Ele sorri, suave. Seu manto azul brilha à luz das velas que não existem ali, mas a impressão é essa. Sua presença é quase sobrenatural, como se iluminasse o quarto inteiro sem que a luz tocasse nada. E ele diz apenas:
— Olá, Emma. Finalmente. — Quem é você? — é tudo que consegue sair da garganta, seca e trêmula, a voz falhando sob o peso do choque. O coração parece martelar dentro do peito, como se quisesse escapar, e a mente se recusa a aceitar o que vê. Pisco, tentando afastar a sensação de estar delirando. Ele parece banhado por luz de velas, mas não há velas, e ainda assim a impressão é real demais para ser ignorada. — Vocês ainda não contaram para ela? — a pergunta dele é um choque que puxa Emma de volta para a realidade, obrigando-a a encarar seus pais. Os olhos deles estão arregalados, uma mistura de medo, culpa e algo que ela não consegue decifrar. — Mãe? Pai? — chama-os, a voz quase sumindo — o que está acontecendo? Alguém pode me dizer? — Ela percorre o olhar por todos, buscando alguma explicação, alguma verdade que a acalme. Mas os rostos dos tios são iguais aos de seus pais, tensos, e Luísa parece congelada, imóvel, com olhos que evitam os dela, mas quando finalmente se encontram, Emma sente que há um segredo escondido ali, algo que não está sendo dito. — Alguém pode me explicar? Quem é esse homem? Por que todos parecem esconder algo de mim? — a voz cresce, embargada e desesperada, tentando puxar respostas que não chegam. O homem tosse, o som ecoando pelo silêncio, e seu olhar pesado se volta para Emma. — O prazo está acabando. Se vocês não contaram, eu mesmo vou ter que falar. Antes que ele consiga continuar, sua mãe se adianta, a voz trêmula, quase suplicante: — Não. Deixe conosco. Precisamos conversar com ela — troca um olhar rápido com o pai, que assente, relutante. — Vocês podem aguardar aqui? — Todos concordam, silenciosos. — Vamos para o meu quarto. Emma segue-os em silêncio absoluto. Cada passo parece arrastar uma eternidade, e cada som da casa amplifica seu medo. Ao chegarem ao quarto, seus pais se sentam na beirada da cama e batem no espaço vazio no meio, pedindo que ela sente. Mas seu corpo se recusa; está tenso demais, ainda dominado pelo choque e pela incredulidade. Permanece em pé, os braços cruzados, os joelhos trêmulos, enquanto a respiração sai em soluços contidos. Eles trocam olhares, tentando encontrar palavras, mas há apenas silêncio, pesado, quase sufocante. — Mãe? Pai? — murmura, a voz fraca, quebrada — será que podem falar de uma vez? Contem tudo, porque eu sei que estão escondendo algo de mim. A mãe respira fundo, tentando organizar as palavras que, de tão pesadas, parecem não querer sair. — Filha, primeiro precisamos te contar uma história... — e, lentamente, ela começa. As palavras escorrem devagar, cada frase mais difícil de processar. Emma ouve sobre um reino distante, um trono que lhe pertence, sobre algo especial em seu nascimento, algo que exigiu que fosse enviada para este mundo. Cada detalhe parece rasgar seu coração em pedaços, misturando incredulidade, raiva e um medo primitivo que a paralisa. O pai acrescenta fragmentos, como se tentando preencher lacunas invisíveis: eles não são seus verdadeiros pais, mas feiticeiros designados para protegê-la. Os tios, pais de Luísa, são guardiões, e Luísa, a melhor amiga, havia sido treinada desde pequena para isso. Seu aniversário de quatorze anos marcava sua volta, e seus poderes, até então adormecidos, precisavam ser controlados. Eles param. Não explicam tudo. Apenas deixam espaço para a mente de Emma tentar preencher os buracos, e tudo parece demais, impossível demais. Ela sente o mundo girar, os olhos se arregalarem, a boca aberta, incapaz de emitir som. — O QUÊ? — grita, a única coisa que sai, uma explosão de dor, incredulidade e medo. — Não! Isso é uma pegadinha, certo? Vocês são meus pais, não fariam isso comigo! E a Luísa... ela é minha amiga! — As palavras se perdem em soluços, o choro explode. As lágrimas escorrem pelo rosto, molhando a blusa, o chão. O coração pulsa tão forte que parece querer sair do peito. — Ursinha... — ouvir aquele apelido a corta ao meio. Ele tenta se aproximar, com cuidado, mas ela ergue a mão, firme, bloqueando qualquer tentativa de conforto. Não quer consolo, não quer palavras, não quer mais nada além de desaparecer do mundo que agora parece hostil. — É verdade, Emma. Tudo que dissemos é verdade, mas não podíamos contar antes. Quanto menos você soubesse, mais segura estaria. — As palavras dele atravessam o peito dela, mas não alcançam o coração. Negando tudo, Emma vira-se e corre, descendo as escadas