Alice acordou com a garganta seca. O quarto branco e silencioso do hospital não a deixava esquecer onde estava. A luz fraca da madrugada entrava pelas persianas, e ela se sentia estranhamente deslocada, como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa. Ainda sentia a cabeça pesada pelo efeito da droga, mas havia algo além disso. Algo… que não fazia sentido.
Um arrepio percorreu sua espinha, sem motivo aparente. Como se alguém a observasse de longe, invisível. E então aconteceu. O ar mudou, carregando um aroma que não pertencia ao hospital. Não era o cheiro de desinfetante, nem das flores no vaso ao lado. Era doce, fresco, intenso… morangos silvestres. Alice fechou os olhos, inspirando fundo sem perceber. O coração disparou. O perfume a envolveu de tal maneira que ela quase acreditou estar sonhando. Era reconfortante e ao mesmo tempo arrebatador, como se seu corpo inteiro tivesse reconhecido algo que a mente não entendia. — Está tudo bem? — Liandra se aproximou da cama, percebendo a mudança no semblante dela. Alice piscou, confusa. — Você sente isso? — Sinto o quê? — a guerreira manteve a voz calma, mas por dentro seu instinto já sabia a resposta. — Esse cheiro… é como morangos frescos. — Alice passou a mão pelos cabelos, embaraçada. — É loucura, não? Mas eu juro que parece real. Liandra apenas assentiu, escondendo a tensão. Não era loucura. Não para quem, como ela, conhecia a verdade por trás dos lobos. Alice começava a sentir o vínculo, mesmo sem ter ideia do que aquilo significava. POV Felipe Do outro lado da porta, fechei os olhos. Baunilha com chuva de verão. Esse era o cheiro que escapava do quarto, doce e refrescante, tão viciante quanto uma promessa impossível. Cada vez que respirava, era como se estivesse mergulhando em algo que jamais conseguiria largar. Zurkn urrava dentro de mim. — Ela está acordada. Ela sente você. Vá até ela. Deixe que nossos olhos se encontrem. — Não. — Meu sussurro saiu grave, doloroso. — Eu não posso. — Você já não consegue se afastar. Ela é nossa. Sempre foi. Meu coração batia como se tentasse escapar do peito. Por um segundo, imaginei abrir a porta, cruzar a distância e ver aqueles olhos castanhos outra vez. Imaginar não era suficiente. Eu queria. Eu precisava. Mas a razão me puxava de volta. Eu jamais poderia assumir uma humana como companheira. Jamais. Nenhum bando aceitaria. O conselho me esmagaria por fraqueza. Eu era o alfa de um império, herdeiro de uma linhagem que não tolerava erros. E nada, absolutamente nada, seria visto como erro maior do que amar uma humana. Zurkn rosnou. — Você mente para si mesmo. Não é o conselho que teme. É admitir que precisa dela. A respiração falhou, e precisei afastar-me da porta antes que fosse tarde demais. Se entrasse agora, não sairia inteiro. POV Alice Ela virou o rosto no travesseiro, tentando afastar o perfume que parecia impregnado no ar. Mas não conseguia. O cheiro de morangos a acalmava e agitava ao mesmo tempo. Era como se algo adormecido dentro dela tivesse despertado. Será que ainda era efeito da droga? Ou estaria enlouquecendo? — Liandra… — chamou em voz baixa. — Você nunca sente que… que tem alguém por perto, mesmo quando não vê ninguém? A guerreira fitou-a com olhos atentos, mas não respondeu. Alice suspirou, frustrada. Não sabia explicar. Só sabia que, desde a boate, algo mudara. E o mais estranho era a sensação de que, onde quer que estivesse, esse alguém a encontraria. Enquanto isso – Chicago — O que você quer dizer com “voou para Phoenix”? — Luiz, pai de Felipe, ergueu a voz no salão repleto de empresários. A reunião que deveria ser um almoço elegante com o Alfa Augusto agora era um teatro de vergonha. O Beta André manteve a calma, mas o suor denunciava sua tensão. — Alfa Felipe teve um compromisso de última hora. — Um compromisso de última hora? — Luiz repetiu, incrédulo, as mãos batendo sobre a mesa com força. — Hoje era o almoço com Augusto, André! O almoço! O acordo de noivado seria selado! — Entendo, senhor. Mas ele não pôde adiar. — Não pôde adiar? — o alfa veterano ergueu a voz, fazendo todos os presentes se encolherem. — E o que poderia ser mais urgente que o futuro do próprio bando? O silêncio caiu pesado. André baixou a cabeça. Não ousaria dizer a verdade. Luiz respirou fundo, a raiva estampada no rosto. — Felipe precisa de uma esposa, de uma luna. Não posso olhar nos olhos de Augusto e justificar a ausência do meu filho com desculpas. Você sabe o que isso significa? Ele vai questionar nossa honra. — Alfa… — André começou, mas se calou quando Luiz o fuzilou com os olhos. — Se Felipe acha que pode governar sozinho, está enganado. — a voz dele saiu como um rugido baixo. — Se não assumir sua responsabilidade, eu mesmo tomarei providências. POV Felipe Dirigindo pelas ruas iluminadas de Phoenix, eu lutava contra o peso dessas palavras, mesmo sem tê-las ouvido. Eu sabia o que meu pai planejava. Sabia o quanto Augusto pressionava por uma aliança. Mas nada disso importava quando o cheiro dela ainda impregnava meus pulmões. Baunilha com chuva de verão. O aroma que estava me destruindo por dentro. Não havia mais como negar. Alice não era apenas uma humana qualquer. Alice era minha. E esse era o segredo que eu teria de carregar, mesmo que isso custasse tudo.