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1: Um Pai Que Não Pedi para Ser

Um Mês Depois

Eduardo Ferraz

O silêncio me sufoca.

Ele não é um silêncio qualquer. É denso. Pesado. Mortal.

Ecoa em cada canto desta casa enorme, agora vazia, fria, sem cor. O mesmo lugar onde ela ria alto, onde planejava decorar o quarto do bebê com ursinhos e quadrinhos delicados, onde jurou que nossa vida mudaria para melhor. Mudou. Só que para pior.

Isabella morreu há um mês. Um maldito mês.

Toda manhã é igual. Acordo cedo, visto o mesmo terno escuro, ajeito a gravata com mãos trêmulas, olho para o berço vazio no quarto ao lado e fecho a porta. Não porque me esqueci que ele está lá dentro. Mas porque ainda não consigo encarar o bebê que me tirou o amor da minha vida.

É cruel pensar assim. Eu sei. Mas é como me sinto.

— Senhor Ferraz, o bebê está chorando de novo — avisa Marlene, a governanta, com os olhos carregados de pena. — A babá pediu demissão hoje de manhã. Disse que o senhor não quer segui-la nas orientações e que isso está afetando a rotina do menino.

O menino. Meu filho. Aquele que chora o tempo todo, que me olha com olhos enormes e inocentes como se estivesse me pedindo algo que não sei como dar.

— Suba lá e veja o que pode ser, então — respondo, seco, sem tirar os olhos da tela do notebook.

Marlene hesita, mas obedece. Ela é a única que ainda resiste nessa casa. A última leal à família Ferraz. Não por afeto, mas por dever.

Volto ao trabalho como se fosse a única tábua de salvação. Mergulho em relatórios, em fusões de empresas, em estratégias de expansão internacional. Na mesa ao lado, uma mamadeira vazia repousa como lembrete de que minha vida mudou para sempre. E não do jeito que eu esperava.

Isabela sonhava com esse bebê. Já tinha escolhido o nome: Enzo. Não me consultou. Apenas decidiu. E eu aceitei, porque tudo que ela queria, eu dava um jeito de fazer acontecer. Menos salvá-la.

Meu celular vibra. É uma mensagem de Cláudia, minha cunhada. Não abro. Não quero condolências, visitas ou conselhos de ninguém. O luto, descobri, é um buraco onde a gente afunda sozinho.

À noite, sento no sofá da sala e encaro o retrato de Isabella. A moldura dourada parece brilhar no escuro. Ela sorri naquela foto. Grávida de sete meses, com a mão sobre a barriga, como se já soubesse que não estaria aqui para conhecer o filho.

E eu? Eu estou aqui, respirando, funcionando, mas quebrado por dentro. Sem nenhuma expectativa de que algo mude na minha vida.

***🩵***

Na manhã seguinte, Marlene entra no escritório com uma prancheta e expressão séria.

— Com todo respeito, senhor Ferraz, o senhor precisa contratar outra babá. O bebê está com cólica, chora muito, e nenhum de nós tem preparo para lidar com isso por conta própria. E...

Ela faz uma pausa. Baixa os olhos.

— E ele sente falta de colo. De carinho.

Sinto um nó no estômago. Detesto a forma como ela fala. Como se eu fosse um monstro por não querer tocar no meu próprio filho.

— Publique um anúncio. Mande chamar uma agência. Faça o que for preciso — murmuro, exausto.

— Já fiz. Marquei entrevistas com algumas candidatas para hoje à tarde. A primeira chega em uma hora.

Assinto com a cabeça, sem dizer mais nada. Afinal, eu não tinha uma solução para o caos que a minha vida se encontrava, imagina solucionar o problema de um filho que eu sequer conseguia olhar.

Parece monstruoso, mas estou perdido. Sem saída. Sem expectativa. Sem vida. Portanto, como oferecer algo para um bebê que eu sequer possuo?

"Céus! A minha vida tornou-se um inferno, e eu não sei como sair desse buraco sem fundo que meus dias se tornaram."

Uma hora depois, a campainha toca.

Estou sentado à mesa da sala de estar, de frente para a primeira candidata. Vinte e tantos anos, muito falante, salto alto e perfume doce demais. Fala como se fosse vender um curso de maternidade. Eu mal escuto. Ao final da entrevista, agradeço e a dispenso com um “entramos em contato”.

As outras três seguem o mesmo padrão. Currículos impecáveis, sorrisos forçados, linguagem treinada. Não quero alguém para cumprir tabela. Quero alguém que... que saiba olhar para aquele bebê sem culpa. E que possa oferecer algo que eu como pai deveria dar: afeto.

E então, quando já penso em desistir de tudo, Sofia entra.

Ela não tem o perfil das outras. Veste jeans e uma camisa branca simples. O cabelo está preso num coque bagunçado. Não carrega uma pasta cheia de diplomas, nem fala com entusiasmo forçado. Mas assim que senta na minha frente, me encara de forma direta, firme. Sem pena. Sem bajulação.

— Por que está aqui? — pergunto, direto.

— Porque eu preciso do trabalho. E acho que posso ajudar.

— Tem experiência com bebês?

— Tenho mais experiência com dor do que com fraldas. Mas aprendo rápido.

Minha sobrancelha se ergue. Aquilo me intriga.

— Isso não é uma resposta comum para uma entrevista.

— Nem a sua vaga é comum, senhor Ferraz. Eu pesquisei sobre o senhor. Sei o que aconteceu. Não estou aqui por pena. Estou aqui porque acredito que esse bebê precisa de alguém que olhe para ele como um ser humano, não como um fantasma.

O impacto das palavras dela me atinge em cheio.

Sofia permanece com o olhar firme. Não se abala com meu silêncio.

— Eu cuido dele. Dou banho, mamadeira, carinho, tudo que for preciso. Só preciso de um teto e um salário justo. E uma coisa em troca — ela diz.

— O quê?

— Que o senhor não me impeça de fazer o que ele precisa: colo, afeto, presença. Se quiser continuar distante, é sua escolha. Mas não me atrapalhe.

É a única que ousa me desafiar. A única que fala como se realmente estivesse preocupada com ele — o bebê. Não comigo. Não com a mansão. Não com o sobrenome Ferraz.

Não sei o que me dá. Talvez cansaço. Talvez alívio. Mas aceno com a cabeça.

— Está contratada.

Ela não sorri. Apenas se levanta e diz:

— Obrigada. Vou começar agora.

Enquanto sobe as escadas, escuto a voz suave dela chamando o bebê pelo nome. Enzo. Pela primeira vez, o nome não soa como uma sentença.

Fico parado ali por longos minutos, sentindo uma coisa estranha dentro de mim.

Talvez... esperança.

Ou talvez só o começo de algo que eu ainda não consigo entender.

Mas sei que, de algum jeito, minha vida está prestes a mudar mais uma vez.

E não tenho ideia do que isso significa. Mas a sensação de que nada será como antes preenche os meus pensamentos, e talvez, essa seja a tampa que faltava para fechar o buraco sem fundo que se encontrava a minha vida desde que Isabella se foi.

A única questão é: Será que estou pronto?

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