com a força da raiva e do desespero. Cada passo ecoa, mas ninguém se aproxima, ninguém tenta segurá-la. Uma bolha invisível parece isolá-la do mundo, abafando sons, cheiros, vozes. A porta se abre, e o ar frio da noite a envolve. Corre, sem direção, sem pensar, até chegar à velha casa da árvore, refúgio da infância. Ela despenca pela escada de madeira, sobe novamente, encosta-se nas tábuas úmidas, abraçando os joelhos, tentando comprimir o corpo inteiro dentro de si mesma. Chora, soluça, arfando, tentando conter o turbilhão de emoções que a consome: medo, raiva, incredulidade, tristeza. A mente não para: Reino? Trono? Poderes? Não pode ser real. Não pode. O tempo perde significado. Cada respiração é difícil, cada soluço a queima por dentro. Até que um estalo no lado de fora a faz parar, o corpo inteiro se contrai. Uma sombra desliza pela abertura, e o coração dispara como se fosse explodir. — Eu sabia que te encontraria aqui — a voz é grave, mas calma, carregada de firmeza e mistério. Emma ergue o rosto, os olhos vermelhos e inchados. O homem de manto azul permanece na entrada, iluminado pela lua, imponente e estranho. É como se a própria noite tivesse dado forma a algo sobrenatural. — Não chega perto! — ela grita, a voz embargada, cheia de medo e raiva — já basta o que ouvi! Ele ergue as mãos em rendição, o tecido do manto refletindo a luz da lua em suaves brilhos. — Não quero te machucar. Vim apenas porque eles não conseguiram dizer tudo. E o tempo está contra nós. Emma recua, encostando as costas na parede da árvore, os olhos fixos nele. — Quem é você? O que quer de mim? — a voz sai baixa, mas carregada de desconfiança. O silêncio se prolonga, quebrado apenas pelo farfalhar das folhas e pelo ranger das tábuas. Então, ele finalmente fala: — Meu nome é Aiden. Sou seu tio. A revelação a atravessa como uma lâmina. Pisca, confusa, tentando juntar os fragmentos que ouvira antes com a nova informação. — Meu... tio? — Sim — ele suaviza a voz — O irmão da sua mãe de sangue. Fui eu quem ajudou a escondê-la neste mundo, quem treinou aqueles que você sempre chamou de pais. E agora cheguei para cumprir minha parte: preparar você para o que está por vir. Emma balança a cabeça, descrente. — Não... não pode ser verdade. Eu só quero minha vida de volta... eu só quero ser normal! Os olhos de Aiden brilham com uma tristeza profunda. — Normal não é algo que o destino reservou para você, Emma. Quanto antes aceitar isso, mais rápido poderá sobreviver ao que está vindo. Ela fecha os olhos com força, o peito arfando, dividida entre negar e ouvir. Quando os abre novamente, percebe que, pela primeira vez naquela noite, o medo começa a se misturar com uma centelha de curiosidade. — E se eu não quiser? — a voz sai baixa, firme, quase desafiadora. — Se eu não quiser esse destino que você fala? Ele respira fundo, o brilho da lua delineando os traços marcados do rosto. — Não se trata de querer, Emma. O poder dentro de você já desperta. Fugir só vai atrasar o inevitável. Um arrepio percorre sua espinha. Lembra-se da bolha que a isolou dos sons enquanto corria até ali — aquilo não fora imaginação. — Foi... eu? — sussurra, mais para si do que para ele. Aiden assente devagar. — O primeiro sinal. Sua magia começou a responder ao seu coração, à sua dor. E não vai parar por aí. Emma aperta os punhos, tentando conter o tremor. Uma parte dela quer berrar, negar, fugir. Outra, pequena e quase imperceptível, agarra-se às palavras dele como se fosse a única corda em meio ao caos. — Por que agora? — pergunta, a voz carregada de medo e desafio. — Por que esperar até hoje? Ele se aproxima, cauteloso, como quem teme assustar um animal. — Porque hoje o selo que mantinha seus poderes adormecidos se quebrou. Seus pais adotivos sabiam disso, seus tios também. Era a única forma de te proteger até que tivesse idade suficiente para compreender. O peito de Emma dói, cada palavra abre uma ferida nova. — Eles... mentiram a vida inteira. — Eles te amaram a vida inteira — corrige Aiden, firme. — Se não fosse por eles, você já estaria morta. Emma morde o lábio, tentando conter as lágrimas. Há raiva, dor, mas também uma estranha sensação de importância, como se o eixo do mundo tivesse mudado naquela noite. — E o que acontece agora? — pergunta, quase desafiando. Aiden a encara com intensidade, e ela desvia os olhos. — Agora, eu te ensino sobre magia e te levo até seus pais verdadeiros. Um silêncio pesado cai sobre a casa da árvore, interrompido apenas pelo ranger suave da madeira antiga. Emma percebe, pela primeira vez naquela noite, que sua vida jamais voltará a ser a mesma.