu senti um ódio tão grande que quase quebrei a garrafa na mão.
— Tu é um puto mermo, parceiro… a mãe dela chorando no jornal e tu com a mina aqui! — o idiota falou.
Eu só dei o sinal para Vanuza levar ela.
— Espero que isso não saia daqui… se não, o bagulho vai ficar feio — respondi. Ele levantou as mãos, recuando.
Quando fui pro quarto, fiquei sentado na cama, esperando ela sair do banheiro.
Ela saiu… pálida.
Mordeu o lábio.
Achou que ia me manipular, me convencer a deixar ela sair.
Se depender de mim, ela não sai daqui nem com o inferno entrando pela porta.
Aí veio o grito:
— Chefe! A mina tá passando no jornal!
Subi correndo, batimentos acelerados, raiva quente no peito.
Abri a porta. Ela penteava o cabelo, como se estivesse num hotel.
Agarrei ela pelos cabelos.
— Tu falou de mim pra alguém?
— Do que tu tá falando?
Puxei mais forte.
Ela gritou.
— Responde minha pergunta, Melinda.
— Não! Eu não falei nada!
Era mentira. Tinha que ser.
O sangue subiu.
Joguei ela no chão.
— Tem uma amiga tua que sabe de mim. Qual o nome dela?
— Por favor… — ela implorou.
— Qual o nome da vagabunda que abriu o bico na delegacia? — perguntei, me abaixando.
Ela negou.
Eu peguei a mão dela.
Comecei a entortar o dedo devagar.
Ela chorava.
— Por favor… por favor, não…
— Eu vou quebrar teu dedo — falei, apertando mais. — Vai deixar eu quebrar teu dedo por uma mina que nem tua amiga é?
Ela continuou negando.
O ódio subia.
A respiração dela acelerava.
E eu queria ver até onde ela ia por alguém.
Mas controlei.
Soltei.
Levantei, puto.
— Tu vai aguentar a porra do BO, então?
Tranquei a porta e desci.
— Chama o Tales AGORA — falei no radinho, acendendo um fino.
Ele veio.
— Qual foi, chefe?
— Quero que veja com nossos contatos na polícia o que aquela vagabunda falou no depoimento. Traga isso pra mim.
— É fixa. E o baile?
— Organiza três dias de baile. A gente vai faturar.
Tales saiu, e eu fiquei parado, respirando, deixando a fumaça soltar o ódio.
Eu não sabia mais se queria matar ela ou proteger ela.
Mas uma coisa eu sabia:
Se ela falou meu nome, a Melinda vai aprender do pior jeito que não se brinca com a obsessão de um homem como eu.