Início / Lobisomem / A Lua dos Exilados / Capítulo 6 — Marcas e Mentiras
Capítulo 6 — Marcas e Mentiras

(POV Selene)

O silêncio que vem depois é pior que o caos.

Não tem tiros, não tem gritos, só o som da minha respiração descompassada e o eco distante dos passos de Ronan no corredor.

A sala parece menor agora, como se as paredes tivessem se fechado sobre mim. O cheiro de sangue e pólvora ainda está no ar, pesado, grudando na pele, na roupa, nos meus ossos.

Minhas mãos ainda tremem quando olho para elas. Sangue. Meu e deles, misturados. Um arrepio sobe pela minha espinha e a náusea me atinge como uma onda. Eu me viro, cambaleando até uma das caixas no canto, e apoio as mãos ali antes que minhas pernas cedam.

— Respira — a voz de Dorian está atrás de mim, firme, mas mais baixa, quase... controlada. — Vai passar.

— Passar? — Minha voz sai trêmula, arranhada. — Eu... eu quase matei alguém.

— Não “quase”. — Ele se aproxima, e eu sinto antes mesmo de ouvir seus passos. — Você matou.

As palavras caem como um peso no meu peito. Ele não diz com raiva. Nem com orgulho. Só com a frieza de quem aceita o inevitável.

Eu fecho os olhos com força, tentando afastar a lembrança do corpo voando, dos olhos arregalados, do som surdo da queda.

— Eu não queria... — Minha voz falha. — Eu não queria machucar ninguém.

— Eles teriam matado você sem pensar duas vezes. — O tom dele é duro, mas não cruel. — Aqui não tem espaço para querer ou não querer, Selene. Tem espaço para sobreviver.

— E isso é viver? — Pergunto, me virando de repente, a raiva vencendo o medo por um instante. — Matar antes que me matem?

Ele me encara, os olhos escuros, carregados de algo que não sei nomear.

— Às vezes, é a única escolha. — Ele dá um passo à frente, e eu sinto a pressão do corpo dele antes mesmo de perceber que parei de respirar. — E você não está pronta para entender isso... ainda.

O “ainda” me prende mais do que devia.

Ronan reaparece na porta, o olhar frio como sempre. Ele me observa por um segundo longo demais antes de falar:

— Os corpos foram retirados. Mas não vai demorar até que os outros saibam.

Dorian não desvia o olhar de mim quando responde:

— Que venham.

— Não é um desafio, Dorian. — O tom de Ronan é cortante. — Você sabe o que significa. Ela está marcada agora. Todos vão sentir.

Marcada. A palavra gruda como veneno.

— Do que ele está falando? — Minha voz quebra o silêncio, alta demais para o que sinto por dentro. — O que significa “marcada”?

Dorian finalmente se afasta um passo, como se desse espaço para a pergunta.

— Seu sangue acordou. — Ele não se enrola, não adoça a verdade. — E quando isso acontece, não dá para voltar atrás.

— Meu... sangue? — Repito, como se a palavra fosse estranha na minha boca. — Isso não faz sentido.

— Faz. — Ronan cruza os braços, encostado no batente da porta, com aquele olhar analítico que me fere mais do que qualquer palavra. — Você é uma de nós. Sempre foi. Só estava adormecida.

— Uma de vocês? — A raiva volta, um calor ácido subindo pelo meu peito. — Eu não sou nada de vocês. Eu sou só... eu.

Caelan entra devagar, com aquele sorriso irritante que nunca alcança os olhos.

— Você acha mesmo que é “só você”? — Ele ri, um som leve, quase zombeteiro. — Querida, você é a tempestade que eles temem desde que nasceu.

— Cala a boca, Caelan. — Dorian não levanta a voz, mas o aviso está ali.

Caelan ergue as mãos em rendição, mas o sorriso continua.

— Só estou falando a verdade. — Ele se inclina contra a parede, os olhos claros brilhando como lâminas. — Ela precisa ouvir, Dorian. Você não pode protegê-la da verdade para sempre.

A cabeça começa a latejar. É muita informação, muita coisa que não faz sentido. Sangue, marcas, despertar, como se minha vida inteira fosse uma mentira e eu só tivesse descobrindo agora.

— Eu quero ir embora. — As palavras saem antes que eu possa controlar. — Eu quero a minha vida de volta.

— Não existe mais “vida de volta”. — Ronan fala antes que Dorian possa responder. — O que você era... morreu aqui hoje.

As pernas falham, e eu desabo na cadeira mais próxima.

Por um instante, ninguém diz nada. O silêncio é tão pesado que quase me afoga.

Então, Dorian se aproxima, devagar. Ele se ajoelha à minha frente, e os olhos, tão escuros, me seguram no lugar.

— Eu sei que dói. — A voz dele é baixa, quase um segredo. — Mas você vai aprender. E quando aprender... ninguém vai poder tocar em você.

— Eu não quero aprender — sussurro, mas é uma mentira que até eu escuto.

Ele sabe. Eu vejo nos olhos dele que sabe.

Ronan suspira, o som áspero como pedra arrastando no chão.

— Vamos precisar treinar ela antes que os outros clãs sintam o cheiro e venham atrás.

— Eu cuido disso. — Dorian se levanta, a voz cheia de um peso que parece definitivo.

— Claro que cuida. — Caelan sorri, venenoso. — Sempre cuidando das coisas que acha que são dele.

O olhar que Dorian lança para ele é uma promessa silenciosa de violência.

Eu não entendo nada, mas sinto o perigo nas entrelinhas.

E, mesmo assim, uma parte de mim — a parte que agora pulsa com força no meu peito — sabe que está exatamente onde deveria estar.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App