Mundo ficciónIniciar sesiónO sol mal havia tocado o topo das árvores quando a mansão inteira começou a se mexer. Empregados iam e vinham apressados, cochichando entre si, lançando olhares curiosos e desconfiados para a porta fechada do quarto de hóspedes, o quarto onde Liana havia dormido.
A notícia correu como fogo na palha.
O alfa contratou uma humana.
Uma humana. Para ficar com o filho dele. Uma humana… que dormiu dentro da casa principal da alcateia, entre os lobos.E bastou isso para Sandra surtar.
Ela ouviu as empregadas comentando no corredor e voou para o andar de cima como uma tempestade descontrolada, seus saltos batendo com raiva no chão de madeira. Empurrou a porta do quarto de hóspedes com força suficiente para fazer a maçaneta bater na parede.
Liana, que estava terminando de arrumar os cabelos avermelhados diante do espelho pequeno do quarto, tomou um susto.
— Ah, ótimo — Sandra disse, cruzando os braços. — A intrusa está acordada.
Liana franziu a testa.
— Eu só estou aqui porque o Dante pediu, ou melhor me obrigou. Por mim, já estaria em minha casa — respondeu com calma.
— Senhor Aldrich, querida. Você não o chama pelo nome — a loba corrigiu com veneno. — Talvez não saiba como funciona coisas como respeito, mas já era de se esperar de uma garota como você.
— Uma garota como eu? — Liana respirou fundo. — Olha, não quero problemas, nem queria estar aqui aquele maluco não me deixa ir então você vai ter que me aguentar! Só vou fazer meu trabalho e pronto.
— Fazer seu trabalho? — Sandra deu uma risada fria. — Não se engane. Você é apenas mais uma empregada, e mal qualificada ainda por cima. Aqui, eu sou a senhora desta casa.
Liana soltou uma risadinha sem humor.
— Engraçado, porque ontem, no parque a senhora da casa foi enxotada bem fácil não foi?.
O rosto de Sandra ficou vermelho de ódio.
— Você não sabe com quem está lidando.
— Sei sim, com uma cadela que ladra e não morde! — Liana retrucou.
Sandra avançou um passo, e então, sem aviso, a mão dela voou no ar e acertou o rosto de Liana com um estalo seco.
A humana cambaleou, levando a mão à bochecha que ardia, sentindo um gosto metálico de sangue na boca.
— Você… — Liana sussurrou, surpresa e furiosa.
— Aprenda seu lugar ou… — Sandra rosnou.
Mas Liana não era do tipo que apanhava calada e, antes que a outra terminasse de falar, devolveu o tapa de uma vez só, sem aviso.
— Nunca mais encosta em mim sua vadia!
Sandra gritou, chocada.
E então as duas se agarraram com raiva, tropeçando pelo quarto, derrubando cobertas e travesseiros. Liana a segurou pelos braços, mas Sandra era rápida, e forte demais para uma humana.
— Sua vadia intrometida! Vou acabar com sua raça! — Sandra gritou, puxando o cabelo de Liana.
— Me solta! — Liana se defendeu, tentando afastá-la.
A briga explodiu de vez, gritos ecoaram pelo corredor, empregados se afastaram com medo. A tensão na casa era como eletricidade no ar.
Até uma voz cortar o ar em direção a elas, fazendo as duas congelarem grudadas uma na outra.
— Chega!
O rugido veio como uma explosão.
Dante.
Ele atravessou a porta com expressão assassina, os olhos dele estavam quase brilhando, a aura tão poderosa que o ar do quarto pareceu tremer.
Ele agarrou Sandra pelo braço e a puxou para longe de Liana. Não com violência, mas com uma força indiscutível que a fez calar a boca na mesma hora..
— Algum problema? — o alfa perguntou, a voz baixa demais, perigosa demais.
Sandra apontou para Liana, indignada.
— Ela me desrespeitou! Essa humana acha que manda aqui! Dante, você precisa colocá-la no lugar dela! Eu sou sua mulher…
— Você não é nada minha. — A frase dele veio como um soco.
Sandra ficou branca.
— E essa humana — Dante continuou, aproximando-se de Liana — está sob minha proteção.
O quarto inteiro ficou em silêncio.
Empregados, que olhavam pelos corredores, pararam de respirar. Mason, que tinha acabado de chegar, arregalou os olhos como se Dante tivesse acabado de anunciar um casamento. Liana estava furiosa, com dor mas principalmente confusa com a forma com que se referiam a ela.
“Porque ficam me chamando de humana? Eles também não são? Que merda é essa?”
Sandra olhou para ele como se tivesse levado uma facada no peito.
— O quê? — sussurrou, sem acreditar. — Você está louco? — choramingou. — Está protegendo ela? Por quê? O que ela tem de tão especial pra você…
— Saia — Dante ordenou, fazendo-a dar um passo para trás.
— Dante, por favor… eu só queria…
— Saia agora. — Ele rosnou.
E Sandra saiu às pressas, quase tropeçando no próprio salto, humilhada, furiosa, tremendo. E o mais assustador: com medo. Medo porque ela nunca tinha visto Dante daquele jeito.
Mason se aproximou devagar.
— Dante… você está…
— Nem ouse abrir essa porra de boca — Dante cortou.
Mason se calou imediatamente.
Liana respirava rápido, o rosto ainda vermelho do tapa, o peito subindo e descendo, os cabelos desgrenhados pelos puxões de Sandra.
Dante olhou para ela, e a expressão dele mudou.
