Mundo de ficçãoIniciar sessãoNaquele dia, Nay chegou cedo à empresa, como de costume. Organizada e diligente, ela sabia que sua responsabilidade era abrir as portas da Zanobi Corporation antes que os outros funcionários começassem a chegar. Seguiu seu ritual matinal com precisão: posicionou a bolsa ao lado da mesa, ligou os computadores e começou a revisar a lista de documentos que aguardavam assinatura. Tudo caminhava conforme o esperado, até que a porta se abriu.
Geralmente discreta, Nay sabia manter a compostura. Mas naquele instante, não conseguiu disfarçar o espanto. Sua expressão se transformou diante da figura que atravessava o corredor. Era ele. O senhor do nome. Umberto Zanobi. Como sempre, vestia um terno impecável, sapatos engraxados, os cabelos milimetricamente penteados. Mas... havia algo profundamente errado. Muito errado. No centro de seu rosto, um inchaço vermelho e violáceo dominava o nariz, quase como um parágrafo deslocado no meio de um texto impecável. As olheiras arroxeadas davam-lhe um ar cansado ou, talvez, de boxeador. E a testa... a testa parecia estar descascando como se tivesse desafiado o próprio sol em um duelo injusto. Nay piscou duas vezes. A vontade era de perguntar: o senhor está bem? mas o bom senso venceu. Apenas se levantou, engoliu o espanto e forçou um sorriso neutro. — Bom dia, senhor Zanobi. Umberto apenas fez um gesto com a cabeça e seguiu direto para sua sala, sem dizer uma palavra. Ao fechar a porta atrás de si, Nay soltou o ar que havia prendido nos pulmões. — Meu Deus do céu!... o que aconteceu nessa viagem? — murmurou, voltando para a mesa, ainda perplexa. Quando estava pronta para se sentar, mal tocando a cadeira. Ainda no meio dos passos, entre o retorno à própria mesa e um suspiro, ouviu novamente a porta se abrir. Lá estava ele... outra vez. O Senhor Zanobi, ou melhor, o Senhor boxe, como sua mente já havia apelidado secretamente naquele instante, surgiu no corredor, agora com um ar mais... determinado, embora ainda com a testa descascando e o nariz em protesto silencioso. — Nay — disse ele, com voz levemente rouca —, já tem café na cafeteria? Ela se virou depressa, ainda surpresa por vê-lo em circulação tão cedo e tão... surrado. — Ainda não, senhor. Mas posso ir buscar para o senhor, se quiser. Umberto assentiu com um aceno lento, tirando do bolso uma nota dobrada com precisão. — Um café duplo. Forte. Bem caprichado. Quem sabe... melhora meu dia. Antes que ela pudesse responder, ele estendeu mais uma nota, separada da outra. — E este é para você. Traga algo para comer. Algo que goste. E... obrigado. Nay arregalou os olhos. Era raro receber aquele tipo de consideração. E, vindo dele, era praticamente um eclipse solar. — Obrigada, senhor. Eu... eu vou agora mesmo. — Estarei no escritório. E com isso, Umberto desapareceu novamente em sua sala, deixando no ar um leve cheiro de loção pós-barba e confusão generalizada. Ainda sem entender exatamente o que tinha acontecido, Nay caminhou para fora com um leve sorriso nos lábios e as notas na mão. Já na calçada, comentou baixinho consigo mesma: — Um café forte, um lanche só meu, e um CEO bronzeado demais pedindo ajuda... Esse dia definitivamente começou diferente. Ela apertou os olhos, tentando afastar a cena da mente, mas era impossível ignorar a semelhança gritante. O nariz do Sr. Zanobi parecia uma berinjela. Daquelas grandes, roxas e reluzentes da feira. Ao chegar à cafeteria da esquina, onde o aroma de café costumava despertar até os mais sonolentos, foi recebida por uma atendente que parecia ter saído de um filme europeu dos anos 70: expressão neutra, zero vontade de viver e menos ainda de sorrir. Com a mente ainda embaralhada, Nay abriu a boca e disse, sem pensar: — Bom dia, eu desejo uma berinjela, por favor. A atendente franziu levemente o cenho, sem alterar o tom monótono: — Senhora... nós não vendemos berinjela. Só café, croissants e brownies. Nay piscou várias vezes, voltando para a realidade. Corou até os fios de cabelo e tentou disfarçar com um sorriso. — Desculpa! Café! Um café duplo, reforçado. O mais forte que você tiver, por favor. Enquanto o café era preparado, ela olhou para a nota dobrada que Umberto havia lhe dado e, ao desdobrá-la, percebeu o valor. — Isso aqui dá pra alimentar o setor inteiro... — murmurou. E então, sem pensar duas vezes, pediu: — Me dá... oito croissants recheados, oito brownies, e pode embalar tudo, por favor. Ao sair dali, com duas sacolas nas mãos e o café especial cuidadosamente equilibrado, Nay sentiu o sol bater