“Quando a rua morde, o corpo aprende de novo a soletrar perigo.” — Anotação de R.
A tarde fingiu ser inocente até o último segundo. Eu e Matheo saíamos pela lateral do prédio ― aquela porta que a gente usa quando não quer holofote ― conversando sobre onde jantar, se ele ficaria para dormir, coisas normais de gente que se ama e planeja pequenas felicidades.
Foi quando um motor urrou fora de compasso, em questão de segundos, o carro cinza saltou o meio-fio, mordeu a guia e veio reto na direção dele, como um animal raivoso.
Não era velocidade de quem perdeu o controle ― era trajetória, era mira.
O tempo fez aquele truque cruel de esticar os segundos: vi o copo de água do porteiro virando lente de aumento, o som da rua afundando como se eu estivesse debaixo d'água, e minha voz saindo antes mesmo do meu cérebro processar o perigo:
— Matheo!
Ele virou no reflexo, e Rafael já estava materializado no meu campo de visão esquerdo ― de onde diabos ele tinha saído? ― a mão no ombro do Matheo, pux