Mundo de ficçãoIniciar sessãoDANTE VELASQUEZ
O som de algo estilhaçando contra a parede aumentou minha frustração.
— Inferno!
Passei as mãos pelo rosto, esfregando os olhos com força.
Levantei da cadeira de couro, ignorando a pilha de contratos na minha mesa.
Saí para o corredor. O vaso da dinastia Ming, que estava na família há gerações, era agora apenas cacos caros no chão.
Olhei para Alfredo, meu mordomo e, infelizmente, a única figura paterna que eu tive na vida, já que meu próprio pai estava ocupado demais sendo um desgraçado antes de morrer. Alfredo estava ajoelhado, tentando acalmar a pequena figura encolhida no canto.
Luna estava tremendo. Os bracinhos finos abraçados aos joelhos e o rosto escondido.
— Ela rejeitou o jantar, senhor Dante — informou, levantando os olhos cansados para mim. — E quando tentei oferecer a boneca nova... bem, o vaso foi o resultado.
Havia muitas coisas que eu era capaz de realizar, mas fazer minha filha de cinco anos parar de chorar não era uma delas.
— Onde está a babá? A Sra. Higgins? — perguntei, embora estivesse a um passo de demitir essa incompetente por perder minha filha no parquinho e ela quase ter sido atropelada.
Alfredo suspirou, ficando de pé e ajeitando o colete.
— Pediu demissão há dez minutos, senhor. Disse que Luna é... incontrolável. E disse na frente da Luna que ela não é paga para lidar com uma criança "defeituosa".
O sangue ferveu. Eu vou destruir a carreira daquela mulher. Ninguém chamava minha filha de defeituosa.
Caminhei até Luna e tentei tocá-la. Assim que minha mão encostou no ombro dela, ela se encolheu violentamente, como se eu fosse machucá-la. Recuei a mão, aceitando que fui rejeitado novamente.
— Senhor... — Alfredo hesitou, o que era raro. — Esta foi a décima em dois meses. As agências de alto nível estão começando a recusar nossos pedidos. Precisamos de alguém diferente. Alguém com paciência, não apenas com diplomas.
— Eu não me importo com o que precisamos, Alfredo! — Aumentei o tom, e Luna soluçou mais forte. Baixei a voz imediatamente, praguejando mentalmente. — Apenas traga alguém. Qualquer pessoa. Dobre o salário. Triplique. Eu quero uma fila de candidatas aqui amanhã de manhã. Tenho reuniões com os investidores japoneses e não posso ficar vigiando se minha filha vai tentar correr para o trânsito novamente ou quebrar a casa inteira.
Virei as costas, incapaz de continuar vendo a dor da minha filha sem poder consertá-la. Voltei para o escritório e bati a porta, me servindo de uma dose generosa de uísque, embora ainda fosse cedo.
(...)
Na manhã seguinte, eu estava sentado na poltrona principal da biblioteca, transformando o local em uma sala de interrogatório. Alfredo organizou as entrevistas. Eu não tinha tempo para isso, mas depois do incidente de ontem, não confiaria a segurança de Luna a ninguém sem olhar nos olhos da pessoa.
As três primeiras foram dispensadas em menos de cinco minutos. Uma cheirava a cigarro disfarçado com menta. A outra falou com uma voz infantilizada que me deu náuseas. A terceira parecia ter medo da própria sombra.
— Próxima — ordenei, massageando as têmporas.
A porta dupla se abriu e Alfredo entrou primeiro.
— Senhorita Ariel Macey — ele anunciou.
Eu estava olhando para o tablet, verificando as ações da Velasquez International. Nem me dei ao trabalho de levantar a cabeça imediatamente.
— Sente-se. Tem experiência com crianças mudas ou traumatizadas?
Ouvi os passos dela pararem, mas não houve resposta.
O silêncio se estendeu por tempo demais. Franzi a testa.
— Eu fiz uma pergunta, senhorita Mac...
Levantei os olhos, vendo uma cara que não esperava encontrar novamente. Ela estava limpa agora. Usava uma calça social preta simples e uma blusa branca engomada. O cabelo ruivo estava preso num rabo de cavalo. Será por causa do cabelo que os pais lhe deram esse nome? Nada originais.
— O que diabos você está fazendo dentro da minha casa?
A cor fugiu do rosto dela, deixando-a pálida. Ela deu um passo para trás, instintivamente.
— É você... — Ela sussurrou. — O idiota do carro.
Alfredo, que estava perto da porta, engasgou discretamente.
— Senhorita Macey, por favor, mantenha o respeito com o Sr. Velasquez...
— Essa mulher é uma perseguidora psicótica! Como ela passou pela segurança, Alfredo?!
Parei na frente dela, invadindo seu espaço. Ela era bem mais baixa que eu, tinha que erguer o queixo para me encarar, mas para minha surpresa, ela não recuou.
— Eu não sou perseguidora! Eu vim para uma entrevista de emprego! Não fazia ideia de que a casa era sua. Se eu soubesse que o dono era o troglodita que j**a dinheiro na lama, teria passado longe desse portão!
— Mentira! — Gritei, apontando o dedo na cara dela. — Você planejou isso. Primeiro o "acidente" ontem, e agora aparece aqui? Você acha que eu sou estúpido? Quanto tempo você me vigia?
— Ninguém te vigia, seu egocêntrico paranoico! — Ela bateu na minha mão, afastando meu dedo. — Eu vi o anúncio no jornal! E para sua informação, eu não queria seu dinheiro sujo ontem e não quero agora.
— Ah, não quer? — Soltei uma risada seca, sem humor. — Aposto que catou as notas do chão como uma ratazana.
