Serena

Convento — Nápoles

O cheiro de incenso ainda impregnava nos meus cabelos quando eu me ajoelhei diante do altar. As velas acesas lançavam sombras dançantes pelos vitrais da capela, e o silêncio era cortado apenas pelo eco das minhas preces sussurradas.

— Senhor... Guia-me. Me da coragem.

Minhas mãos tremiam entrelaçadas, os olhos ardiam. Eu já sabia que aquele era meu último amanhecer ali. E, mesmo que eu desejasse uma nova vida, meu coração doía de uma forma que eu não esperava.

Logo depois das orações, fui direto para o berçário.

A freira responsável pelas crianças me lançou um olhar compressivo e saiu sem dizer nada. Talvez fosse a forma dela de me dar um último momento a sós.

Aproximei-me dos berços devagar, o som suave dos choros dos recém-nascidos preenchia o quarto abafado pelo calor.

— Ei, shhhhh -- murmurei, pegando Pietro no colo, um dos meus preferidos. Tinha apenas três meses e sempre sorria quando eu o pegava. — - A tia Serena vai embora hoje, meu amor.

Eu sabia que ele não entenderia, mas disse assim mesmo.

Sentei na cadeira de balanço e comecei a cantar baixinho, como sempre fazia todas as manhãs. O mesmo cântico suave que minha mente guardava desde que eu era menina ali dentro. Uma linda melodia que se tornou parte de mim.

E então desabei.

As lagrimas vinheram de repente, es correndo sem freio enquanto eu o embalava nos meus braços.

Eu cresci entre aqueles corredores de pedra fria, entre as rezas, disciplina e silêncios. Cresci entre as orações e a espera. Esperei anos por esse momento, ser escolhida, sair dali, ter uma família... Mas agora que ele havia chegado, eu só conseguia sentir medo.

Medo do desconhecido.

Medo de não ser o suficiente.

Coloquei Pietro de volta no berço e beijei sua testa com carinho, depois fui me despedindo de um por um. Cada rostinho, cada mãozinha enrolada nos lençóis brancos. Aqueles bebes eram minha família, eram tudo oque eu conhecia.

Ao sair do berçário, encontrei algumas madres no corredor. As mais jovens choravam baixinho. A madre superior me deu um abraço firme e colocou o rosário na minha mão.

— Seja forte Serena. Deus escolheu você para algo grande.

Assenti com os olhos umidos, sem saber oque responder. Deus me escolheu ou fui escolhida para aliviar os pecados de outra família?

Subi lentamente as escadas ate meu quarto. Quando abri a porta, encontrei uma figura pequena, de cabelos completamente brancos e pele enrugada, dobrando um tecido com delicadeza sobre a mesa.

— Irmã Tereza? — Murmurei surpresa.

Ela era responsável pela limpeza. Sempre quieta, sempre invisível.

-- Vim trazer algo pra você, menina -- sua voz era fraca mas havia ternura. -- Foi um presente de uma das antigas noviças... Nunca usado. Guardei esse vestido esperando o momento certo.

Caminhei ate a cama e toquei o tecido com cuidado. Era simples, creme, com rendas discretas no busto. Longo, nada de luxo mas bonito e puro.

Ela me olhou com os olhos marejando, e eu me abaixei para pegar meus sapatos brancos guardados em baixo da cama. Eram o par mais novo que eu tinha a quinze anos. Apertavam meus pés, mas eram os únicos que ainda pareciam novos o suficiente para um dia como aquele.

— São seus?

— Desde os quinze. -- respondi sorrindo, mas com um nó na garganta.

-- Mas servem. Vão ter que servir.

Comecei a me trocar em silêncio. As roupas que eu tinha eram poucas, as demais pertenciam ao convento. Não haviam malas, nem baús, apenas uma sacola pequena com algumas peças simples que consegui guardar ao longo dos anos.

Era quase estranho me ver sem a bata. Me senti nua... Exposta.

A irmã Tereza me observava em silêncio, mas antes de sair, veio ate mim e segurou minha mão.

— Seja valente. Nem todos os monstros têm dentes afiados. Às vezes eles se escondem em sorrisos e alianças.

Arrepiei inteira. Quis perguntar oque ela sabia, mas ela já estava de costas, fechando a porta.

Fiquei ali, sozinha.

Vestida de noiva.

Calçando os sapatos que esmagavam os meus dedos.

Com o coração batendo alto, sufocado por uma mistura de esperança e terror.

Era isso.

Minha nova vida estava prestes a começar.

E eu não fazia ideia do que me esperava do lado de fora daquele portão.

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