Maximus
A segunda garrafa de vinho repousava aberta sobre a ilha de mármore. O silêncio da casa era quebrado apenas pelo tilintar sutil do cristal quando servia mais uma dose.
Bianca tinha ido embora. E, no fundo, talvez fosse o melhor. Não conseguia mais distinguir se o que sentia era raiva, frustração ou alívio ao vê-la partir. O problema é que ela carregava consigo a lembrança do que eu preferia enterrar — uma relação de fachada, forçada, moldada sob acordos de negócios. Não amor. Nunca foi. Foi quando a porta da cozinha se abriu devagar. Meus olhos ergueram-se e pousaram sobre ela. Aquela babá era perigosa, mas ao menos, seria uma ótima acompanhante para aliviar minha tensão naquela noite. Ela usava uma camisola simples, nada vulgar, mas o tecido colava-se à pele, denunciando as curvas suaves que eu fingia não notar nos vídeos das câmeras. Ela hesitou por um instante, surpresa com a minha presença. — Fique e beba mais um pouco comigo — falei num tom mandão. Podia ver o conflito estampado em seu rosto. Mas, no fim, tomou a taça entre os dedos finos e sentou-se do outro lado da bancada. Não tirei os olhos dela. E, ao mesmo tempo, lutei contra meus próprios pensamentos. “Essa mulher é suspeita. Foi ela quem deu os comprimidos para Helena. Será que foi ela quem roubou o dinheiro e as joias?.” Por outro lado, era ela quem fazia minha sobrinha sorrir. Quem cantava baixinho e a fazia dormir. Quem estava ali me fazendo companhia naquela noite solitária. — Como conseguiu emprego na casa da minha irmã? — perguntei, girando o vinho na taça. — Vi o anúncio. — Ela abaixou o olhar. — Precisava do trabalho. Minha avó está internada... o hospital cobra por cada segundo de oxigênio. Houve um peso nas palavras dela. Um tom que não se finge. E aquilo começou a mexer comigo. — A minha irmã confiava em você — comentei, meio sem pensar. Vitória não respondeu de imediato. Seu olhar vacilou e ela tomou um gole do vinho. — A dona Helena me ajudou muito. Nunca poderei pagar o que fez por mim. Essa parte me doeu mais do que eu gostaria de admitir. Como alguém que deve tanto a Helena seria capaz de prejudicá-la? — Então por que estava com ela naquela noite de folga? Por que deu os tranquilizantes para minha irmã? — A pergunta escapou antes que eu pudesse filtrar. Vitória congelou. E o sorriso discreto, que começava a se formar, desapareceu. Ela deixou a taça sobre o mármore, cuidadosamente. — Eu não sabia. Juro. — A voz dela vacilou. — Ela me pediu água e estava com dor de cabeça... Eu só fiz o que ela pediu. Queria acreditar que a babá realmente era inocente. Soltei um suspiro pesado e passei a mão pelos cabelos. — Desculpe. Não devia ter dito isso agora. Vitória apenas assentiu, em silêncio. O clima entre nós ficou carregado. Mas, surpreendentemente, não fiquei desconfortável. Servi mais vinho. Ela aceitou. Conversa vai, conversa vem... e, aos poucos, ela foi se soltando. Falou da faculdade, dos sonhos adiados, das contas atrasadas, da avó que chamava de “pedacinho de céu” e de como cantar para Allegra a fazia esquecer do resto. O riso dela era leve. Raro e bonito. — Você não parece uma ameaça — falei, sem perceber. — Não sou. — Soluçou e, ao mesmo tempo, sorriu. Já era tarde e estávamos na segunda garrafa de sauvignon blanc. Gradualmente, o vinho deixava tudo embaçado. Estava mais tranquilo e não estava tão estressado e desconfiado. — É melhor eu ir deitar… tudo está girando. — Disse ela, rindo. — Eu te acompanho. — Segui a babá. No corredor do andar superior, ela escorregou de leve nos próprios pés. Apoiei-a antes que caísse. — Cuidado... — murmurei, ainda segurando sua cintura. Ela ergueu o rosto e então, os olhos verdes encontraram os meus. Inclinei-me devagar. Encostei minha testa na dela. O coração batia como um tambor descompassado. Não queria ficar sozinho naquela noite… sem pensar muito, eu a beijei. Capturei os seus lábios, que se moviam contra os meus. As mãos dela subiram até minha nuca. A minha boca encontrou o pescoço, os ombros, a clavícula. Cada centímetro dela parecia implorar por um toque. — Vamos conversar lá dentro. — Disse, e levei-a até meu quarto. A noite que seguiu foi intensa, cheia de gemidos contidos e respirações entrecortadas. Nada foi planejado. Nada foi racional. Foi um impulso, um furacão de emoções que varreu o que restava da minha lógica.Ponto de vista de Vitória
O sol já começava a invadir o quarto, aquecendo o meu rosto. Demorei alguns segundos para reconhecer o lugar... e o corpo ao meu lado.
Olhei para o rosto com queixo marcado e com os traços suaves e sentei-me devagar. O lençol escorregou dos meus ombros. Olhei ao redor, procurando algo familiar. Meus pés tocaram o chão gelado, e, num sussurro, a verdade me atingiu: — O que foi que eu fiz? Meu mundo virou de cabeça pra baixo. O que começou como um gole de vinho e uma conversa acabou numa cama que não era minha. Estava no quarto do meu chefe e aquele homem poderia destruir a minha reputação como babá com uma única palavra.