O restante da semana passou praticamente como um borrão.
Tentei me concentrar nos assuntos que ainda faltavam para que finalmente os documentos fossem aceitos. O clima em casa não ficou melhor, era como se meu padrasto sentisse que algo estava finalmente dando certo e que em breve estaria longe das garras dele. Ainda estava com medo, mas eu continuava forte, me lembrando do email de aprovação que havia recebido. Minha chance de ouro e que em pouco tempo poderia mudar a minha vida. Por essa oportunidade eu estava continuando mais um pouco. Dois dias desde que eu havia recebido a aprovação para o programa de aupair, e me candidatei para uma família na Espanha. O pai é CEO de uma grande empresa e precisa com urgência de alguém que cuide de sua filha, uma linda garotinha de cinco anos. Eles viram minha ficha ontem a noite e agora só me restava esperar. E enquanto ainda estou no ônibus, aproveito para ligar para a minha prima, minha única confidente. — Marina? — minha voz saiu trêmula, quase um sussurro. — Preciso falar com você. Do outro lado da linha, a voz dela veio firme e acolhedora. — Isa, o que aconteceu? Você parece abalada. Tomei um fôlego fundo e comecei a contar tudo: a aprovação no programa, o convite para a mãe ir junto, a recusa dela por causa da falta de dinheiro, a promessa de segredo. — Eu não sei o que fazer. Tenho medo dele. Ele é imprevisível, e eu não sei até onde ele pode chegar. — Eu imagino, Isa. — ela disse com carinho. — Você é forte, mas não precisa enfrentar isso sozinha. Ela fez uma pausa e, então, perguntou: — Porque você não pede ajuda para a professora que está te apoiando? Não disse que ela conseguiria acelerar o processo? Um alívio enorme invadiu meu peito. — Eu queria muito, mas ela já fez tanto. — Eu sei e por isso não se recusaria novamente, você merece essa chance, não a perca. Senti a esperança voltar a brilhar, ainda que pequena. Talvez, com ajuda, eu conseguisse encontrar uma saída. — Obrigada, prima. Você não sabe o quanto isso significa para mim. — Estamos juntas, Isa. Sempre. Desliguei o telefone e desci do ônibus fazendo o restante do trajeto a pé e alimentando minhas esperanças de que a família Benites me aceitaria. E se eu fosse embora e minha mãe ficasse ali sozinha, sofrendo sem ninguém para protegê-la? E se o padrasto piorasse as coisas? Eu não conseguia imaginar abandoná-la naquele ciclo de dor, mesmo que isso significasse deixar meu sonho escapar pelas mãos. Uma parte de mim queria correr para a Espanha agora mesmo, gritar para o mundo que eu finalmente teria uma chance. Mas outra parte estava paralisada pelo medo, pelo sentimento de culpa que me apertava o peito como uma mão invisível. Será que eu teria coragem suficiente para ir embora? Será que eu conseguiria me afastar de tudo o que conhecia, mesmo sabendo que talvez fosse a única maneira de ser feliz? Fechei os olhos, tentando afastar as dúvidas quando entrei no portão de casa, mas elas vinham com força, insistentes, me dizendo que talvez eu não fosse capaz. Encontrei minha mãe na cozinha, o rosto cansado, mexendo no fogão. Com um misto de medo e esperança, sentei ao lado dela e falei: — Mãe, eu fui aprovada para o programa de au pair na Espanha e estou apenas esperando a resposta da família. Quero que a senhora venha comigo. A gente pode começar uma vida nova, juntas. Ela parou o que fazia e olhou para mim, os olhos marejados. — Isa, eu não tenho dinheiro para isso. Não posso ir. Senti o peito apertar. Ela tinha razão, mas eu não podia desistir. — Eu vou conseguir arrumar um emprego lá. A gente pode economizar juntas. Por favor, mãe. Não quero te deixar aqui. Ela balançou a cabeça, com um sorriso triste. — Eu não posso ir, Isa. Mas prometo que vou guardar esse segredo seu, tá bem? Assenti, tentando conter a tristeza que ameaçava transbordar. Segurei a mão dela com força, querendo protegê-la e me proteger ao mesmo tempo. Na manhã seguinte fui o mais rápido que pudo para a faculdade, na esperança de resolver rapidamente os documentos que faltavam. E depois de algumas horas esperando, eles finalmente estavam certos. Senti um alívio enorme, como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros. Finalmente, eu tinha uma saída. Voltei para casa naquela tarde, com a esperança renovada. Abri a porta do meu quarto e me deparei com uma cena que me congelou a espinha: Meu padrasto estava lá dentro, remexendo nas minhas coisas, como se procurasse algo. — O que você está fazendo no meu quarto? — minha voz saiu mais firme do que eu esperava. Ele se virou, um sorriso cruel nos lábios, e respondeu: — Só conferindo se você não está escondendo algo de mim. Meu coração bateu forte, e eu soube naquele momento que nada seria fácil daqui para frente e antes que pudesse ter qualquer reação, sua mão encontrou meu rosto. O golpe foi forte e direto e tudo o que vi foi a escuridão. E em seguida, desmaiei.