Senti meu corpo congelar com o olhar de frieza do Sr. Lorenzo. Eu poderia apenas dizer a verdade, claro que ocultando alguns detalhes. Mesmo assim, estava nervosa e com medo de ele não acreditar ou simplesmente suspeitar do envolvimento indevido que tive com o Ravi.
— Eu estava na sala lá embaixo e ele chegou um pouco bêbado… então ajudei ele a subir e coloquei ele na cama — tentei explicar toda a situação.
— É mesmo? — questionou com ar de desconfiança.
Ele deu uma olhada para dentro do quarto e encarou Ravi, que aparentemente havia adormecido, olhou novamente para mim e deu um suspiro cansado.
— Não quero ser grosseiro com você, Maya. Acontece que não pago você para que tome conta do Ravi, e sim do Nicolás. O Ravi é irresponsável e deve assumir as consequências sozinho. Essa não vai ser a primeira vez; se ele chegar se arrastando, deixe-o se arrastar — falou de forma ríspida.
Fechou a porta do quarto do Ravi e apontou educadamente para a saída do corredor que ligava os quartos, fazendo menção de que eu saísse. Ele foi me acompanhando até o fim das escadas e partiu em retirada em direção ao seu escritório.
Ainda naquele dia, Ravi levou um sermão feio do pai. Não pude ouvir a conversa entre os dois, mas Tereza comentou comigo sobre o assunto. Ela não falou muito, mas parecia ter ficado chateada com o acontecido. Pelo que consegui perceber até agora, Tereza carrega muito amor e carinho pelo Ravi, assim como pela Sra. Estela. Ela não parece simpatizar muito com o Jonas, mas volta e meia demonstra que sente preocupação com ele. Eu me pergunto de qual lado devo ficar... Se é que tenho algum lado para escolher.
Durante a noite, após ter colocado o Nico na cama e me certificar de que ele não estaria jogando no celular ao invés de dormir, fui para o meu quarto e me debrucei na cama. Claro, não poderia ficar ali pensando em outra coisa que não fosse aquele momento de mais cedo que passei com o Ravi. Minhas lembranças sobre aquilo eram tão precisas que eu podia brevemente sentir o cheiro de bebida que estava vindo dele naquela hora.
Afinal de contas, quem eu sou? Eu não sou ninguém. Sou apenas mais uma empregada para essa família, mais uma mulher para o Ravi, mais uma iludida. Eu não posso me dar ao direito de pensar nele dessa forma. Não posso me dar ao luxo de cogitar que podemos viver algo a mais do que vivemos hoje mais cedo. Ele só estava brincando comigo. Hoje ele só estava bêbado demais para lembrar que sou só uma babá, uma mulher cuja vida tem sido impiedosa.
Além disso, me peguei pensando em outra coisa. Quando ele tirou a camisa, vi que tinha uma cicatriz na lateral da costela dele, era relativamente grande. Eu fiquei tão em choque naquele momento, que mal pude reparar direito. Como ele conseguiu aquela cicatriz? De toda forma, tenho coisas piores para me preocupar do que um homem com quem eu jamais poderia me relacionar.
Enquanto eu devaneava sobre os sentimentos que estavam nascendo em meu peito, ouvi alguém batendo na porta do meu quarto. Um som bem baixo, como se a pessoa não quisesse ser ouvida. Levantei-me imediatamente e fui abrir. Pensei que poderia ser o Nico querendo alguma coisa, mas assim que abri a porta, me deparei com o Ravi ali de pé, na minha frente.
— Vamos conversar sobre hoje — falou.
O rosto dele denotava preocupação.
— Não tem o que conversar — respondi brevemente.
Tentei fechar a porta novamente, mas ele impediu, segurando com uma das mãos, e já tratou de entrar, mesmo sem nenhum convite.
— Você é criança? — ele falou, emburrecido.
Fechou a porta atrás dele e passou o trinco.
— Quer me fazer de palhaço? Todas as vezes que tento conversar com você, é a mesma coisa de sempre. Você acaba fugindo — disse ainda emburrecido.
— Você vai chamar de infantilidade? Você sabe bem o porquê eu fujo. O que você faz comigo não tem o menor cabimento — respondi, ficando intrigada.
Às vezes, penso que ele não tem noção. Talvez ele só esteja brincando comigo mesmo. Isso é o mais provável.
— Por que não? Você já me mostrou que quer. Não tem mais como fingir que não tem vontade, agora que você já cedeu — ele falou, se aproximando de mim.
Fui dando passos para trás. Eu precisava fugir daquela aproximação antes que se tornasse algo que eu não conseguisse mais controlar.
