Constantine vivia em uma fazenda no interior com os tios desde que seus pais haviam morrido. Na época, ainda criança, não tinha qualquer vínculo com eles. Mas após o trágico acidente que a deixou órfã, foi enviada à tutela do casal, e ali construiu uma nova vida.
No interior, cercada por uma rotina simples e sem grandes agitações, ela cresceu. Com o tempo, aprendeu a amar a terra, os animais, o silêncio da manhã, o cheiro do café recém passado misturado ao da terra molhada. Agora, aos 26 anos, dominava com leveza os afazeres da fazenda e carregava no peito uma tranquilidade que só a natureza sabia proporcionar. Até que, numa manhã comum, uma carta chegou. Era um envelope pardo, de papel firme e tom ameaçador. O tio leu em voz baixa, com a testa franzida e os olhos úmidos: o antigo dono da fazenda havia morrido, e a propriedade fora vendida a um rico empresário da cidade. A notícia caiu como uma tempestade fria sobre todos. E pior: o novo administrador, de maneira ríspida e impessoal, exigia que deixassem a fazenda imediatamente. O desespero tomou conta da casa. A tia Ludovica chorava em silêncio, o tio Tommaso caminhava em círculos pela varanda, murmurando possibilidades que não levavam a lugar algum. — Foi tudo tão de repente... Eu... eu não sei o que fazer — disse ele, com a voz embargada. Enquanto isso Constantine estava sentada numa cadeira com os cotovelos apoiados sobre a mesa, uma mão segurava uma caneca com café e a outra sustentava o queixo. Ela estava mergulhada num mar de pensamentos. Foi então que uma ideia veio como um farol, ergueu a cabeça ainda atônita, e como se algo dentro dela tivesse sido despertado, a esperança. — Eu irei à cidade amanhã — disse firme. — Vou conversar com esse administrador. Talvez ele nos dê um prazo, um mês, quem sabe… ou um tempo suficiente para encontrarmos um lugar para ficar. O tio a olhou, cansado. — Ele virá aqui amanhã, minha filha... — murmurou. — Quer fazer uma vistoria na área. Um silêncio denso caiu sobre eles. Ninguém sabia o que esperar. Ninguém sabia qual seria a reação do tal administrador ao perceber que a família ainda estava ali — resistindo. Na manhã seguinte, Constantine acordou com o primeiro canto do galo. Mesmo com o coração inquieto desde a chegada da carta, seus gestos eram os de sempre: ordenhou a vaca com mãos leves, soltou as cabras no pasto e alimentou os gansos que a seguiam num alvoroço familiar. O ar da manhã trazia o cheiro agradável da terra úmida e da relva fresca — aromas que ela aprendera a amar com o tempo. Na cozinha, tia Ludovica já estava de pé, firme como sempre. Usava o avental florido e cantarolava baixinho, como se tentasse afastar as nuvens pesadas do dia anterior. Sobre a mesa, organizava xícaras, frutas e uma torta de morango que havia assado na noite anterior, na esperança de trazer algum conforto à casa. — Constantine, o café está pronto, minha flor — chamou-a com ternura. Mas havia um vazio no ar. Tommaso, que nunca perdia o nascer do sol, não se levantou. Permanecia deitado, calado, com os olhos voltados para o teto. O silêncio dele doía mais que qualquer palavra. Constantine sentiu um aperto no peito. Sabia que o tio estava sofrendo, talvez até mais que todos. A fazenda era sua vida. E agora, parecia que ela estava escorrendo por entre os dedos, como areia fina demais para segurar. Mais tarde, como já era esperado, a fazenda ganhou um movimento incomum. Carros chegaram levantando poeira pela estrada de terra, e o som dos motores ecoou por entre as árvores, quebrando a rotina silenciosa do lugar. Constantine observava da varanda, com o coração apertado. O administrador, trajado com elegância urbana, conversou com Ludovica e Tommaso de forma educada — quase fria. Explicou que, por ordens superiores, não poderiam permanecer na propriedade por mais de um mês. Falou com palavras medidas, mas a decisão era definitiva. E embora ele não tenha elevado o tom, a dor foi a mesma. Ludovica apenas assentiu com um fio de voz. Tommaso, de cabeça baixa, apertava as mãos com força sobre o colo, como quem segura o mundo para não desabar. Mesmo com toda a cordialidade, a tristeza havia entrado pela porta da frente. Constantine tomou a decisão consigo mesma. No dia seguinte ela iria até a cidade. O dia passou devagar, a tarde correu devagar. Durante a noite, antes de adormecer ela pensava que não podia mais esperar. Se não agisse rapidamente, eles