Mundo ficciónIniciar sesiónNo carro, o silêncio era tão tenso que podia ser cortado com uma faca. Kian estava enroscado no colo de Liana, os bracinhos agarrados ao pescoço dela como se tivesse medo de soltá-la e ela sumir. Liana passava a mão devagar pelos cabelos escuros do menino, sentindo a textura macia, sentindo o corpinho dele relaxar aos poucos. Seu próprio coração, no entanto, batia em um ritmo descontrolado. Ela ainda tremia por dentro, pelo susto, pela voz de Dante, pelo medo inexplicável que ele provocava nela apenas estando ali.
Mason dirigia em silêncio absoluto, a estrada estreita serpenteava por entre árvores altas, tão densas que quase escondiam o céu, a cidade lentamente desaparecendo e dando lugar a mata densa que rodeava Storm city. A floresta parecia viva… e observando.
Liana se apertava contra a janela enquanto segurava Kian, fazendo de tudo para não olhar demais para o espelhinho retrovisor.
Mas Dante olhava para ela através dele.
O tempo todo.
Os olhos dele, agora azuis como lâminas mergulhadas em gelo, estavam fixos nela. Não desviavam, não piscavam, como se quisessem decifrá-la, arrancar dela cada resposta antes mesmo de perguntar.
O coração de Liana se apertou.
Ele a odiava, ou… suspeitava dela. O que quer que fosse, aquele homem a encarava como se ela representasse uma ameaça real, logo ela, baixinha sem nenhum músculo, num carro com dois homens que poderiam quebrá-la no meio se quisessem.
Ela não entendia o motivo, só estava ajudando o filho dele.
Kian adormeceu devagar, exausto. A mãozinha dele ainda agarrava a blusa de Liana, como se tivesse medo de perdê-la de vista mesmo enquanto dormia.
“Ele não confia em qualquer um…”, o alfa pensou, segurando um rosnado. “O que ela tem de especial?”
Quando finalmente saíram da estrada principal, a floresta se abriu.
E ali, no meio do nada, erguiam-se casas grandes, imponentes, quase todas feitas de madeira escura e pedra. As luzes quentes nas janelas davam uma sensação estranha de aconchego… e perigo. Como se aquela vila toda estivesse viva. Como se cada porta escondesse alguém que podia ouvir cada batida de coração.
“Eles moram no meio do mato?”, foi o primeiro pensamento de Liana quando viu os grande portões se abrirem para um belíssimo jardim.
Quando o carro finalmente parou diante da mansão, ela prendeu a respiração. Era enorme, maior do que qualquer casa que já tinha visto. Janelas amplas, colunas escuras, varandas circundando a estrutura como braços protetores. A floresta abraçava a mansão por todos os lados.
Kian despertou assim que Mason desligou o motor.
— Estamos em casa? — ele murmurou, com a voz sonolenta.
— Estamos, vamos — Dante respondeu, se virando e estendendo os braços para o filhote.
Mas Kian não foi para os braços do pai, ele só apertou mais Liana..
— Ce vem comigo? — pediu, com aquele olhar doce e triste que perfurava qualquer coração.
Liana sorriu de leve, mesmo cansada demais.
— Claro.
Eles desceram juntos. Dante saiu atrás, observando cada movimento dela, como se a qualquer segundo ela pudesse tirar uma arma do bolso, ou desaparecer no ar.
Empregados apareceram nas portas da mansão, alguns com bandejas, outros com toalhas, todos estagnados ao ver Liana. Cochichos surgiram, olhares tortos, desprezo mal disfarçado. Ela não conseguia ouvir, mas os olhares deixavam claro que não gostavam dela.
— Uma humana?
— O alfa enlouqueceu?Mason se aproximou de Dante e sussurrou baixo:
— Você está colocando sua casa em risco. Isso é uma insanidade.
— Já mandei você ficar na sua — Dante respondeu friamente.