no rosto e deu um leve sorriso. Pensou no nariz-berinjela, na sua confusão matutina, e no gesto inusitado de generosidade do CEO. Era um dia estranho, mas talvez, isso não fosse tão ruim assim. O escritório do Sr. Zanobi estava mergulhado em uma penumbra silenciosa. Nenhuma luz acesa, apenas uma fresta da cortina deixava um raio de sol pálido invadir o ambiente, riscando o chão como uma linha de tempo paralisada. Sentado à sua mesa, ele mantinha os olhos semicerrados, o cenho franzido e os dedos pressionando as têmporas com irritação, a dor de cabeça parecia martelar cada pensamento. Nay bateu à porta suavemente. Um murmúrio vindo de dentro deu permissão para entrar. — Com licença, Sr. Zanobi — disse ela ao deixar o café sobre a mesa com discrição. Já se preparava para sair quando ouviu sua voz quebrar o silêncio: — Muito obrigado, Nay. Você, por acaso, saberia qual analgésico é melhor para uma dor de cabeça... persistente? Ela parou. Pela primeira vez desde que o vira naquela manhã, percebeu o quão mal ele realmente estava. A aparência abatida, o nariz enfaixado, os olhos semicerrados e arroxeados... talvez ele estivesse sofrendo por insolação. — Tenho algo melhor, Sr. Zanobi — disse indo em direção a porta. — Vou chamar o seu médico particular. Humberto hesitou por um segundo, mas acabou assentindo em silêncio. Nay se retirou para fazer a ligação, mas antes mesmo de alcançar o corredor, ouviu uma voz zombeteira cortando o ar: — Huuuummm. Assistente pessoal do patrãozinho... Ela se virou apenas com o olhar, encontrando Vito parado no batente da porta, com aquele típico meio-sorriso cínico. Sem lhe dar resposta, seguiu em frente com elegância, enquanto Vito adentrava o escritório com os sapatos estalando no chão como se anunciassem o início de um jogo meticuloso. Vito entrou na sala abriu os braços como quem se preparava para receber uma estátua de honra e exclamou com entusiasmo: — Grande Zanobi! Vamos lá, me conte como foram esses dias incríveis de retiro espiritual, ou melhor, selvagem! Umberto ergueu os olhos devagar, como se o movimento lhe causasse incômodo. Ainda assim, ao ver o melhor amigo, um leve sorriso se formou em seus lábios castigados pelo sol. Levantou-se com lentidão, contornando a mesa, e o abraçou brevemente. — Não foi como esperado — disse Umberto, em tom baixo, o nariz visivelmente inchado sob a proteção de um esparadrapo. — Digamos que... a floresta foi mais selvagem do que eu. Vito riu, lançando um olhar divertido para o curativo exagerado no rosto do amigo. — E esse nariz aí? Parece que brigou com uma parede... e perdeu. — Tropecei na porta. Literalmente — resmungou, puxando a caneca de café duplo, que mais parecia uma dose de sobrevivência. — Preciso sair, tomar um ar. Respirar aqui dentro está... — parou, franzindo a testa — está fazendo um som estranho no meu nariz. Ouviu isso? — Ouvi. Parece uma gaita desafinada — respondeu Vito, contido para não rir alto. — Vamos. Caminharam juntos pelos corredores até a cafeteria interna da Zanobi Corporation. O ambiente, geralmente ocupado por murmúrios discretos de funcionários e tilintar de xícaras, se silenciou ao ver a dupla se aproximando. Ver o CEO da empresa, ainda com o rosto danificado, caminhando lado a lado com o vice, rindo e conversando como dois velhos colegas em um bar de bairro, era uma cena inusitada. Sentaram-se à mesa do canto, com vista para o jardim da empresa. Umberto apoiou os cotovelos sobre a mesa, cansado, mas menos tenso. Vito tirou o paletó, como quem deixava de lado as formalidades. — Você está esquisito — disse Vito, observando o amigo com atenção. — Eu voltei... diferente. Mas não sei se para melhor — respondeu Umberto, tomando um gole de café com o cuidado de quem teme que o líquido quente toque um ferimento. — Ainda estou tentando entender o que houve. — Você mudou — disse Vito, observando o amigo com atenção. — Eu voltei... diferente. Mas não sei se para melhor — respondeu Umberto, tomando um gole de café com o cuidado de quem teme que o líquido quente toque um ferimento. — Ainda estou tentando entender o que houve. — Então me conta tudo. Desde o começo. Quem é a mulher que está te deixando assim? Emilyke? Umberto suspirou, inclinando a cabeça como quem se desvia de perguntas bobas. Os funcionários, discretamente, continuavam observando de longe. Talvez fosse só curiosidade. — É óbvio que é Emilyke — respondeu Umberto, sem hesitar. — Meu coração é só dela. Vito arqueou uma sobrancelha, recostando-se na cadeira com um sorriso cético nos lábios.