ficariam sem um lar em poucos dias. Ela precisava de um tempo maior — nem que fosse um mês. Para acomodar sua família em outro lugar. Assim, adormeceu. A manhã surgiu fria. Ela então pulou da cama e vestiu seu melhor casaco, prendeu os cabelos com um lenço discreto, correu até a casa de Pi como eles haviam combinado no dia anterior, e, com o coração apertado, eles partiram para a cidade. Estava na época das chuvas. A cidade a recebeu com um tom cinza que parecia pintar tudo ao redor: as ruas molhadas, os prédios altos de concreto escurecidos pela umidade, o céu coberto por uma névoa espessa. As nuvens baixavam lentamente, deslizando entre os edifícios como se também procurassem abrigo. O vento estava tão frio causava a sensação de cortar seu rosto com navalhas. As gotas grossas de chuva que começavam a cair pareciam agulhas de gelo contra a pele. Era pleno inverno. A charrete parou perto de uma rua movimentada da cidade. Constantine então, puxando o seu xale para proteger-se do frio que congelava. Só conseguia pensar naquele exato momento era em um copo de chocolate quente bem cremoso e em uma fatia de bolo super macio e saboroso. Desceu da charrete sem pressa, com o corpo encolhido sob o casaco, sem perceber que estava sendo observada pelos clientes sentados no café ao lado. Apesar de conservar uma arquitetura antiga e charmosa, a cidade já havia se rendido à modernidade há muito tempo — carros de luxo, vitrines tecnológicas, trajes sociais bem cortados. Foi impossível não atrair cochichos. — "Parece que voltamos à Idade Média..." — "Alguém está na década errada" — diziam entre risos abafados, escondidos por trás das xícaras fumegantes. Constantine não ouviu. Virou-se com serenidade para Pi, o pequeno cocheiro que a acompanhava, e entregou-lhe algumas moedas. — Leve os cavalos a um lugar seguro, por favor. E então respirou fundo. Não sabia o que a esperava dali em diante. Entrou no café, onde o calor parecia ter sido regulado exatamente para abraçar quem viesse da rua. O aroma de canela e café fresco se espalhava no ar, aquecendo não apenas o corpo, mas também alguma parte esquecida da alma. Sentou-se perto da janela, onde podia ver as gotas grossas de chuva escorrendo pelo vidro em filetes trêmulos. Ali, naquele canto calmo, permitiu-se respirar mais fundo. Enquanto observava a cidade embaçada pela névoa, começou a imaginar o que a esperava. Seria recebida com compreensão? Desprezo? Indiferença? O receio começou a se aproximar devagar, como uma sombra que tenta arrasta-la pelos pés. Mas Constantine não se entregou. Apertou as mãos sobre o colo, firmou o olhar e lembrou o porquê de estar ali: por aqueles que ama. Por um lar. Ela não era fraca. Só estava com frio — e com esperança. *** A chuva havia dado uma trégua, mas gotas finas e persistentes ainda caíam do céu nublado, deslizando como fios gelados pela pele do rosto de Constantine. Ali, parada diante do prédio imenso, ela ergueu os olhos para a fachada espelhada e contemplava o letreiro dourado que brilhavam imponente contra o cinza do concreto, e da névoa que cobria a cidade: Zanobi Corporation. Por um instante, sentiu que o mundo girava mais devagar. Não era apenas um nome. Era a marca de quem agora havia destruído a paz dela e dos seus tios. Era um universo ao qual ela não pertencia — ou, ao menos, era o que todos ali pareciam querer deixar claro. Do outro lado, na calçada ali próximo, Pi aguardava com a charrete. O chapéu abaixado protegia-lhe do frio, e os cavalos, inquietos, batiam os cascos contra o chão molhado. Constantine fechou os olhos por um segundo... Respirou. O coração batia firme, um pouco apressado, mas ela sabia porque estava ali. E por mais estranho que aquele ambiente fosse, não iria embora sem, pelo menos, tentar. Deu o primeiro passo. E no segundo degrau o medo quase a convenceu a desistir. Porém ela continuou subindo as escadas para o desconhecido. As portas de vidro da Zanobi Corporation se abriram com um sussurro metálico. E Constantine entrou devagar, e o contraste com o ambiente interior foi imediato. Ela percebeu que a classe social daquelas pessoas era muito acima do ambiente que pertencia. O saguão era silencioso, espaçoso e polido demais para parecer real. Os pés dela, ainda úmidos da calçada, deixavam marcas sutis no chão de mármore claro. Ela caminhou em direção a um grande balcão moderno que guardava a entrada da empresa.