Elara
Não sei por que, mas sempre senti que havia algo maior lá fora. Mesmo na aldeia mais simples, com as casas de madeira cheias de fumaça de lenha, o ar carregado de cheiro de terra e pão recém-assado, eu sentia o mundo pulsando além das fronteiras do que meus olhos podiam ver. Meu nome é Elara, e todos me conhecem como a filha de Daren, um homem simples, trabalhador e honesto, assim como minha mãe era antes de morrer. Sempre vivi rodeada por tarefas e obrigações, e talvez por isso tenha aprendido cedo a carregar o peso do mundo em meus ombros. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, não me sinto cansada ou derrotada. Eu apenas… existo, e faço o que precisa ser feito.
Aquela manhã começou como qualquer outra. O sol ainda engatinhava pelo céu, iluminando a aldeia com tons dourados e suaves, e o cheiro de pão saindo do forno de Maeve me fez acelerar os passos até a casa dela. A moça loira, de olhos claros e sorriso fácil, já estava lá, mexendo as fornadas com a destreza de quem nasceu para isso.
— Bom dia, preguiçosa — ela disse assim que me viu. — Já vai se atrasar para ajudar seu pai.
— Bom dia, Maeve — respondi, fingindo reprovação, mas sorrindo. — Não estou atrasada. Só estou aproveitando o cheiro do pão.
Ela riu e me deu uma cotovelada leve. — Sempre tão dramática, Elara. Vou te dar um pedaço antes que esfrie.
Peguei o pão ainda quente e senti o conforto simples da rotina: o sabor doce da massa, o calor do forno e o cheiro da madeira queimando. Pequenas coisas que, para muitos, seriam insignificantes, mas para mim eram a vida. Maeve sempre foi meu sopro de alegria, uma luz constante nos dias monótonos e duros. Ela tinha o dom de transformar qualquer trabalho pesado em risadas e histórias.
— Então, o que aprontou ontem à noite? — perguntei, mordendo o pão.
Maeve fez um gesto dramático, levando a mão à testa. — Aprontei nada! Só fui conversar com minha avó e acabei rindo tanto que acordei o gato.
Rimos juntas, e o tempo passou rápido entre histórias bobas e lembranças da infância. Era como se o mundo inteiro estivesse confinado dentro da pequena cozinha dela, protegido e seguro. Até que ouvi o primeiro som que fez meu coração acelerar.
Um som estranho atravessou a aldeia, cortando a leveza da manhã: passos firmes sobre a terra batida, precisos, calculados. Não eram passos de um aldeão comum. Havia algo diferente, quase… intenso demais.
— Elara — Maeve murmurou, franzindo a testa. — Você ouviu isso?
— Ouvi — respondi, sem saber direito como descrever a sensação que subia na espinha. — Parece… alguém que não pertence aqui.
Saímos para a rua e vimos, a distância, um cavalo avançando pelo caminho de terra. Montado nele, um homem. Um estranho. Não era como qualquer homem da aldeia: o porte, a postura, até a forma como segurava as rédeas indicavam força e controle. Um mistério. Meu coração acelerou e minhas mãos ficaram frias, como se eu pressentisse que minha vida mudaria naquela manhã.
Ele parou diante da taverna, olhando ao redor. Seus olhos, tão intensos que parecia que enxergavam tudo de uma só vez, se fixaram em mim. Senti meu corpo paralisar. Um calafrio percorreu minha espinha. Ele era alto, musculoso, e os cabelos escuros, um pouco compridos, caiam sobre a testa de forma desordenada, mas mesmo assim pareciam impecáveis. Seu rosto, sério e firme, irradiava uma autoridade natural, e a sensação de que eu deveria me curvar diante dele surgiu, inesperada e inexplicável.
— Quem é ele? — Maeve sussurrou, claramente sentindo o mesmo impacto.
— Não sei — respondi, tentando manter a calma, mas a curiosidade e o medo se misturavam dentro de mim. — Nunca o vi antes.
