(POV Selene)
O som é um rugido dentro da minha cabeça.
Meu corpo inteiro pulsa como se quisesse explodir, e tudo ao meu redor parece mais nítido, mais vivo, mais perigoso.
O cheiro de pólvora e sangue me atinge como uma onda. Consigo sentir o suor dos homens armados, o medo deles, a adrenalina correndo como um rio por suas veias. Consigo ouvir os passos do inimigo antes que toquem o chão, a respiração acelerada, o dedo nervoso prestes a apertar o gatilho.
E, no meio do caos, Dorian está lá.
Ele não fala, não precisa. O olhar dele é uma âncora, segurando o que quer que esteja rasgando por dentro de mim.
— Respira — ele repete, mais baixo, quase um sussurro.
Eu respiro, e algo dentro de mim... quebra.
O rugido que estava preso na minha garganta explode, e o mundo inteiro para por um segundo.
O primeiro caçador cai com um som seco, o corpo dele sendo lançado contra a parede como se fosse feito de nada. Não sei se fui eu. Não quero saber. Mas o sangue quente no ar me diz que sim.
— Merda — Caelan murmura, um sorriso torto nos lábios. — Ela é ainda mais forte do que eu pensava.
— Cala a boca. — A voz de Dorian é uma lâmina cortando o ar, tão afiada que até Caelan se cala.
Ronan não diz nada. Ele só me observa, os olhos estreitos, analisando cada movimento, como se estivesse catalogando cada detalhe do que estou me tornando. Ele não parece surpreso — parece... preparado.
Outro caçador avança, rápido demais para um humano. Ele ergue a arma, mira em Dorian, mas antes que o tiro dispare, estou lá. Não lembro de correr. Não lembro de pensar. Só sei que o metal frio está sob meus dedos, que o homem está no chão, e que a arma agora está partida ao meio, como se nunca tivesse sido nada.
Meu peito sobe e desce rápido demais. O coração parece querer rasgar minhas costelas. O calor é tanto que me sinto queimando de dentro para fora.
Dorian se aproxima devagar, como se eu fosse um animal selvagem prestes a atacar. Cada passo dele é medido, contido.
— Olha para mim, Selene. — Ele está perto, perto demais, mas não me toca. — É só instinto. Você controla.
— Eu... — Minha voz sai mais rouca, quase um rosnado. — Eu não sei como parar.
— Eu sei — ele diz, e dessa vez a voz dele não tem pressa. — Confia em mim.
Eu fecho os olhos, tentando me agarrar às palavras dele como se fossem a única coisa que me mantém de pé.
E, aos poucos, o som diminui. O cheiro de sangue se mistura com o de fumaça e terra molhada. O calor que queimava minha pele começa a se acalmar, como se alguém tivesse apagado o incêndio dentro de mim com uma onda gelada.
Quando abro os olhos, minhas mãos estão tremendo. E sujas de sangue.
— Não... — Sinto o estômago virar. — Eu machuquei alguém?
— Eles vieram aqui para matar você — Ronan fala pela primeira vez, a voz grave e sem emoção. — Não tem nada para sentir pena.
Mas tem. Eu sinto. Porque, no fundo, por mais que fossem meus inimigos, ainda eram homens, ainda respiravam.
As pernas não me obedecem, e eu quase caio. Dorian me segura antes que eu toque o chão. O calor dele é sólido, um escudo entre mim e a vertigem.
— Calma — ele diz, a voz baixa demais para os outros ouvirem. — Isso é só o começo.
O jeito como ele fala me dá medo. Medo de mim, medo dele, medo de tudo que está por vir.
Caelan se aproxima, um sorriso debochado no rosto, como se nada daquilo fosse sério.
— Impressionante — ele comenta, os olhos claros brilhando com um interesse que me dá arrepios. — Nenhuma de nós despertou tão rápido assim.
— Caelan — Dorian rosna, e a temperatura da sala parece cair. — Sai.
Ele ergue as mãos, ainda sorrindo, e se afasta devagar, como se estivesse aproveitando cada segundo da tensão que deixa para trás.
Ronan, porém, continua me olhando. O olhar dele é duro, inabalável, como se eu fosse um problema esperando para explodir.
— Ela não está pronta — ele diz, como se eu não estivesse ali, como se eu fosse um objeto a ser analisado. — E isso vai nos custar caro.
— Ela vai aprender — Dorian rebate, sem desviar o olhar de mim.
— Se não morrer antes. — A frase de Ronan é um golpe seco antes de ele sair da sala, deixando um silêncio pesado no ar.
Eu quero dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Mas não consigo. Só fico ali, presa no olhar de Dorian, tentando entender quem eu sou agora.
Ele finalmente me solta, mas não se afasta.
— Vai doer, Selene — ele diz, a voz firme, mas quase suave. — Cada pedaço dessa mudança vai doer. Mas se você confiar em mim, vai sobreviver a ela.
Eu deveria gritar com ele, dizer que não quero nada disso, que não quero ser parte desse mundo. Mas as palavras não saem.
Porque, no fundo, algo em mim sabe que é tarde demais para voltar atrás.