(POV Selene)
As horas seguintes são um borrão de dor e frustração. O bastão parece mais pesado a cada golpe, e meus músculos ardem como se fossem feitos de fogo. Ronan não alivia, não diminui o ritmo, não tem paciência. Ele só exige. — Mais rápido. — O tom dele é seco, cortante. — Você hesitou. — Eu não hesitei! — retruco, ofegante, limpando o suor da testa com as costas da mão. — Hesitou. — Ele gira o bastão na mão, quase preguiçoso. — E se hesitar na hora errada, morre. Eu aperto os dentes, a raiva se misturando ao cansaço. É como se ele quisesse que eu falhasse. — Talvez eu não queira viver assim! — As palavras escapam antes que eu consiga segurar. — Talvez eu não queira ser isso! O silêncio que se segue é pesado. Ronan me encara, os olhos escuros e frios, mas há algo ali, escondido, que eu não sei decifrar. — Não importa o que você quer. — Ele se aproxima um passo, o olhar fixo no meu. — Isso não vai mudar quem você é. Meu peito se aperta, o calor subindo como uma onda. — Então me ensina a parar — sussurro. — Se eu sou essa coisa, me ensina a controlar. Por um segundo, acho que ele vai dizer algo duro, como sempre. Mas ele só assente, devagar. — Então ouve. E para de pensar. — Ele gira o bastão de novo. — Instinto primeiro. Razão depois. Dorian está encostado na parede, assistindo em silêncio. Ele não interfere, mas sei que está pronto para intervir se algo der errado. O olhar dele é uma presença constante, um lembrete de que cada passo meu está sendo medido. — De novo — Ronan ordena. Eu respiro fundo e avanço. O som dos bastões batendo preenche o ar, cada impacto vibrando pelos meus braços. Tento não pensar, tento só sentir — o peso, o movimento, o momento certo de reagir. Desta vez, consigo acertar. O bastão de madeira b**e no ombro dele com força, e um som seco ecoa pelo depósito. Ele não se move. Só me olha, um meio sorriso quase invisível curvando os lábios. — Melhor. — Ele dá um passo para trás. — Mas ainda lenta. Antes que eu possa responder, um barulho metálico ecoa do lado de fora. Alto. Estranho. Diferente de tudo que já ouvi. Dorian se endireita imediatamente. — Fiquem aqui. — O tom dele é puro comando. Mas Ronan não se mexe. — Eles não teriam coragem de vir tão cedo. — Ele fala baixo, mas o olhar dele está atento, como o de um predador farejando o perigo. O som se repete, mais próximo. Meu coração dispara, e aquela sensação quente começa a borbulhar de novo debaixo da pele. — O que é isso? — minha voz sai baixa, quase um sussurro. Dorian não responde. Ele só caminha até a porta, o corpo inteiro em tensão. Então, tudo acontece rápido demais. A porta explode para dentro, e três figuras atravessam o limiar. Não são humanos. O cheiro chega antes da visão: ferro, terra, e algo podre, como carne velha. Ronan se coloca na frente antes que eu consiga reagir, o bastão trocado por lâminas que não sei de onde vieram. Dorian é um borrão ao lado dele, um movimento rápido e preciso. Eu fico congelada. O calor, o rugido, tudo volta. — Selene! — Dorian grita, e o som do meu nome me arranca do transe. — Instinto, agora! Eu respiro. Uma vez. E então, deixo vir. O calor explode pelos meus músculos, um rio de energia correndo sob a pele. O som ao redor diminui, cada batida de coração no depósito se torna clara, cada respiração, cada passo. O primeiro deles avança, rápido demais para um humano. Eu me movo sem pensar, o bastão girando na minha mão como se sempre tivesse estado ali. O impacto contra o rosto dele é seco, e o corpo cai como um saco de areia. O segundo se aproxima por trás, e antes que eu veja, eu sinto. Giro, o bastão corta o ar, e acerta. Ele grita, um som inumano, e cambaleia para trás. Dorian está lá em segundos, terminando o que comecei. O último recua, um rosnado baixo na garganta, os olhos amarelos brilhando como faróis. Ele me encara, e por um segundo sinto algo estranho — como se ele me reconhecesse. — Sai daqui. — A voz de Ronan é um trovão, e o inimigo desaparece na mesma velocidade com que chegou. O silêncio volta, pesado, denso. Meu peito sobe e desce rápido demais, e o bastão escorrega das minhas mãos. Dorian está ao meu lado em um instante, as mãos firmes segurando meus ombros. — Olha para mim — ele diz, os olhos escuros como a noite. — Você está bem. — Eu... — Minha voz falha, a adrenalina drenando do corpo. — Eu não sei se estou. — Está. — Ele segura meu olhar, e por um instante tudo some: o cheiro de sangue, o som da batalha, o medo. Só ele. — Você conseguiu. Ronan se aproxima, limpo como se nada tivesse acontecido, mas os olhos dele me analisam de cima a baixo. — Melhor do que eu esperava — ele admite, seco. — Mas não se engane. Eles só estavam testando você. — Testando? — repito, a raiva subindo com o cansaço. — Quem são eles? Dorian não responde. Ronan também não. O silêncio deles é mais perturbador do que qualquer ameaça. Caelan surge no corredor, um sorriso preguiçoso nos lábios. — Bem-vinda ao jogo, princesa — ele diz, como se nada tivesse acontecido. — Agora todo mundo sabe que você está pronta para brincar. Eu quero gritar, quero fugir, quero qualquer coisa que não seja ficar aqui. Mas, no fundo, algo em mim... gosta. Gosta da força. Gosta do controle. E isso me assusta mais do que qualquer inimigo.