— Senhor!... Eu... eu não sei quem está procurando — disse Milena, a voz trêmula, quase um sussurro, enquanto seus olhos castanhos, arregalados, fitavam o homem à sua frente.
 O desconhecido era alto, de postura ereta, vestia um terno cinza-escuro perfeitamente alinhado ao corpo esguio. Os cabelos loiros estavam penteados com precisão, e o perfume amadeirado que exalava parecia ter vindo de um mundo completamente diferente do dela. Seus olhos, de um verde profundo, a observavam com uma intensidade que a fez recuar um passo, instintivamente.
 Milena apertou as mãos contra o avental surrado que usava no hotel onde trabalhava como garçonete. O coração batia acelerado, como se quisesse escapar do peito. Ela engoliu em seco, tentando entender o que aquele homem tão distinto fazia ali, parado diante dela, com um leve sorriso nos lábios e um olhar que parecia atravessar sua alma.
 "O que será que ele quer comigo?", pensou, sentindo o rosto corar. "Uma moça simples, de origem tão humilde... Será que me confundiu com outra pessoa?"
 — Você não pode simplesmente surtar e sair no meio da noite feito uma maluca! — vociferou Alerrandro, com os olhos arregalados e a mandíbula tensa, como se tentasse conter uma explosão interna. Ele se aproximou de Milena com passos firmes, parando a poucos centímetros dela, o olhar cravado nos olhos dela como se quisesse arrancar respostas à força.
 Milena recuou instintivamente, o coração disparado, sem entender o que estava acontecendo. A confusão em seu rosto era evidente: sobrancelhas arqueadas, lábios entreabertos, o corpo rígido como se estivesse prestes a fugir.
 — Isso não é um casamento... — continuou ele, com a voz embargada por uma mistura de raiva e dor. — É apenas uma droga de um contrato! Nada mais! E você... você sabe muito bem disso.
 Ela piscou várias vezes, tentando processar aquelas palavras. A respiração ficou curta, entrecortada. O peito subia e descia com rapidez.
 — Mas... mas do que você está falando?... — perguntou, com a voz trêmula, quase um sussurro. — Que contrato? Casamento?...
 Milena franziu o cenho, tentando entender o que ele queria dizer. A semelhança com Lorena, sua irmã gêmea, era o que causava aquela reação em Alerrandro, mas havia algo mais ali. Ele não parecia apenas surpreso, havia uma emoção contida, algo que os olhos dele não conseguiam esconder.
 Ela desviou o olhar, como quem tenta escapar de uma lembrança dolorosa. Os olhos marejados denunciavam a dor que sempre surgia quando pensava em sua história. A infância marcada por ausências, silêncios e segredos.
 Sua mãe, Helena, fora uma mulher de fibra, mas marcada por escolhas difíceis. Apaixou-se por um homem rico, um empresário influente da cidade. Viveram um romance intenso, mas breve. Quando descobriu que estava grávida, ele se afastou. Não quis compromisso. Não quis Milena.
 Levou apenas Mileide, a outra filha, a quem reconheceu como legítima. Milena ficou com a mãe, que lutou como pôde para criá-la sozinha. Mas a vida foi cruel. Helena adoeceu cedo e, poucos anos depois, partiu, deixando Milena órfã aos dez anos de idade.
 Desde então, Milena aprendeu a sobreviver. Trabalhou em feiras, lavou roupas, cuidou de crianças. Nunca teve tempo para sonhar. Nunca teve ninguém para protegê-la.
 Alerrandro passou a mão pelos cabelos, claramente irritado, mas também confuso. Seus olhos vagaram pelo rosto de Milena, como se buscassem algo familiar, algo que confirmasse suas suspeitas.
 — Estou sem paciência para discutir com você. Vamos para casa! — exclamou, com a voz mais áspera do que pretendia. — O motorista está nos esperando. Largue essa bandeja! — Resmungou, pegando a bandeja da mão dela e colocando em cima de um balcão.