— Ela tem o cheiro do seu irmão e você trouxe para dentro da matilha — Mason retrucou. — Dante, pelo amor da Deusa…
— Calado! — Dante rosnou. — Ou vou esquecer que é meu amigo e punir você como um alfa pune um beta que não obedece seu comando.
Os empregados se afastaram quando Dante passou, a aura dele tão poderosa que o ar parecia se dobrar ao redor de seu corpo.
Dentro da mansão, o interior era ainda mais impressionante, chão de madeira polida, móveis escuros, janelas grandes com cortinas pesadas. Tudo perfeito. Tudo frio. Tudo organizado demais.
Era a casa de um rei, e o reino dele não era humano, mesmo que a mais nova convidada não soubesse.
Kian levou Liana até o sofá e, em questão de minutos, adormeceu outra vez, exausto pela explosão emocional do dia. Liana ajeitou um cobertor sobre ele, com cuidado, a mão acariciando suavemente os cabelos do menino.
Dante observava como se ela estivesse cometendo um crime, então se aproximou devagar, passos firmes, presença esmagadora.
— Quem é você? — perguntou, sem rodeios.
Liana endireitou a postura, nervosa.
— Eu já disse… meu nome é Liana.
— Não perguntei seu nome — ele murmurou. — Perguntei quem você é. De onde veio. O que quer com meu filho.
Ela ficou rígida.
— E-eu não quero nada com seu filho! Só ajudei ele porque estava chorando e sozinho! Você devia cuidar melhor da sua criança, senhor esquisitão! Você devia estar me agradecendo!
— Onde você estava antes de encontrá-lo? — continuou questionando, ignorando as palavras dela.
Ela hesitou.
Dante percebeu.
— Fale — ele ordenou. — Agora.
— Eu… — Liana apertou as mãos, tentando não tremer. — Eu cheguei na cidade ontem à noite. Peguei um ônibus… estava tentando fugir de algo que aconteceu. Mas… fui assaltada, perdi minha bolsa, meu celular, todos os meus documentos. Não tenho para onde ir, só quero, sei lá voltar pra casa.
Por um segundo, apenas um, Dante pareceu absorver aquilo com menos hostilidade, mas logo voltou a ser o alfa rígido que era.
— Você pode tomar banho — ele disse, seco. — Mason vai mostrar onde é.
— E depois eu vou embora — ela completou, ansiosa.
Os olhos dele brilharam de irritação.
— Eu decido quando você vai embora, garota.
Antes que ela pudesse responder, ele já caminhava corredor adentro.
***
O banheiro era enorme e lindo. Liana tomou o banho mais demorado que conseguiu, deixando a água quente escorrer por todo o corpo, lavar a sujeira, a dor e o medo. Quando saiu, se sentia nova… ou quase. Na cama do quarto de hóspedes uma muda de roupa feminina estava, não era no tamanho perfeito, na verdade, estava meio larga, mas era melhor do que suas roupas sujas e rasgadas.
Ela se vestiu e caminhou para a porta decidida a encontrar um jeito de sair, mas assim que abriu a porta…
Dante estava no corredor, esperando, pronto para continuar o interrogatório.
Ele a viu, e parou no mesmo instante os olhos azuis gélidos se arregalando como se estivesse vendo-a pela primeira vez, fazendo Liana unir as sobrancelhas, confusa.
— Tá me encarando porque? — perguntou confusa, se olhando para ver se estava suja ou tinha colocado a roupa aos avessos.
O alfa não respondeu, não conseguiria mesmo se tentasse, seu corpo estava completamente travado, o lobo dentro dele rugia, gritava para sair, uivando ao reconhecer aquele cheiro… O cheiro real dela não o cheiro do seu irmão.
Pele doce, ar quente, talvez rosas chuva de verão. Algo suave e indescritível, algo que puxou o ar dos pulmões dele sem aviso, algo que fez seu lobo avançar contra as barreiras mentais, urrando, querendo sair.
O corpo dele inteiro ficou tenso.
Droga.
Droga.
O lobo rugiu dentro dele.
É ela.
Me deixe sair!