— Você está certo. Eu confesso que você mexe comigo… mas eu tenho que ser racional, já que você não vai ser. Só para de brincar comigo, porque sei que isso não passa de diversão pra um cara entediado — falei, ficando ainda mais irritada. — O que mais me espanta é a sua crueldade em ficar fazendo isso comigo, sabendo de tudo que eu estou passando. Ainda assim, você insiste em querer me prejudicar — esbravejei de uma vez.
Assim que fechei a boca, ele nada respondeu. Apenas me beijou ali mesmo. Envolveu seus braços, que eram fortes e calorosos, em minha cintura. Senti meu corpo sendo pressionado contra o dele e comecei a ficar com aquela mesma sensação que ele sempre me causa. Senti meu corpo fraquejar, como se eu fosse cair em cima dele. No fim, era isso mesmo que eu queria.
Senti uma das mãos dele descer pelo meu corpo até que agarrasse a minha bunda com firmeza. Eu me arrepiei inteira com aquilo. Já estava perdendo o fôlego com aquele beijo de língua lento, mas fervoroso, que parecia ser interminável. Eu não me queixaria disso, mas ele próprio acabou se separando para olhar nos meus olhos.
— Não se trata de uma brincadeira pra mim — ele falou.
Ajeitou uma mecha do meu cabelo, colocando-a atrás da minha orelha com toda a delicadeza que eu jamais havia visto ele ter.
— Eu sei que sou idiota, sei que não confia em mim, mas eu te quero. Você vaga pelos meus pensamentos inúmeras vezes por dia. Quero estar com você a todo momento. Até quando você vai resistir ao inevitável? — ele questionou.
Ficou ali parado, esperando pela minha resposta. Só que eu não conseguia dizer nada. Meu corpo estremeceu inteiro. Senti o coração acelerar.
— Se descobrirem, serei demitida. Seu pai quase pegou a gente hoje. Se demorasse só mais um segundo, ele teria entrado e visto nós dois se agarrando — falei.
— Vamos ser cuidadosos. Ninguém vai saber de nós dois — ele falou, deslizando a mão levemente pelo meu rosto e se aproximando mais.
— Não, Ravi… a resposta é não! — falei, tentando ser firme.
— Deixa eu dormir com você hoje — ele falou e me puxou pela cintura.
Começou a beijar meu pescoço suavemente, me fazendo arrepiar.
Como eu faço para evitar essa vontade irremediável de só me entregar pra ele de uma vez?
— Você não ouviu o que eu acabei de dizer? — perguntei, afastando ele de mim.
— Nem você acreditou no que disse — falou.
Ele me puxou para os braços dele novamente e voltou a beijar o meu pescoço. Ele sabe o poder que tem sobre mim. Isso é péssimo.
— Ravi, é sério… vamos com calma. Ainda tem coisas que não saem da minha cabeça e que eu preciso saber — falei um pouco receosa, enquanto sentia a gostosa sensação dos lábios dele na minha pele.
Aquela era a minha oportunidade de perguntar sobre o que ouvi Jonas dizer ontem à noite e sobre aquela cicatriz que vi na costela dele.
— Fala… — falou brevemente.
A voz rouca e baixa em meu ouvido. Logo em seguida, ele voltou novamente para o meu pescoço.
— Você matou alguém? — soltei de uma vez a dúvida, antes que perdesse a coragem de perguntar.
Ele parou na mesma hora com os beijos. Ficou parado na minha frente, me olhando com o cenho franzido. Parecia ter ficado aborrecido.
— O quê? O que o Jonas te disse? — questionou, irritado.
— Nada. Só que eu ouvi vocês conversando ontem… quando brigaram. Ouvi ele dizer que matar era a sua especialidade, e pareceu que isso foi o que serviu de gatilho pra você agredir ele… — falei.
Eu estava tão nervosa, com medo da resposta dele e com medo dele me odiar por ter perguntado aquilo, que conseguia sentir minhas pernas fraquejarem novamente.
O olhar dele mudou. Ele passou a mão pelos cabelos, jogando-os para trás. Passou uma das mãos pelo rosto, em sinal de estresse. Andou até a cama e se sentou.
— Não importa quanto tempo se passe, isso sempre vai me perseguir — ele falou.
Percebi certa tristeza em seu olhar, e então ele começou a derramar lágrimas.
— Eu matei a minha mãe — falou, e as lágrimas continuaram rolando pelo seu rosto.
Eu fiquei paralisada. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Como isso pode ser possível? Ele parecia ser o que mais sofria com a morte da mãe, e agora fala que ele a matou?
— O quê? Fala que é mentira! — falei, ficando amedrontada.
Eu não queria acreditar naquilo. Como isso pode ter acontecido? Que lugar é esse em que eu vim parar? Nada disso faz sentido pra mim agora.