Isadora respirou fundo ao fechar a porta do quarto de Helena. O ambiente hospitalar ainda carregava a sensação de urgência, mas finalmente podia se permitir alguns instantes fora da tensão constante. Caminhou pelos corredores com passos firmes, ajustando o jaleco, e logo notou um homem parado próximo à recepção, olhando em volta como se estivesse perdido.
Ele não se apresentou, mas havia algo em sua postura que a fez franzir ligeiramente a testa. Alto, maduro e elegante e com ar de autoridade discreta, parecia procurar alguém. Quando se aproximou da recepcionista: — Onde está a senhora Helena Ribeiro? — perguntou, a voz calma, mas firme. A recepcionista, acostumada com visitas e familiares, apontou rapidamente: — O quarto está no terceiro andar, ala B, senhor. Siga pelo corredor à direita e suba pelo elevador. O homem acenou em silêncio, agradeceu e dirigiu-se para o elevador sem olhar para trás. Isadora sentiu uma pontada de curiosidade, mas não tinha tempo para perguntas: precisava seguir para a cafeteria onde havia marcado o encontro com Marcos Araújo. Ao sair do hospital, a visão da imprensa se aproximando trouxe o habitual desconforto. Microfones e câmeras surgiam por todos os lados, mas Isadora permaneceu firme, desviando os olhares, ignorando perguntas, mantendo o passo decidido até o táxi que a esperava. Durante o trajeto, cada semáforo parecia alongar o tempo. A cidade de Porto Azul despertava lentamente, e a manhã ensolarada contrastava com a tensão que ela carregava. Chegando à cafeteria, Isadora escolheu uma mesa em um canto discreto, com vista para a porta. Ela sabia que Marcos chegaria logo. Segurando a xícara de café, respirou fundo, revisando mentalmente tudo o que precisava contar. Poucos minutos depois, a porta se abriu, e Marcos entrou, cumprimentando-a com um aceno discreto. Sentou-se à sua frente, já com caderno e caneta prontos. — Bom dia, Dr. Melo. Obrigado por me chamar — disse ele, a voz firme, mas sem pressa. — Bom dia — respondeu ela, ajustando o jaleco sobre o casaco. — Precisamos ser precisos. Vou te contar tudo desde o início. Isadora começou a narrar, com cada detalhe calculado e controlado: — Era uma cirurgia pequena, rotineira. Eu revisei todos os procedimentos antes, conferi cada medicamento, cada equipamento. Tudo parecia estar em ordem. Mas logo após o procedimento, o paciente começou a passar mal de forma súbita. Estava em estado grave. — Ela respirou fundo, segurando a xícara como se ajudasse a manter o controle da voz. — Percebi que havia sido trocado um dos medicamentos. Não foi erro meu nem da equipe — reforçou, com firmeza. — Transferimos o paciente imediatamente para um hospital especializado. Mas, antes que pudesse entender tudo, alguém já havia vazado a história. A mídia começou a circular rumores, e o escândalo tomou proporções que nunca imaginei. Marcos anotava cada palavra, olhos atentos, levantando às vezes pequenas interjeições: — Entendi. Então o erro foi externo, mas você acabou sendo responsabilizada. Certo? — Exatamente — respondeu Isadora, os olhos firmes no dele. — Alguém manipulou a situação e me colocou como culpada. Eu preciso descobrir quem fez isso. O detetive assentiu, já começando a organizar mentalmente os primeiros passos da investigação. — Certo, doutora. Vamos começar verificando todos os envolvidos naquele dia. Cada detalhe conta, cada pessoa que teve acesso ao medicamento ou à sala de cirurgia. Nada será ignorado. Isadora sentiu um leve alívio. Pela primeira vez desde que o escândalo começou, sentiu que tinha um aliado concreto, alguém capaz de ajudar a trazer a verdade à luz. Enquanto observava Marcos anotar tudo, pensou em Daniel, na