4. Esperança

Henrique se jogou no sofá com uma naturalidade tão grande que parecia ser a casa dele. Eu quase ri, era o oposto perfeito do Rafael, que tinha a vibe de “não amasse meu terno nem com o olhar”.

— Então… Eliza, né? — ele perguntou, virando-se para mim com um sorriso fácil.

— Isso mesmo.

— Sou amigo do Rafael desde a adolescência. — Ele ajeitou um dos braços no encosto, completamente à vontade. — Não se deixe enganar pela carranca dele.

Eu soltei um riso baixo. Lucas e Alice continuavam focados no desenho, mas eu notei que olhavam para Henrique com aquele ar de quem confia.

— Faz muito tempo que você mora na cidade? — ele perguntou.

— Um mês — respondi. — Ainda tô me acostumando. Andei por alguns lugares, mas… só o básico.

— Ah, então você ainda não viu nada — ele disse, empolgado como quem descobre um projeto novo. — Posso te mostrar tudo. Restaurantes legais, parques, museus, baladas… a cidade tem muito canto escondido que só quem mora aqui há anos conhece.

Eu pisquei, surpresa.

— Sério?

— Claro! — Ele riu. — Só não vale me dizer que você só fica indo do trabalho pra casa. Isso é vida de idosa chata.

— Ei, eu não sou idosa — contestei. — Só… recém-chegada e sem tempo.

— E mora sozinha?

— Moro com minha amiga, Ângela. Nós duas nos formamos juntas. E viemos juntas pra recomeçar.

— Ah, então ela pode ir com a gente. Quanto mais gente, mais divertido.

Aquilo me arrancou outro sorriso sem esforço. Henrique tinha esse dom de deixar tudo fácil, leve. Como se conversar com ele fosse uma pausa pra respirar.

Mas então…

A voz de Rafael cortou o clima como uma tesoura afiada cortando seda.

— Henrique. — Ele falou o nome como quem chama a atenção de uma criança prestes a aprontar. — Você veio aqui pra ver as crianças ou a babá?

Henrique virou o rosto devagar, levantando as sobrancelhas como quem diz “calma, amigo, respira”.

— Eu vim ver as crianças — respondeu, debochado. — Mas nada me impede de aproveitar as boas companhias.

Rafael não respondeu a ele. Respondeu a mim.

Clássico.

— Eliza, você pode ir.

Meu estômago deu um giro estranho. Não era a frase… era o jeito. Aquele tom seco, frio, que parecia querer que eu evaporasse dali.

Henrique levantou, me deu um sorriso gentil.

— Foi legal te conhecer. — Ele piscou. — E a oferta continua de pé. É só falar.

— Obrigada — respondi, tentando manter a compostura mesmo com Rafael me encarando como se eu tivesse acabado de cometer um crime.

Peguei minha bolsa, dei um tchauzinho para Lucas e Alice, e saí da sala com passos medidos. Não cheguei a ouvir o que Rafael disse ao amigo depois que eu fui embora, mas, sinceramente, não precisava. O clima tinha falado por si só.

O ônibus estava quase vazio quando voltei pra casa. A sensação era estranha, mistura de alívio, irritação e… curiosidade. Rafael tinha um jeito de mexer comigo que eu não sabia explicar. E não era crush, Deus que me livre. Era o tipo de energia que faz a gente querer responder só pra ver até onde a pessoa vai.

Cheguei no apartamento e ouvi o barulho da TV. Abri a porta devagar e encontrei Ângela sentada no chão, rodeada por currículos abertos, como se estivesse tentando montar um quebra-cabeça impossível.

— E ai? — ela perguntou, antes mesmo de eu fechar a porta.

— Ah… — Joguei minha bolsa no sofá. — Digamos que meu chefe tem potencial pra ser o vilão do meu livro de memórias.

Ela abriu um meio sorriso.

— Isso significa que ele é bonito?

— Isso significa que ele é insuportável.

— Aham — ela respondeu, cruzando os braços. — Bonito. Eu vi na internet.

Eu rolei os olhos, mas sentei ao lado dela.

— E você? Alguma resposta?

Ela fez uma careta.

— Nada. Hoje me disseram pela quarta vez que eu “não tenho experiência suficiente”. Como se alguém, um dia, tivesse acordado com experiência implantada no cérebro.

Suspirei.

— Eu sei como é. Mas você vai conseguir.

Ângela virou o rosto pra mim, analisando meu humor como se fosse especialista.

— E você? Parou de me responder do nada quando estava la no trabalho.

Então eu contei tudo que ainda não tinha contado, com detalhes. Sobre o tour pela casa. Sobre as crianças. Sobre o clima esquisito. Sobre Henrique. Sobre Rafael implicando comigo.

Ela ouviu tudo com a boca aberta.

— Amiga — ela disse, pegando minhas mãos — você precisa de duas coisas. Primeira: coragem. Segunda: paciência. Porque esse tal de Rafael aí parece daqueles que acham que ninguém nunca vai responder. E sabe o que eles mais precisam?

— O quê?

— Alguém que responda.

Soltei uma risada cansada.

— Ângela, eu trabalhei um dia e já quase devolvi a alma pra Deus. Não posso perder esse emprego. Não agora.

— Então respira fundo e lembra quem você é — ela disse. — Não é porque ele faz aquela cara de “sou dono do mundo” que você vai encolher. Você é boa. Ele que lute.

Ela levantou, abriu os braços e me puxou pra um abraço daqueles que ajeitam a alma.

— Vai dar certo, Eliza.

E por mais que eu não soubesse como seria o dia seguinte… por um instante, eu acreditei.

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