A recepcionista a observou de cima a baixo, disfarçando o incômodo com um sorriso profissional.
Vestia um terno preto impecável, e tinha as unhas pintadas do mesmo tom nude do batom. — Bom dia. — disse, com voz treinada. — Em que posso ajudar? Constantine respirou fundo. — Eu... gostaria de falar com o senhor Umberto Zanobi. Ou com o administrador da propriedade da família, no interior. A recepcionista hesitou por um segundo. Havia algo diferente naquela mulher à sua frente. Um misto de delicadeza e firmeza. Mas sua expressão permaneceu neutra. — A senhorita tem horário marcado? — Não. Mas é importante. — respondeu Constantine, com os olhos fixos e calmos. A moça digitou algo no computador. O silêncio no saguão era cortado apenas pelo som das teclas e da leve música instrumental tocando ao fundo. — O senhor Zanobi está em reunião importante. E o administrador, senhor Vito, está indisponível no momento. Constantine engoliu seco. Mas não cedeu. — Eu posso esperar. A recepcionista arqueou uma sobrancelha discretamente. Poucos insistiam com tanta elegância. — Há uma sala de espera ao lado. Pode se sentar. Constantine concordou com um leve gesto com a cabeça e caminhou até as poltronas próximas ao vidro. Lá fora, Pi ainda estava com a charrete encostada, em silêncio. Os cavalos estavam imóveis, como se também aguardassem. Ela cruzou as mãos no colo e fixou o olhar em frente. Se o destino exigia paciência, ela saberia esperar. Tudo ao seu redor transbordava elegância e sofisticação — o piso branco polido, os sofás em veludo cinza, os arranjos de flores exóticas em vasos de vidro. Até o silêncio parecia calculado, como se ninguém ali tivesse pressa… nem espaço para fraqueza. Ela olhou para as próprias mãos. Estavam limpas, mas marcadas pelo trabalho: calos sutis, unhas curtas. O casaco simples parecia destoar ainda mais sob a luz fria daquele ambiente luxuoso. Sentiu um leve calor subir pelas bochechas, mesmo com o frio da chuva ainda grudado nos cabelos. Constantine não era insegura — apenas real. E pela primeira vez naquele dia, percebeu o quanto aquele lugar fazia questão de lembrá-la que ela não pertencia àquele mundo. Mas ela permaneceu. Porque o que a trouxe ali era maior do que o desconforto. Era amor, era urgência, era a promessa silenciosa de não deixar seus tios sozinhos. O tempo parecia congelado na recepção da Zanobi Corporation. O silêncio era limpo demais, quase clínico, e cada passo soava como um golpe seco no chão de mármore. Constantine se mantinha sentada com as mãos entrelaçadas no colo, os olhos atentos à movimentação ao redor. Percebia cochichos e olhares rápidos — como se todos tivessem medo de dizer o que sabiam, ou vergonha de fingir que não sabiam. De repente, uma porta lateral se abriu com um estalo. Uma mulher saiu primeiro. O uniforme simples e os cabelos desalinhados diziam mais que qualquer palavra: ela não pertencia àquele lugar. E seus olhos vermelhos, marejados, diziam o resto. Ela descia o corredor com passos rápidos, tentando conter o choro, mas não conseguia disfarçar a dor. Atrás dela, veio outra figura — elegante, altiva, com os saltos ecoando. Era Emilyke. Loira impecável, com um casaco bege claro e a expressão serena demais para quem vinha atrás de alguém em prantos. Ela caminhava com naturalidade, como se conduzir lágrimas alheias fosse rotina. Mas o que Constantine jamais imaginaria era ouvir, com clareza, o que ouviu naquele instante. — Eu te avisei, não avisei? — disse Emilyke em tom seco, porém baixo o bastante para parecer confidencial. — Foi descuido seu. Era só seguir o plano. Agora aguente. A mulher chorava mais ainda, e abaixou a cabeça, sem responder. Emilyke se afastou, revirando os olhos discretamente, antes de desaparecer por um dos corredores internos. Constantine ficou imóvel. Algo estava errado. Ela não sabia quem era aquela mulher, nem do que se tratava exatamente, mas havia captado com nitidez a frieza da loira e a palavra que não lhe saía da cabeça: “plano”. Não teve tempo de pensar mais. — Perdida? A voz masculina soou às suas costas. Constantine virou-se e deu de cara com um homem alto, de terno escuro e sorriso afiado. Era bonito, mas havia algo no olhar que a incomodou de imediato. Era Vito, o administrador que havia ido na fazenda anteriormente, mas ele não recordava do rosto dela pois ele conversou diretamente com os tios. — Estou aqui para tentar falar com o senhor Zanobi — disse, com calma. Ele arqueou uma sobrancelha, debochado. — Ah... — disse, com um risinho curto. — Então veio tentar a sorte? Constantine sustentou o olhar, mas não