avó dele e em como aquela situação estava ligada a todos eles. Determinação e prudência seriam suas armas a partir daquele momento. … O quarto estava silencioso,enquanto Daniel permanecia ao lado da cama, vigilante e tenso. A porta se abriu e um homem entrou apressado, passos firmes ecoando pelo quarto. Daniel levantou o olhar e franziu a testa ao reconhecer o visitante. — Daniel — disse o homem, a voz carregada de preocupação, quase exigindo explicações — por que você não me avisou que a mãe estava assim? Era Danilo Ribeiro, tio de Daniel, irmão mais novo de seu pai, rosto sério e marcado por uma expressão que misturava irritação e apreensão. Ele avançou alguns passos, observando a mãe com olhos avaliativos, mas logo se voltou para o sobrinho. Daniel soltou um suspiro pesado, a mandíbula cerrada. Não gostava da postura do tio, sempre criticando cada movimento seu, sempre menosprezando suas decisões. — Danilo… — respondeu, a voz firme e seca — você realmente se importa com a saúde da sua mãe? Ou só quer aparecer quando tudo já está resolvido? Danilo ficou rígido, surpreso pela franqueza do sobrinho, mas não se abalou. — Isso não tem nada a ver com aparecer! — retrucou ele, tentando manter o controle da voz. — É a minha mãe, Daniel. Você deveria ter me informado. É meu direito saber! Daniel deu um passo para frente, aproximando-se, olhos fixos nos de Danilo: — Direito? — repetiu, a ironia cortando cada sílaba. — Nunca se importou realmente com ela, Danilo. Sempre esteve mais preocupado com o que os outros pensam ou com seu próprio orgulho. Não tente me dar lições agora. O silêncio caiu novamente no quarto, apenas interrompido pelo som constante dos monitores. Helena respirava sem dificuldade, alheia ao confronto, mas cada palavra lançava uma tensão quase palpável entre os dois homens. Danilo apertou os lábios, percebendo que não iria conseguir quebrar a postura de Daniel. Respirou fundo, tentando não deixar a frustração transparecer. — Tudo bem… mas não se esqueça — disse, mais baixo, quase como uma ameaça velada — você não está sozinho nisso. A saúde dela é de todos nós, queira você ou não. Daniel apenas permaneceu imóvel, o olhar fixo na vó, sem se deixar abalar. O histórico de rivalidade entre eles falava mais alto do que qualquer preocupação que Danilo pudesse demonstrar naquele momento. Finalmente, Daniel soltou o ar contido, em um gesto de resignação: — Tudo bem, tio Danilo… faça o que achar melhor. Se você quer ficar com a mãe agora, fique. — disse, a voz carregada de cansaço. Danilo assentiu, um leve sorriso de concessão surgindo: — Obrigado, Daniel. Vou me certificar de que ela fique bem. Você pode ir cuidar das suas coisas sem preocupação. Daniel olhou para a avó, segurou a mão dela por um instante, e depois desviou o olhar para o tio, com um aceno breve de compreensão. Sem dizer mais nada, deixou o quarto, sentindo o peso da responsabilidade se aliviar um pouco. Ao sair do hospital, Daniel dirigiu-se para casa. A viagem silenciosa permitiu que ele respirasse, deixando o stress do dia e a tensão familiar se dissiparem. Chegando, entrou, tomou um banho rápido e renovador, deixando a água quente lavar a exaustão acumulada. Revigorado, vestiu-se de maneira formal, pronto para enfrentar os desafios que ainda o aguardavam na empresa. Embora o dia houvesse começado com crises familiares e médicas, ele agora podia focar na rotina corporativa, determinado a controlar cada detalhe e a proteger a reputação da família Ribeiro. Enquanto isso, no Hospital Central, Danilo permanecia ao lado de Helena, assumindo a vigilância com cuidado e atenção, garantindo que a mãe estivesse segura sob sua supervisão.