— Você acha que tudo se resolve jogando maços de dólares na cara das pessoas. Você é mesmo muito patético.
Fiquei atordoado pela audácia.
— Você me chamou de patético?
— Chamei! — Ela não parou. Parecia que uma represa tinha se rompido. — Patético, arrogante e um péssimo pai! Você estava tão preocupado em me acusar ontem que nem percebeu o quanto sua filha estava assustada. Você tratou ela como uma mala que se coloca no carro, não como uma criança que quase morreu! E agora eu vejo por que ela correu para a rua. Qualquer um correria para longe de você!
Aquilo atingiu um nervo exposto.
— Cale a boca! — rugi. — Alfredo! Chame a segurança! Tire essa mulher daqui agora! E chame a polícia. Quero ela presa por invasão de propriedade e assédio!
— Não precisa me tirar, eu sei onde é a saída! — Ela girou nos calcanhares e marchou em direção à porta.
Dois dos meus seguranças, alertados pelos gritos, entraram correndo.
— Tirem ela daqui! — ordenei.
Um dos guardas agarrou o braço de Ariel.
— Me solta! — Ela se debateu. — Não precisa me tocar!
— Senhor, por favor... — Alfredo tentou intervir, mas eu estava cego.
— Fora! — apontei para a saída.
Luna surgiu no corredor. Ela estava com o pijama de coelhinho, os cabelos desgrenhados e os olhos inchados de tanto chorar. Olhou para mim. Olhou para os seguranças. E então olhou para Ariel.
Houve um segundo de reconhecimento e então, Luna correu e se lançou contra as pernas de Ariel.
— Luna! — chamei.
Ela abraçou as pernas da mulher com força e enterrou o rosto na calça social barata da mulher.
Os seguranças pararam imediatamente, soltando o braço de Ariel e recuaram.
Ariel ficou estática e olhou para baixo.
— Ei... — A voz estridente da briga sumiu, substituída por um tom suave. — Ei, pequena... está tudo bem.
Ariel colocou a mão na cabeça de Luna, acariciando os fios. E, para meu choque absoluto, Luna não se encolheu. Ela se apertou mais contra a desconhecida.
Fiquei paralisado. Minha filha, que não deixava ninguém tocá-la há meses, estava se agarrando à mulher que eu acabei de mandar jogar na rua.
— Luna, venha aqui — ordenei, tentando manter a autoridade. — Saia de perto dela. Essa mulher é perigosa.
Luna negou com a cabeça freneticamente, sem soltar Ariel. Ela olhou para mim com aqueles olhos grandes e úmidos, e vi a súplica neles.
— Senhor Velasquez... — Alfredo sussurrou ao meu lado. — Olhe. É a primeira vez.
Eu olhei. Eu estava vendo, mas meu cérebro se recusava a aceitar. Preciso desesperadamente de alguém que Luna aceite. Mas minha filha escolheu a única mulher na face da terra que eu queria estrangular.
Passei a mão pelo cabelo, puxando os fios com frustração.
— Está tudo bem. — disse aos seguranças, sem olhar para eles. — Saiam.
Os guardas saíram rapidamente, fechando a porta. Ficamos apenas nós quatro: eu, Alfredo, a mulher insuportável e minha filha agarrada a ela.
Caminhei até minha mesa e me apoiei nela, encarando Ariel.
— Você precisa do trabalho. — afirmei, friamente. Não era uma pergunta.
Ariel levantou o olhar. A hostilidade ainda estava lá, viva e ardente.
— Não sei se vale a pena trabalhar para o diabo.
Trinquei os dentes.
— Cinco mil dólares por semana. — Joguei o valor. Era muito acima do mercado. — Mais bônus se ela... melhorar.
Os olhos de Ariel se arregalaram levemente e eu sabia que ela não podia recusar.
— Dez mil — ela retrucou.
Arqueei uma sobrancelha.
— Você está testando minha paciência, garota?
— Cinco mil é o salário. Os outros cinco são taxa de insalubridade por ter que olhar para a sua cara todos os dias. — ela disparou, mantendo o queixo erguido.
Alfredo tossiu para disfarçar uma risada e eu o fuzilei com o olhar.
Olhei para Luna. Ela tinha parado de chorar. Estava quieta, esperando ansiosa pela minha resposta.
— Fechado — rosnei. — Mas vamos deixar as regras claras, Srta. Macey.
Dei a volta na mesa e parei na frente dela. Luna se colocou ligeiramente na frente de Ariel, protegendo-a. Aquilo me deixava irritado, mas foquei na mulher.
— Regra número um: Você cuida da minha filha. Então evite se meter no meu caminho.
— Com prazer — ela respondeu prontamente.
— Regra número dois: Se um fio de cabelo da cabeça dela for tocado sob sua supervisão, eu não vou te demitir. Eu vou acabar com você. Entendeu?
— Eu já salvei a vida dela uma vez enquanto você estava ocupado sendo um idiota — ela respondeu, destilando veneno. — Acho que sou mais qualificada para mantê-la viva do que você.
Senti uma veia pulsar na minha testa. A língua dessa mulher estava afiada demais para o meu gosto.
— E regra número três: Controle seu temperamento e suas ações. Eu estarei vigiando cada passo seu. Se você pisar fora da linha, Srta. Macey, você vai desejar nunca ter cruzado meu caminho. — Dessa vez ela ficou quieta, parece que ao menos entendia rápido. — Alfredo — chamei, sem desviar os olhos dela. — Mostre o quarto. Ela começa agora.







