“Promessa não paga aluguel do medo.” — Anotação de R.
[Flashback de Renata ...]
Os dias viraram.
Não rotina. Virar é diferente. Rotina se repete. Virar apenas acontece, como página que o vento leva sem pedir licença.
Acordar. Cortina. Luz entrando pela fresta como invasora educada.
A cidade lá fora tinha ângulo novo — não era vitrine onde me exibiam, não era cativeiro onde me trancavam. Era apenas... cidade. Indiferente. Viva. Alheia a minha presença.
Contava o tempo pelas sombras no prédio da frente. Sombras mentiam menos que relógios. Buzinas lá embaixo marcavam horas que não tinham nome. O caminhão de lixo às quartas era calendário que ninguém me ensinou a ler, mas eu aprendi mesmo assim.
Não tinha documentos. Não tinha carteira. Não tinha sobrenome que fosse meu de verdade.
Tinha um guarda-roupa com meia dúzia de peças neutras — cores que não chamam atenção, tecidos que não fazem barulho — e um pé de jasmim insistindo em viver no parapeito da janela, apesar de tudo, apesar de mim.