Ponto de vista de Vitória Clarke.
— Hei, você… — Uma mulher alta e esguia, com os cabelos loiros presos num rabo de cavalo, chamou. — Limpe isso. — Mostrou os cacos de vidros no chão da sala de estar. — Não sou empregada dessa casa, sou apenas a babá da Allegra. — Estou mandando fazer isso agora! — Ela entoou num tom mais severo. Aquela era nada mais, nada menos do que Bianca Ambrosio, uma modelo famosa que já tinha desfilado e trabalhado com Donatella Versace, mas estava brilhando como atriz em ascensão na novela “Amor selvagem”. Era impossível não a reconhecer. — Faça o que mandei, sua insolente. — Irritada, a madame repetiu a ordem. — Não! — Recusei com veemência. — Como ousa? — Ela veio em minha direção. — O que está acontecendo aqui? — O homem de terno cinza, feito sob medida, entrou na sala. Alto, corpo atlético, postura imponente e uma aura de sedução que enfeitiça qualquer mulher… só podia ser Maximus Trevisani, o chefe que raramente aparecia. Diziam que ele era um homem ocupado e poderoso demais, bonito demais. Na verdade, tudo era demais naquele magnata, até a arrogância dele era além da conta. Eu o vi apenas de relance algumas vezes… Mas já o tinha “conhecido” através da internet. As fotos não mentiam, ele realmente tinha um maxilar firme, olhos frios, ternos impecáveis e uma presença que fazia qualquer um ao lado parecer menor. Maximus jamais me olhou de verdade. Nem sequer sabia meu nome. Para ele, eu era apenas mais uma engrenagem invisível daquela mansão. — Faça o que a minha noiva exigiu! — Ele apontou para a sujeira no chão. — Limpe logo isso. Só então, eu reparei na faixa com mancha vermelha que envolvia a mão comprida do meu chefe. Acho que ele tinha quebrado aquele copo pouco antes de eu chegar. Era óbvio que eles estavam brigando. — Anda, garota, o que está esperando? — Bianca estalou os dedos no ar ao dar a ordem. Apesar daquele gesto me irritar profundamente, tive que engolir o meu orgulho e fazer aquilo pela minha avó. Eu precisava daquele trabalho para continuar pagando as contas do hospital. Resignada, eu dobrei os meus joelhos e comecei a catar os cacos do chão. — Assim que terminar de limpar isso, vá cuidar da minha sobrinha. A governanta está com ela, mas a Allegra não para de chorar. — O chefe deu a ordem e então se foi. — Sim, senhor Trevisani. Eu ainda estava catando os cacos quando senti um líquido com cheiro destilado caindo em minha cabeça. — Você é apenas uma serviçal. — Ressaltou Bianca, lançando o resto do uísque em mim. — Sempre lembre-se disso. — Após falar, ela sorriu, largando o copo no chão, que não quebrou. De repente, o som do salto alto dos sapatos da grife da Prada ecoou pela sala de estar. Fiquei aliviada quando o eco das passadas diminuíram, indicando que aquela diaba finalmente saiu da sala. — Ai! — Exclamei quando um pedaço do caco de vidro cortou meu dedo. — Hei, Vitória, a governanta mandou ir ao quarto da Allegra com urgência. — Disse outra funcionária que só trocava palavras comigo quando necessário. — Tenho que catar esses vidros... — mencionei ao levantar. — Vá limpar esse corte no dedo e deixa que eu arrumo essa bagunça. — Até aquela mulher de uniforme achava que mandava em mim. — Mas que cheiro é esse? — Angélica fungou no segundo em chegou mais perto de mim. — Você bebeu? — Na verdade, jogaram bebida em mim — contei enquanto segurava meu dedo indicador para conter o sangue no corte. — Vá logo antes que a governanta reclame com o senhor Trevisani. Apressando-me, sai rapidamente. "Vinte e três anos...", pensei, encarando o meu reflexo no espelho do banheiro de serviço. Os meus olhos estavam cansados, como sempre, mas a íris verde cintilava com as lágrimas. Ainda acreditava que um dia entraria naquela faculdade de Direito, mas antes eu tinha que continuar pagando as dívidas do hospital onde minha avó estava internada. Já tinha limpado o pequeno corte em meu dedo e tentando lavar o meu cabelo castanho, que estava preso em um coque mal feito e teimava em soltar algumas mechas rebeldes. Lavei o rosto, troquei o meu uniforme e respirei fundo antes de encarar minha rotina mais uma vez. A mansão Trevisani era o tipo de lugar que a gente só via em filmes ou em novelas. Tinha mármore por todo lado, lustres de cristal, quadros que pareciam mais caros que minha vida inteira. Depois que a senhora Helena morreu, continuei trabalhando coma babá da pequena Allegra na mansão do senhor Trevisani. Aquela menina era uma doce de criança de quatro aninhos, que tinha perdido a mãe muito cedo... e talvez, fosse por isso que ela se apegou tanto a mim. Eu a compreendia. De certa forma, também me sentia meio órfã, já que minha mãe me abandonou com a minha vó e o meu pai se casou com outra mulher e esqueceu da minha existência. No segundo piso, rumei para o quarto de onde vinha um choro incontrolável. Assim que entrei, a menina estendeu os bracinhos na minha direção. — Oi, anjinho! — Estava prestes a pegá-la, mas a governanta se afastou. — Você tomou uísque? Aquele cheiro era horrível e lavar só com sabonete não ajudou a aliviar o aroma da bebida destilada. Allegra continuava chorando, angustiada, e ainda assim, a governanta não me deixou pegá-la. Com a menina no colo, a senhora Baker foi para o corredor e parou. — Juro que não bebi, senhora Baker. — Tentei falar, mas fui interrompida. — Vou contar para o senhor Trevisani que você está bêbada. — A mulher de cabelos grisalhos, presos num coque, saiu. — Espere, estou dizendo a verdade. — Fui atrás enquanto tentava explicar. O rosto de Allegra estava bastante vermelho e banhado por lágrimas. O meu coração se enterneceu ao ver a pequena chorando tanto.