A noite passou em meio a sonhos fragmentados e pesadelos difusos. Quando a primeira luz da manhã começou a penetrar pelas frestas do hospital, Porto Azul despertava lentamente. O céu tingia-se de laranja suave, refletindo no vidro das janelas.
Isadora caminhava pelos corredores silenciosos, já de jaleco, o som dos próprios passos ecoando no chão encerado. Carregava em uma das mãos uma prancheta com algumas anotações, mas a atenção estava voltada ao quarto onde Helena estava internada. Parou diante da porta, respirou fundo e entrou em silêncio. A senhora Helena dormia, a respiração lenta e regular sob a máscara de oxigênio. O monitor cardíaco exibia números estáveis, algo que trouxe um discreto alívio para Isadora. Então, seu olhar se voltou para a poltrona ao lado da cama. Daniel estava dormindo, exausto, mas ainda conservando uma postura que mostrava a força contida em seu corpo. O cabelo curto, preto luminoso, parecia brilhar levemente sob a luz do monitor, contrastando com a pele bronzeada da boca levemente rosa, marcada pelo tempo e pelos cuidados diários. O maxilar definido e a barba curta, perfeitamente desenhada, acentuavam a expressão firme, mesmo em repouso. A camisa preta, aberta no colarinho, revelava um peito largo e postura confiante, que transmitiam elegância e força ao mesmo tempo.A posição relaxada deixava transparecer os ombros largos e os braços tonificados, o tronco firme se moldando ao contorno da poltrona, revelando uma presença que era ao mesmo tempo imponente e vulnerável. Enquanto observava, Isadora percebeu pequenas nuances: a forma como ele apertava levemente o punho sobre o braço da poltrona, como se inconscientemente mantivesse a guarda; o leve franzir da testa, mesmo dormindo, revelando preocupação e tensão. Cada detalhe parecia contar uma história de alguém que carregava muito mais do que podia demonstrar. Isadora permaneceu ali por alguns instantes, imóvel, absorvendo aquela imagem silenciosa. Havia algo reconfortante e inquietante ao mesmo tempo o neto tão próximo da avó, vigilante e protetor, mesmo enquanto descansava. A cada movimento, lembrava-se da responsabilidade que carregava em manter Helena estável não apenas por ser avó de Daniel, mas porque cuidar ainda era o que a mantinha inteira em meio ao turbilhão que vivia. Ela anotou os resultados na prancheta, ajeitou o cobertor sobre a paciente e, por alguns segundos, permaneceu apenas olhando para os dois, como se aquele quarto fosse um raro espaço de paz e intensidade em meio ao caos da cidade de Porto Azul. Daniel abriu os olhos levemente, ao despertar percebeu a prenseça dela, Aos olhos de Daniel, Isadora parecia carregar uma beleza que não precisava de esforço. Seus cabelos longos e castanhos presos em em um coque baixo, emolduravam o rosto delicado. As sobrancelhas marcantes davam intensidade ao brilho doce dos olhos verde escuro, que o prendiam sem aviso. A pele clara parecia iluminar-se sozinha,revelava os lábios rosados que completavam um encanto difícil de explicar.permaneceu ali por alguns segundos, o olhar fixo em Isadora. O silêncio era quase insuportável, carregado de tudo o que nunca haviam dito e do peso da situação atual. — Bom dia, Daniel. — Isadora finalmente falou, tentando controlar o leve tremor da voz. — Sua avó está estável, os sinais vitais dentro do esperado. Fiz uma checagem completa. Ele respirou fundo, como se quisesse expelir toda a raiva contida da noite. — Eu sei que você está fazendo o possível por ela... mas — engoliu em seco — não fui eu. Não me envolvi nisso, Isadora. — A voz saiu firme, carregada de frustração e dor. Isadora sentiu um choque percorrer seu corpo. Ela arqueou levemente as sobrancelhas, surpresa, e por um instante ficou sem palavras. Seu olhar encontrou o dele, intenso e sincero, e algo dentro dela se abriu. — Você... não foi você? — murmurou, ainda com certo espanto, sentindo uma pontada de alívio misturado à incredulidade. Daniel assentiu, a mandíbula cerrada, mas os olhos revelando vulnerabilidade. — Não. Alguém está armando isso contra mim. — Sua voz baixou, quase um sussurro, mas a intensidade não diminuiu. — Eu vou provar. E não vou deixar que ninguém machuque minha família ou minha reputação. Isadora respirou fundo, absorvendo cada palavra, e sentiu uma estranha sensação de conexão naquele momento. Um reconhecimento silencioso: apesar da tensão, da dor e do passado que os separava, estavam enfrentando o mesmo turbilhão. — Então... estamos no mesmo barco. — disse ela, a voz carregada de emoção, explicando de forma breve. — Não é só sobre você. A mídia, as acusações... tudo isso me atingiu também, e eu preciso lidar com isso. Daniel permaneceu em silêncio, observando-a enquanto ela se preparava para sair do quarto. Quando a porta começou a se fechar, ele disse, com a voz baixa, firme e cheia de significado: — Eu acredito em você. Isadora fez um leve aceno com a cabeça, com um misto de alívio e determinação, e saiu do quarto, deixando o ambiente silencioso novamente.