Mundo de ficçãoIniciar sessãoARIEL MACEY
As palavras do desconhecido giravam na minha cabeça como um carrossel macabro.
Não havia espaço para dúvida, nem para o ceticismo racional. Eles sabiam sobre a minha avó. Sabiam sobre o hospital. Sabiam até o número do meu celular. É óbvio que não estavam para brincadeira.
O relógio digital na cabeceira mudou os números. 22:50.
Eu tinha que sair. Agora.
Levantei da cama num salto. Corri para o armário vazio, minhas mãos tatearam as poucas peças que tinham sobrevivido. Arranquei a camisa velha e vesti uma calça jeans preta, que estava um pouco apertada, e uma blusa de manga longa cinza escuro. Calcei meus tênis, amarrando os cadarços com muita força.
Olhei-me no espelho por um breve segundo. A garota que me encarava de volta estava pálida e os olhos arregalados de terror.
— Coragem, Ariel — sussurrei para o reflexo, embora não sentisse coragem nenhuma. Apenas desespero. — É pela vovó. É só pela vovó.
Peguei minha bolsa, verifiquei se a carteira e o celular estavam lá, e caminhei até a porta.
Girei a chave na fechadura com o cuidado e abri a porta devagar, rezando para que as dobradiças não rangessem.
Caminhei na ponta dos pés, prendendo a respiração. A casa era gigantesca, mas preciso chegar à porta principal sem ser vista. Deslizei até o topo da escadaria monumental. A sala de estar ficava logo abaixo, um espaço vasto que eu precisava atravessar para chegar ao hall de entrada.
Dei o primeiro passo no degrau e congelei.
Havia luz na sala de estar. Não a iluminação total, mas o brilho suave de um abajur de leitura. E havia movimento.
Recuei instintivamente, pressionando as costas contra a parede do corredor superior. Espiei por entre as colunas do guarda-corpo.
Dante Velasquez.
Ele estava lá. Sentado em uma das poltronas de couro de costas para a escada, mas eu podia ver seu perfil. Segurava um copo de cristal que continha um líquido âmbar, provavelmente o mesmo uísque de sempre. Aquele homem era o obstáculo entre mim e a vida da minha avó.
Se eu descesse agora, ele me veria. Perguntaria onde eu estava indo às onze da noite. E o que eu diria? "Vou ali na zona portuária encontrar um chantagista anônimo"? Ele chamaria a segurança. Ou pior, me demitiria por sair escondida, e eu perderia a única chance de conseguir o dinheiro honestamente.
O relógio no andar de baixo soou uma badalada. Onze horas.
Dante se mexeu na poltrona, girando o pescoço como se estivesse alongando os músculos e fez menção de se levantar.
Merda. Se ele subisse agora, daria de cara comigo vestida para sair.
Pensei rápido e corri silenciosamente pelo corredor, na direção oposta à escada, rumo ao quarto da pequena.
Abri a porta do quarto dela com suavidade e entrei, fechando-a atrás de mim. Encostei-me na porta fechada, tentando controlar a respiração ofegante.
Caminhei até a cama de dossel onde Luna dormia profundamente, abraçada a um urso de pelúcia quase do tamanho dela.
Sentei-me no chão, aos pés da cama, e peguei o celular. 23:05.
Preciso esperar. Preciso ter certeza de que Dante tinha ido para o quarto dele, que ficava na ala oposta, a oeste.
23:20.
Levantei sentindo as pernas dormentes.
Abri a porta do quarto de Luna, apenas uma fresta. O corredor estava silencioso. A luz que vinha da escada parecia ter diminuído.
Saí, fechando a porta da menina com o máximo cuidado.
Dessa vez, ao chegar no topo da escada, a sala lá embaixo estava mergulhada em trevas. Dante tinha ido dormir.
Desci os degraus voando, mas mantendo a leveza nos pés. Atravessei o hall de entrada e cheguei à porta principal. Destravei a tranca eletrônica, rezando para que o bipe não fosse alto. Fechei a porta atrás de mim e comecei a caminhar rápido até o portão principal. A propriedade era enorme.
Solicitei um carro por aplicativo enquanto andava.
Cheguei à guarita. Havia dois seguranças lá dentro, conversando e tomando café.
Um deles me viu, franziu a testa e saiu da guarita.
— Srta. Macey? Aconteceu alguma coisa?
— Não, está tudo bem. Eu preciso resolver uma emergência familiar urgente com minha avó. Já chamei um carro.
O segurança olhou para a casa escura atrás de mim e depois para o meu rosto pálido. Talvez a minha expressão de puro terror tenha sido convincente o suficiente.
— Entendo. Sinto muito. O portão está aberto para pedestres no botão lateral. Cuidado lá fora, senhorita.
— Obrigada.
O carro chegou minutos depois. Entrei no banco de trás e cumprimentei o motorista.
A viagem foi rápida. À medida que nos afastávamos do bairro nobre onde ficava a mansão Velasquez e nos aproximávamos das docas, a paisagem mudava.
O cheiro de maresia misturado com óleo diesel e lixo impregnava o ar, mesmo com as janelas fechadas.
— É aqui — o motorista disse, parando o carro em uma rua deserta, ladeada por galpões gigantescos. — Olha, moça... eu não vou desligar o carro. Se não tiver ninguém aí...
— Pode ir. Obrigada.
Desci do carro. O motorista não esperou nem um segundo. Acelerou e sumiu na curva, me deixando sozinha na escuridão.
Olhei para o endereço no celular. Galpão 4B. A porta de metal estava entreaberta e entrei.
— Alô? — chamei. — Eu vim. Estou aqui!
Nenhuma resposta. Estava escuro demais. Não conseguia ver um palmo à frente do nariz.
Peguei o celular e liguei a lanterna. O feixe de luz branca iluminou as partículas de poeira no ar. Movi a luz pelo chão, varrendo o ambiente e avancei devagar.
De repente, a luz da lanterna incidiu sobre algo que não pertencia àquele lugar sujo.
Um sapato.
Era um sapato social preto, de couro, brilhando perfeitamente sob a luz do meu celular. Subi o feixe de luz lentamente. Uma calça de alfaiataria preta. Um paletó de veludo escuro. Uma camisa branca sem gravata, aberta no colarinho.
E então, o rosto.
A luz iluminou um homem sentado em uma cadeira de espaldar alto, que parecia um trono deslocado no meio daquele lixo. Ele apertou os olhos contra a claridade repentina da minha lanterna e ergueu uma mão para proteger a visão.
— Desligue isso, cara mia. É rude cegar seu anfitrião.