respondeu. Ele inclinou-se levemente, como se fosse dizer algo em tom confidencial, mas recuou e seguiu seu caminho. — Boa sorte, mocinha — disse, por fim. — Vai precisar. E sumiu pelo corredor, deixando um rastro de perfume caro e desdém no ar. Constantine respirou fundo. No seu peito, o coração ainda batia firme, mas agora havia algo novo em seus olhos. Não era só preocupação. Era sim uma certeza de que havia algo mais ali do que ela imaginava. E talvez... o que ela estivesse prestes a descobrir fosse muito maior do que um pedido de prazo. Constantine permaneceu sentada, o corpo imóvel, mas a mente fervendo. Ela havia ouvido claramente. "Foi descuido seu. Era só seguir o plano." Mas… qual plano? O que aquilo significava? Logo em seguida, avistou a mulher mais velha que saíra chorando. O rosto dela estava marcado — não só pelo choro, mas por uma dor mais profunda. Humilhação. Aos poucos, a mente de Constantine foi preenchendo as lacunas. Talvez aquela senhora fosse alguém simples, talvez tivesse trabalhado para o tal Zanobi. E, talvez, em algum gesto tolo, ela tenha vindo até aqui pedir algo... falar sobre algum mal-entendido bobo, uma coisa doméstica. E em vez de ser ouvida, foi tratada com arrogância e desrespeito. A fala da mulher loira só confirmava a suposição: “Agora aguente.” "Que tipo de homem trata alguém assim?", pensou Constantine, sentindo um calor subir pelas bochechas — não de vergonha, mas de indignação. "Um homem horrível," concluiu em silêncio. Arrogante. Prepotente. Um desses que vivem acima de tudo e de todos, que acreditam que o mundo gira ao redor de seus negócios, suas empresas e suas vontades. Ela ainda não o conhecia, mas... já tinha certeza de que não gostaria dele. A porta da recepção se abriu devagar, sem aviso. — O senhor Zanobi irá vê-la agora — disse a recepcionista com a voz seca, sem sequer levantar os olhos. Constantine agradeceu com um aceno discreto e caminhou pelo corredor em silêncio. A madeira escura sob seus passos parecia amplificar o peso de cada batida do seu coração. Diante de uma imponente porta de vidro fosco, hesitou por um instante. Então, bateu. — Entre. — a voz masculina respondeu, firme e direta. Ela obedeceu. A sala era ampla, luxuosa e austera. Poucos móveis, linhas retas, tudo em preto, cinza e madeira escura. O perfume do ambiente era sóbrio, masculino, e havia um silêncio absoluto, como se até o ar tivesse medo de fazer barulho. Umberto Zanobi estava em pé, de costas para ela, observando a cidade pela enorme parede de vidro. Mas não era a cidade que ele contemplava. Era a charrete. Ele a reconhecera. — Senhor Zanobi? — Constantine chamou, tentando manter a postura. Ele se virou lentamente. Seu rosto era sério, duro, como uma pedra talhada sob pressão. Nenhum sorriso. Nenhuma suavidade. — Você é da fazenda. — Ele disse, quase como se estivesse constatando algo incômodo. — Sim. Sou Constantine. Vim pedir um pouco de tempo. Um mês, talvez. Meus tios moram lá há anos. Eles não têm para onde ir ainda… Antes que ela terminasse, ele ergueu a mão, cortando o que restava de sua frase. — Isso não é um favor. É uma transação legal. Eles foram notificados, o prazo foi dado. O que há para discutir? Constantine engoliu seco. — Há humanidade, senhor. Não é só papel. São vidas. Umberto encarou-a com os olhos apertados. O tom dele endureceu ainda mais. — Eu não administro a empresa baseado em sentimentalismo. Não tenho tempo pra melodrama rural. A decisão está tomada. A propriedade é minha. Quero-a desocupada. As palavras cortaram como faca. Ela sentiu a dor. Mas não demonstrou. — A vida dos meus tios está naquela terra. Eles cuidaram dela com amor, mesmo sem nunca terem tido nada em troca. Umberto soltou uma risada seca, sem humor. — E agora querem mais tempo? Depois de se aproveitarem do que não era deles por décadas? Constantine sentiu o sangue ferver. Mas não revidou. Não era esse tipo de batalha. Ele voltou a se sentar à mesa, rabiscando algo sobre um papel, claramente encerrando o assunto. — Já disse tudo o que precisava. Pode ir. Ela ficou ali por mais um segundo. O orgulho ferido, mas a dignidade intacta. Se ele esperava que ela chorasse, implorasse, se encolhesse… não teria essa satisfação. — Obrigada pelo seu tempo, senhor Zanobi. — disse, com voz firme. Deu um passo em direção à porta… e então parou, apenas por um instante. Virou-se ligeiramente por sobre o ombro e o encarou nos olhos. — E prepare-se… porque essa não será a última vez que vai me ver. A porta se fechou atrás dela com um leve estalo. Mas o silêncio que ficou na sala… foi ensurdecedor.