 Ele estendeu a mão e segurou a dela com firmeza. Mas no instante em que o fez, algo o incomodou. O toque era diferente. A pele, o jeito como ela retribuiu, ou não retribuiu, o gesto. Ele franziu a testa, apertou um dos olhos como quem tenta enxergar melhor, e balançou levemente a cabeça.
 — Que diabo aconteceu com você!?... — murmurou, quase para si mesmo, com um tom de incredulidade.
 Milena abriu a boca, tentando responder, mas as palavras não saíram.
 — Eu...
 — Esqueça! — cortou ele, virando o rosto com impaciência.
 E assim, sem dar espaço para mais perguntas, ele saiu do hotel com Milena, ainda segurando sua mão com força. Ela, atordoada, deixou-se levar, os passos hesitantes, o olhar perdido. O coração batia como um tambor dentro do peito, e a sensação de estar vivendo algo que não lhe pertencia a deixava ainda mais confusa.
 Quando chegaram ao carro, Alerrandro abriu a porta para Milena com um gesto automático hesitou por um segundo, olhando para ele com olhos arregalados, como se tentasse decifrar aquele homem que a tratava com tanta familiaridade. Entrou devagar, sentindo o couro frio do banco contra a pele, e ele deu a volta, entrando pelo outro lado, sentando-se ao seu lado com um suspiro pesado.
 O motorista deu a ré com precisão e seguiu pelas ruas silenciosas da cidade, iluminadas apenas pelos postes espaçados e o brilho pálido da lua. Milena manteve o olhar fixo na janela, mas não via nada além do turbilhão de pensamentos que a consumia. O coração batia descompassado, e a garganta parecia apertada demais para qualquer palavra sair.
 Ela sabia que precisava contar a verdade. Mas como? Como dizer que não era quem ele pensava? Que tudo aquilo era um engano?
 Quando o carro parou em frente ao prédio, Alerrandro desceu primeiro, sem dizer nada. O porte elegante, os ombros largos e a expressão séria davam a ele uma presença quase intimidadora. Ele contornou o carro e abriu a porta para ela, estendendo a mão com naturalidade.
 — Vamos entrar... — disse, com a voz baixa, mas firme.
 Milena hesitou. O ar da noite era frio, cortante, e seus braços se arrepiaram imediatamente. Ela cruzou os braços sobre o peito, tentando se proteger, mas não era só o frio, era o medo, a dúvida, a culpa.
 — Espera! — disse, dando um passo para trás. — Você entendeu errado!
 Alerrandro franziu o cenho, surpreso com a resistência. Mas ao ver os ombros dela tremendo, sem pensar duas vezes, tirou o paletó e envolveu os ombros dela com delicadeza. O gesto foi inesperado. Milena ficou imóvel, sentindo o calor do tecido e, mais ainda, o calor do cuidado.
 Ela olhou para ele, os olhos marejados, sem saber se era pela emoção ou pelo choque. Alerrandro a encarou por um instante, os olhos escuros buscando respostas no rosto dela. Havia confusão, sim, mas também uma ternura contida.
 — Você está tremendo de frio, Mileide. — murmurou, com a voz mais suave. — O que eu entendi errado? Conte rápido, precisamos entrar. Não é seguro nesse horário da noite.
 Milena tentou falar, mas as palavras se embaralharam. Os lábios se moveram, mas nenhum som saiu. Ela abaixou o olhar, sentindo o peso da mentira que ainda não havia contado.
 — Eu... Eu... — balbuciou, com a voz embargada.
 Alerrandro suspirou, balançando a cabeça com leve frustração. Mas ao invés de pressioná-la, estendeu a mão e tocou o braço dela com cuidado, como quem tenta guiar sem ferir. O toque era firme, mas gentil. Milena sentiu um arrepio, não de frio, mas de algo que não sabia nomear.
 Ele a conduziu até o hall do prédio, e ela o seguiu, ainda envolta no paletó, ainda sem saber como dizer que não era Lorena. Que era Milena. Que tudo aquilo era um erro, ou talvez, o início de algo que ela nunca imaginou viver.