Maximus.
A babá da minha sobrinha chegou causando mais problemas com a minha noiva. Minha irmã Helena a tratava como uma hóspede privilegiada, mas eu não aceitava insubordinação. Na minha mansão, as regras eram claras e rígidas. Mesmo assim, tinha que admitir que Vitória sabia cuidar da Allegra como ninguém. Sua voz suave cantava aquelas canções infantis que grudavam na cabeça, embalando a menina com um cuidado que beirava o instinto materno. Vitória Clark era só um nome simples para a única mulher que tinha o dom de acalmar a minha sobrinha. Não a conhecia direito. Observava-a à distância, pelas câmeras espalhadas pela casa desde que soube que ela era a principal suspeita de ter dopado e roubado a minha irmã. Foi naquele dia, depois de uma discussão acalorada com minha noiva Bianca, que vi Vitória pessoalmente. No escritório, eu estava tentando me concentrar nos contratos, mas a minha noiva entrou com arrogância típica, roubando a minha atenção. — Já disse que não gosto que entre sem bater. — Termos que conversar... — Se fizer aquela cena de sexo na novela, então, considere o noivado terminado. — Ótimo! Queria cumprir o acordo que o meu pai fez com sua avó, mas não vou permitir que acabe com minha carreira profissional. — Dando as costas, Bianca se foi, deixando-me ainda mais revoltado. — Adeus, Maximus. — Ela disse e bateu a porta como se estivesse numa cena de novela. Soquei a mesa com força, fazendo com que porta-retratos caísse. Aquele dia estava uma loucura, mas eu precisava focar no meu trabalho e na investigação da morte da minha irmã Helena Trevisani. Olhei para a foto da minha irmã segurando Allegra no último aniversário da minha sobrinha quando batidas me trouxeram de volta a realidade. — Entre! A governanta passou, seguida pela babá. — Por que a minha sobrinha ainda está chorando? — perguntei, levantando-me. — A babá está bêbada, senhor — disse a governanta, séria. Vitória negou, mas o cheiro era inconfundível. A explicação veio logo em seguida: tinha quebrado um copo e mandado Vitória limpar, talvez por isso o cheiro. Peguei Allegra nos braços, que se acalmava pouco a pouco. — Livre-se desse cheiro e volte rápido — ordenei. — Não posso cuidar dela o tempo todo. Ela saiu, e a governanta quis ajudar, mas eu insisti em ficar. O trabalho não podia esperar, e a presença de Allegra era a única pausa que me permitia respirar. Enquanto organizava meus e-mails, um deles chamou minha atenção: um detetive me alertava sobre a investigação do acidente que matou minha irmã. Dizia que a culpada poderia estar dentro da própria casa, e que a babá realmente deu os comprimidos para Helena antes da tragédia. Abri o vídeo anexado. Minha irmã estava bebendo, e Vitória apareceu com uma bandeja, oferecendo um copo d’água e três tranqulizantes. — Tio, quero a mamãe! — Ela está viajando, querida — menti, sem saber como explicar. O pedido de Allegra para ver a mãe partiu o meu coração. Vitória. Durante a noite, estava feliz por vencer mais um dia de trabalho. A menina era um doce e quase não dava trabalho. Mais cedo, eu tinha pego ela no escritório. Quando entrei, o belo rosto do senhor Trevisani tinha assumido uma carranca sombria que nunca vi nas fotos que encontrei na internet. Foi por isso que pedi licença e sai antes que ele me demitisse. Por volta das oito da noite, coloquei Allegra na cama, puxei o cobertor devagar e cantei uma música de ninar. Não demorou muito até que ela adormeceu. Queria ir direto pra cama pra descansar um pouco, mas estava com muita sede. Tentei ignorar, mas não suportei aquela secura na boca. Calcei as pantufas e saí do quarto de Allegra. Desci em silêncio, tentando não fazer barulho com as pantufas contra o chão de mármore. A sede estava apertando a garganta, e a ideia de passar a noite inteira acordando com a boca seca era pior que encarar o frio da cozinha. Abaixei a cabeça assim que passei pela sala. Não queria encontrar ninguém. Só queria água. Mas, como sempre, o destino tinha outros planos. Ouvi passos. O som ritmado de sapatos caros ficava cada vez mais próximo. Virei devagar, com o coração disparado e vi Maximus Trevisani. Ele estava com a gravata solta, o rosto sombreado pela meia-luz e aquela expressão que lembrava mais um homem exausto do que um magnata inatingível. — Ainda acordada? — perguntou, a voz baixa e um pouco rouca, como se o dia tivesse sido longo demais até pra ele. — Só vim pegar água — murmurei. Segurei a alça da camisola instintivamente. Ela cobria o essencial, mas não parecia suficiente sob aquele olhar. Ele me analisou com calma. — Essa casa não é lugar pra andar com esse tipo de roupa — comentou, abrindo uma garrafa de vinho e buscando duas taças. — Eu só estava com sede. — Repeti, sentindo a voz falhar. — Sede… — Ele sorriu, mas não era deboche. Era amargo. — Às vezes acho que você tem sede de algo maior, Vitória. Arqueei as sobrancelhas. Ele não me conhecia e nem tinha o direito de dizer aquilo. — Está me confundindo com outra pessoa — rebati Ele serviu o vinho e empurrou uma taça em minha direção com a ponta dos dedos. Hesitei. Ele notou. — É só vinho. Não vou te mandar embora por isso — disse, com os olhos fixos nos meus. — Prefiro não beber, senhor. — Respondi com um sorriso breve, tentando parecer mais segura do que me sentia. — Cuidado com suas atitudes dentro da minha casa. Você devia saber que qualquer deslize aqui pesa o dobro. Principalmente vindo de você. — Não bebi uísque de manha, senhor... Ele passou a mão pelo cabelo castanho, frustrado, como se não soubesse a resposta certa. — Já sei que foi a minha ex — confessou, encarando a bancada por um segundo. As palavras dele me atingiram como um vento frio. Não esperava honestidade vinda de Maximus Trevisani. Esperava ordens. Olhares duros e cheios de julgamento. Mas ali estava um homem visivelmente cansado e bastante decepcionado. Ele me continuou me avaliando. — Não é fácil confiar em você — disse, por fim. — Mas, por algum motivo, Allegra consegue. — Às vezes, as crianças enxergam melhor que os adultos. As palavras escaparam antes que eu pudesse conter. Quando percebi, ele já sorria de um jeito estranho — como se estivesse num lugar entre o orgulho ferido e o primeiro lampejo de dúvida. — Boa noite, senhor Trevisani. — sussurrei, desviando o olhar. Virei, pronta para sair com o copo de água entre os dedos. Mas antes que pudesse dar o primeiro passo, ouvi a voz rouca sussurrar atrás de mim. — Maximus... Quando estiver vestida assim, só me chame de Maximus. Parei, sem olhar para trás e fui embora com o coração batendo forte.