Finalmente a encontramos!
A respiração de Dante se tornou pesada, os músculos tremeram, cada fibra de seu ser reagiu à presença dela.
— E-eu… — Liana engoliu seco. — Obrigada pelo banho. Agora eu preciso ir e…
— Você não vai a lugar nenhum — Dante disse, a voz muito mais profunda que antes.
Ela arregalou os olhos.
— O que? Claro que vou! Preciso voltar para minha cidade, preciso… Quem você acha que é pra me deixar presa aqui?
— Você não vai voltar — ele cortou, se aproximando, a aura dele tão intensa que o ar pareceu ondular.
— Não faz sentido! — ela insistiu, apavorada. — Eu não conheço vocês! Eu só encontrei seu filho! Não pode me prender! Por acaso conhece uma coisa chamada direitos humanos?
— Foda-se a porra dos direitos humanos — Dante respondeu, frio. — Meu filho quer você aqui.
“E eu também”, pensou, mas nunca admitiria aquilo e apenas acreditou que era seu lobo influenciando seus sentimentos.
Ela piscou, confusa.
— Q-que?
— Eu vou te oferecer um emprego — disse ele. — Preciso de alguém de confiança para ficar com Kian enquanto eu trabalho essa pessoa vai ser você.
O mundo dela pareceu girar.
— Eu… eu não sou babá! Eu…
— Ou aceita ou vou te amarrar ao pé da cama daquele quarto e te deixar lá trancada. O que acha? — perguntou, cinico. — E eu pago bem, cinquenta mil por mês deve dar.
Liana ficou boquiaberta, primeiro ele a ameaça, depois oferece cinquenta mil para ela cuidar do filho dele?
— Você é completamente maluco!
Mas Dante não desviou os olhos, a encarando como se estivesse prestes a executar a segunda opção se ela não aceitasse a primeira.
— Não importa o que você escolha, vai ficar aqui, por bem ou por mal… Estou oferecendo muito mais do que daria pra qualquer outra.
A ruiva engoliu em seco. O que podia fazer? Não tinha dinheiro, estava em outra cidade sem celular, sem nada além da mochila com os livros da faculdade. Nem poderia ligar para a polícia.
— Tudo… Tudo bem — respondeu, afinal, não tinha realmente opções.
Dante assentiu, virando de costas.
— Ótimo.
Deu um passo, depois outro, e então desapareceu pelo corredor sem olhar para trás.
Liana ficou ali, plantada, sem entender nada.
Enquanto ele se afastava, Dante sentia o corpo inteiro entrar em erupção.
O lobo queria sair.
Exigir.Tomar.Marcar.Não.
Não.
Empurrou a porta dos fundos com violência, respirando como se estivesse sendo sufocado.
— Droga, droga, DROGA! — rugiu, correndo para a escuridão da floresta.
A transformação rasgou sua pele em segundos. Ossos estalaram, músculos se expandiram, o lobo emergiu como uma fera faminta.
Ele correu.
Correu até as patas sangrarem, até o coração quase explodir, correu para longe dela.
Era cedo demais.
Rápido demais.
Cruel demais.
Menos de um ano desde que Celeste morrera, menos de um ano desde que enterrara seu amor, menos de um ano desde que jurara jamais aceitar outra.
E agora…
Agora o destino colocava uma humana em seu caminho, como sua segunda chance.
O lobo uivou.
“É ela! Vamos marcá-la, agora!”, ele precisava fazer toda força para manter a fera sob o controle, seu lobo Hades, nunca fora tão brutal nunca tentou com tanta força sair para fora.
“Pare! Ela não é nada, é só uma humana!”, Dante tentou.
“Ela é nossa companheira, a nossa verdadeira companheira! Não é como aquela que pertencia a outro, ela é nossa”
“Celeste era a nossa destinada!”, brigou, o corpo impenso do alfa parado, o enorme lobo negro brigando consigo mesmo.
“Não, ela foi sua escolha! Agora você terá que aceitar a escolha do destino!”