A fúria se dissolveu, dando lugar a algo mais profundo. Um brilho indecifrável tomou conta dos olhos dele, o lobo estava ali, completamente acordado.
“Ela machucou minha… Companheira”, Dante ouviu o sussurro de Hades em sua mente. “Eu vou matá-la!”
Sentia um ódio gutural por Sandra agora mas focou na humana a sua frente estendendo a mão para tocá-la.
— Você está bem? — ele perguntou, a voz grave, quase rouca.
Liana hesitou.
— Se eu… Estou bem? — rebateu baixinho. — O que você acha?
Ele tentou ignorar a língua afiada dela e deu um passo em sua direção, como se um ímã invisível puxasse seu corpo. O cheiro dela, limpo, suave, quente, o atingiu como um soco no estômago. Hades avançou dentro dele com força, querendo tomar o controle, querendo ficar perto, proteger, marcá-la ali mesmo.
Ele fechou a mão com tanta força que os nós ficaram brancos.
— Ninguém toca em você enquanto estiver aqui — ele disse, com tanta intensidade que Liana sentiu a pele arrepiar.
— Eu quero ir para minha casa, senhor Aldrich — Liana sussurrou, num fio de voz.
— Isso não posso permitir — E então ele saiu tão rápido quanto entrou.
Como se precisasse fugir da própria presença dela.
***
Mais tarde, Liana estava nos jardins com Kian. O dia estava lindo, céu azul, flores brilhando sob a luz, o cheiro doce da floresta misturando-se ao vento. Kian corria sorrindo, rindo alto, como se não tivesse chorado todas as lágrimas do mundo no dia anterior.
Liana ria junto, deixando-o subir na árvore baixa, ajudando-o a descer, ouvindo-o falar sem parar sobre tudo que pensava.
Empregados observavam de longe.
Cochichavam.
Comentavam o quanto o menino estava mais feliz do que em meses, o quanto ele não sorria daquele jeito desde…
Desde a morte de Celeste.
O clima era estranho, meio tenso, todos se comportavam como meros humanos, não haviam lobos correndo aqu e ali, nada de anormal para que a humana não percebesse afinal, não podiam expor o segredo deles.
Até Mason finalmente perder a paciência.
Ele marchou até o escritório de Dante, e encontrou a porta entreaberta.
Sandra estava lá dentro, sentada na mesa, inclinada em direção ao alfa com uma camisa meio aberta, a voz forçadamente suave.
— Dante… querido… não precisa tratar aquela humana como alguém importante. Você sabe que eu posso te dar muito mais carinho do que ela. Podemos resolver isso do nosso jeito…
Dante estava afastado, os braços cruzados, a expressão dele estava morta, era desprezo puro, nem sequer a olhava
Porque tudo o que seu lobo sentia era repulsa, desgosto e principalmente, ódio. Dante precisava usar toda sua força para controlar o alfa dentro dele que desejava arrancar a cabeça de Sandra ali mesmo.
Além disso, a unica coisa que passava em sua mente era Liana, sempre Liana. A respiração dela, o cheiro, as batidas de seu coração…
Cada movimento do coração dela.“Vou enlouquecer…”, pensou, cerrando o maxilar. “Ela vai me enlouquecer!”
Sandra tocou o braço dele.
E Dante a afastou como se ela tivesse uma doença contagiosa.
— Saia da minha mesa — ele disse, frio.
Sandra arfou, ofendida.
— Você mudou — ela acusou. — Está diferente por causa daquela humana que acabou de conhecer? O que ela fez com você?
O alfa não respondeu, e Mason entrou.
— Finalmente — ele resmungou. — Dante, precisamos conversar sobre ela. Agora.
Sandra sorriu, se achando parte da autoridade.
— Sim, Dante. Escute seu beta, talvez ele consiga colocar juízo na sua cabeça e…
— Cala a boca — Mason e Dante disseram juntos.
Sandra ficou boquiaberta.
Mason respirou fundo.
— Não podemos manter uma humana aqui. Isso coloca a alcateia inteira em risco, ela pode descobrir o que somos. Pode contar, pode ser perigosa. Você está colocando todos nós em perigo por…
— Chega. — Dante cortou, a voz grave demais. — Eu já decidi.
— Não pode decidir isso sozinho! — Sandra gritou.
Foi a pior frase que ela poderia dizer.
Dante ergueu o rosto devagar, os olhos azuis gélidos foram mudando como se fogo queimasse no fundo da água até que estavam completamente vermelhos.
— Eu sou o alfa desta alcateia! — disse, cada palavra ecoando como trovão. — E faço EXATAMENTE o que eu quiser!
Silêncio absoluto tomou o escritório.
Sandra recuou, Mason baixou a cabeça.
Dante virou-se para a janela, as palavras seguintes vieram como um rugido interno, algo que só ele podia sentir:
“Ela é minha destinada. Nossa destinada”, a voz dele se mesclava, em sua mente, ao rugido de seu lobo, percebendo que, finalmente seu humano pararia de lutar.
Era a verdade.
Inegável.
Implacável. Devastadora.E quanto mais ele tentava fugir, mais o destino o puxava de volta.
Liana ria no jardim, o som suavemente doce atravessou a janela aberta, atingindo Dante como uma flecha certeira.
O lobo dentro dele uivou.
E ali, naquele momento, Dante percebeu que estava perdido.
Completamente.Irrevogavelmente. Perigosamente perdido por uma humana que nem sabia que era dele.