O homem desmontou do cavalo com uma elegância estranha, cada movimento preciso, controlado. E então ele veio na minha direção, sem pressa, mas com a certeza de que cada passo o aproximava de seu objetivo. Quando finalmente parou diante de mim, pude sentir algo diferente: um calor intenso, quase sufocante, irradiando de sua presença.
— Oi, quem é você? — perguntou, a voz baixa, grave e firme, mas com um tom que me fez tremer.
— Oi, sou Elara filha de Daren.
Ele estudou meu rosto por alguns segundos que pareceram eternos. Eu queria desviar o olhar, mas não consegui. Havia algo nos olhos dele que me prendia, algo que ia além da simples curiosidade. Era como se ele me conhecesse de algum lugar que eu nem imaginava existir.
— Então é você — repetiu, e havia uma certeza, quase um comando, na forma como falou.
Não entendi o que ele quis dizer. — Eu? — perguntei, minha voz vacilando.
Maeve, que estava ao meu lado, deu um passo atrás, segurando meu braço. — Talvez seja melhor você ir… — começou, mas eu a interrompi, sem saber exatamente por quê.
— Espere — disse, e algo na minha própria voz me surpreendeu. — Quem é você?
Ele sorriu, mas não um sorriso comum. Era pequeno, quase imperceptível, mas carregado de força e intenções que eu não compreendia.
— Sou alguém que vai mudar a sua vida — disse, devagar, quase como se cada palavra fosse uma promessa ou um aviso.O vento passou entre nós, trazendo o cheiro do bosque próximo, da terra úmida e do musgo das árvores. Eu queria recuar, mas também queria saber mais. Algo me chamava para ele, algo que eu não podia nomear.
— Por que eu? — perguntei, a curiosidade e o medo se misturando.
Ele deu um passo à frente, tão perto que pude sentir o calor do corpo dele, mas ainda mantendo distância suficiente para não tocar. — Por razões que você ainda não entende. — A voz dele era firme, sem qualquer dúvida. — Mas você vai compreender.
Não consegui falar. Minhas mãos estavam trêmulas, o coração acelerado. Por que aquele homem me deixava assim? Não sabia nada sobre ele, e ainda assim sentia uma conexão que me assustava e me fascinava ao mesmo tempo.
Ele estudou minha expressão por um momento, e depois, sem aviso, virou-se e caminhou em direção à estrada que levava à floresta. Não disse mais nada. Apenas se afastou, deixando um silêncio pesado e eletrizante para trás.
Maeve me segurou pelo braço. — Elara… você está bem?
Assenti, mas mal conseguia falar. — Sim… só… ele… — minha voz quebrou. — Ele é estranho.
— Estranho é pouco — Maeve disse, franzindo o cenho. — Nunca vi ninguém como ele.
Olhei para onde ele tinha desaparecido deixando o cavalo para trás e senti uma estranha mistura de medo e excitação. Algo dentro de mim dizia que minha vida nunca mais seria a mesma. Algo me dizia que eu iria vê-lo de novo. Que de alguma forma, nosso encontro não fora por acaso.
Passei o resto do dia tentando me concentrar nas tarefas comuns: ajudar meu pai no campo, organizar a casa, preparar o jantar. Mas a imagem dele, o som da voz grave, o olhar que parecia atravessar minha alma, não saía da minha mente. Cada sombra parecia lembrá-lo, cada som do bosque parecia ecoar com a presença dele.
Quando finalmente me deitei, com o céu tingido de laranja e violeta pelo pôr do sol, tentei afastar os pensamentos. Mas no silêncio do meu quarto, com a brisa entrando pela janela, não consegui. Fechei os olhos e o vi ali, parado, olhando para mim, imponente e impossível.
E pela primeira vez na vida, senti que algo estava por vir, algo que mudaria tudo. Algo que eu não estava preparada para enfrentar… mas que, de alguma forma, eu queria enfrentar.
Aquela noite foi longa. Cada barulho lá fora me fazia prender a respiração, imaginando se ele estava perto, se voltaria, se… Eu não sabia exatamente o quê. Mas no fundo do meu peito, uma fagulha acendeu-se, um misto de medo e desejo que eu ainda não conseguia nomear. Que homem atrevido, misterioso e encantador.