Dante

Em um lugar qualquer em Nápoles- Presente

A claridade atravessou a janela de forma cruel.

Ardia nos olhos, a cabeça latejava como se tivesse um tambor batendo dentro do meu crânio.

Acordei jogado em um sofá velho, com o couro rachado grudado nas costas suadas. Um gosto amargo de vômito e whisk barato na boca.

Olhei em volta e não reconheci ninguém a minha volta, tinha gente dormindo no chão, no corredor, uma calcinha pendurada na maçaneta da porta. Um cheiro de bebida, cigarro e copos sujos era insuportável.

Tentei levantar, mas só vi o mundo girando.

E foi nesse momento que a porta do apartamento foi escancarada por um estrondo.

— Porco imundo. — foi a primeira coisa que meu pai disse ao me ver naquele estado.

Ele entrou com dois dos seus seguranças que mais pareciam duas geladeiras humanas vestindo preto. Olharam pra mim como se eu fosse lixo.

— Levem ele agora.

Não tive forças pra resistir. Meu corpo estava mole, os músculos sem comando, e minha cabeça pulsava em dor. Me carregaram como um fardo inútil, e eu deixei.

Fechei os olhos no caminho de volta, tentando fingir que tudo aquilo era um sonho ruim.

Mas não era.

Chegar em casa foi como atravessar o inferno. A gritaria começou antes mesmo de chegar no corredor.

— Inútil!

— Desgraçado irresponsável!

— Você vai acabar com a reputação da família!

— Vergonha!

As vozes vinham de todos os lados: meu pai, minha mãe, meus irmãos… Era como se todos estivessem ensaiando aquele discurso há anos, esperando o momento certo para vomitar cada palavra em cima de mim.

Eu suportei por dois minutos.

Então levantei a mão e gritei:

— Chega!

O silêncio veio como um soco.

Olhei para todos eles, um por um, e perguntei, com a voz baixa, arrastada, mas firme:

— Alguma vez eu deixei de fazer meu trabalho?

Silêncio.

Meu pai apertou os lábios, minha mãe desviou os olhos, meus irmãos abaixaram a cabeça. Nenhum deles respondeu.

Porque todos sabiam a verdade.

Eu podia ser um desastre como filho. Um problema como homem. Um fardo como herdeiro.

Mas nunca falhei no que realmente importava para essa família.

O silêncio ainda ecoava pelas paredes da sala quando minha mãe se aproximou.

Ela caminhava como se pisasse em cacos de vidro. Sempre soube se equilibrar entre a tempestade e a diplomacia. E agora não era diferente.

—- Dante… — sua voz era calma, mas firme — Vem comigo, vamos conversar.

Não respondi. Só fui atrás.

Ela entrou no escritório do meu pai, naquele maldito lugar onde os Bellanti eram lapidados a força para parecerem homens honrados.

Fechou a porta.

Sentou na poltrona de couro com a elegância de quem nunca perdeu o controle. E, pela primeira vez, olhou pra mim como mãe, não como esposa de Don Bellanti.

— Você tem algumas horas até o casamento. — começou, com a voz baixa, medindo as palavras.— Eu sei que tudo isso parece absurdo, rápido demais, sem sentido. E talvez seja mesmo.

Me joguei no sofá de frente para ela. A cabeça ainda latejava, mas agora era mais culpa do peso do que do álcool.

— Então porque tão rápido, mãe? Porque isso agora? — minha voz saiu arrastada. Eu estava cansado, cansado de tudo.

Ela suspirou, cruzando as pernas bem devagar.

— Porque precisamos limpar nosso nome. Dante, a mídia está rodando a nossa porta. Sabe como são… uma faísca e tudo pega fogo. E, você… você não colabora — Ela fez uma pausa, mas seu tom suavizou. — Então vamos dar a eles oque eles querem ver. Uma nova historia. Um Bellanti casado, quieto, responsável, um homem de família.

Eu ri, sem humor.

— E é isso que essa menina vai ser? Uma cortina de fumaça?

Ela não desviou o olhar.

— Ela vai ser sua esposa. Vai morar com você, carregar nosso nome. Mas, Dante…— sua voz baixou —Eu prometo que sua vida não vai mudar. O que for feito… Será feito em silêncio. Como sempre foi.

Fiquei em silêncio.

Ela se levantou e veio até mim. Se ajoelhou, segurou meu rosto entre as mãos, como fazia quando eu era moleque e voltava machucado das brigas de rua.

— Você só precisa ser gentil com ela. Mostrar respeito e manter a sua imagem limpa. O resto… o resto, meu filho, continua como sempre foi.

Fechei os olhos.

Era fácil prometer o que ela prometia. Mas será que eu queria continuar sendo aquele Dante?

A verdade é que eu nem sabia mais.

— Me promete que isso não vai ferrar ainda mais a minh vida? — perguntei, quase sussurrando.

Ela sorriu de leve.

— Eu prometo. Você vai sobreviver. Como sempre fez.

Me abraçou. E, por um segundo, voltei a ser o filho e não o herdeiro.

— Agora vai. Sua roupa está em cima da cama. Toma um banho, lava essa ressaca. Você precisa parecer vivo no altar.

Me levantei devagar.

A dor ainda martelava, mas a conversa com minha mãe clareou parte da minha mente.

Um casamento.

Uma esposa.

Uma mentira bem costurada.

Mas, no fundo, eu sabia: nenhuma costura segura resiste quando começa a rasgar de dentro pra fora.

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