O silêncio da casa parecia pesado demais, quase físico, como se cada móvel, cada parede, lembrasse Helena de que Daniel não estava mais ali. Mas, diferente do primeiro capítulo, onde o luto a consumia em silêncio absoluto, agora havia algo mais: uma inquietação crescente, uma necessidade quase desesperada de entender a extensão da vida dupla do marido. Cada documento que ela havia encontrado na gaveta secreta no dia anterior ainda queimava em suas mãos, pulsando como uma ferida aberta.
Helena sentou-se na mesa do escritório, rodeada por papéis, fotos e cadernos. O coração batia acelerado, e uma sensação de perigo percorria sua espinha. A mente girava, tentando montar o quebra-cabeça que Daniel havia deixado. Ela precisava organizar as informações. Primeiro, os nomes das mulheres: Carly, Marina e outras desconhecidas. Depois, os locais e datas dos encontros. Finalmente, os documentos financeiros suspeitos, as cartas enigmáticas, as fotos com pessoas estranhas. Tudo apontava para algo maior, algo que ela ainda não conseguia compreender totalmente.
Pegou o caderno com os nomes das mulheres e começou a pesquisar discretamente. Cada detalhe parecia uma pista em um labirinto que ela não queria percorrer, mas era obrigada a seguir. Carly, por exemplo, era uma mulher que Helena conhecia vagamente do trabalho de Daniel. Agora entendia porque Daniel nunca mencionara o nome dela: havia encontros secretos e mensagens trocadas às escondidas, planejadas com precisão cirúrgica.
As lágrimas vinham, mas agora misturadas com raiva. Raiva por ter sido enganada, raiva por confiar em um homem que, aparentemente, sabia mentir com perfeição. Mas a raiva era também combustível. Ela precisava ir mais fundo. Abriu uma pasta com fotos e documentos e começou a analisar cada imagem. Daniel em hotéis, documentos que não batiam com suas rotinas conhecidas, bilhetes codificados. Havia algo de perigoso em cada detalhe. Ele não apenas traía; ele planejava, manipulava e escondia segredos que poderiam colocar qualquer pessoa em risco.
Um envelope em particular chamou sua atenção. Marcado apenas com a letra “A.”, continha cartas e bilhetes com mensagens veladas e instruções codificadas. Helena passou horas tentando decifrá-las. Algumas pareciam ordens ou chantagens, outras apenas registros de encontros misteriosos. O frio percorreu sua espinha: Daniel não estava apenas escondendo amantes; ele estava envolvido em algo que podia ser ilegal, ou pelo menos extremamente perigoso.
Enquanto folheava os papéis, Helena percebeu que havia detalhes sobre pessoas próximas a ela. Amigos, vizinhos, colegas de trabalho — todos anotados com horários, rotinas, informações pessoais. Daniel documentava todos como se fossem peças de um tabuleiro, controlando os movimentos sem que ninguém suspeitasse. A sensação de violação era intensa. Ela não apenas havia sido traída emocionalmente; agora percebia que a pessoa que amava tinha uma dimensão manipuladora que ela jamais imaginara.
A noite chegou e trouxe consigo a pior parte: o silêncio absoluto. Helena, ainda sentada no chão do escritório, cercada pelos segredos de Daniel, sentiu a primeira onda de medo verdadeiro. Quem mais poderia estar envolvido? Quem eram aquelas pessoas mencionadas nas cartas codificadas? E, principalmente, até onde ia a verdadeira extensão das ações dele?
Ela pegou o telefone e, com mãos trêmulas, começou a buscar informações. Cada pesquisa, cada ligação, era como caminhar sobre gelo fino: a cada passo, a possibilidade de algo ruim acontecer parecia mais próxima. Helena sabia que, mesmo morta, a vida de Daniel deixava rastros perigosos, e ela precisava seguir cada um deles.
Enquanto organizava fotos, documentos e cadernos, Helena começou a perceber padrões. Havia datas que se repetiam, lugares que apareciam mais de uma vez, encontros marcados com extrema precisão. Daniel tinha um sistema, um planejamento detalhado que demonstrava controle absoluto. Cada mentira contada a Helena era apenas parte de uma fachada, cuidadosamente construída para que ninguém desconfiasse de sua vida paralela.
O peso do luto misturado à descoberta da traição e dos segredos começou a pressionar sua mente. Ela sentia que cada passo a aproximava de uma verdade que poderia destruí-la, mas, ao mesmo tempo, não conseguir parar. Cada novo papel lido aumentava o choque e a sensação de traição. A mulher que confiara cegamente estava desaparecendo, dando lugar a alguém alerta, desconfiada e determinada a descobrir a verdade completa.
Por horas, Helena examinou as fotos. Em algumas, Daniel parecia participar de reuniões com homens desconhecidos, em lugares isolados, com expressões tensas e olhares calculistas. As imagens transmitiam uma frieza que ela jamais havia visto no marido. Cada foto era uma prova de que Daniel não era apenas infiel; ele escondia uma vida paralela de manipulação, chantagem e possivelmente crimes.
Quando encontrou um pequeno gravador antigo entre os papéis, seu coração disparou. Ela ligou o aparelho, e vozes começaram a surgir, conversas gravadas que ela jamais imaginaria ouvir. Homens falando sobre dinheiro, encontros secretos, instruções para evitar suspeitas. A frieza nas vozes, a precisão nos planos, deixou Helena atônita. Daniel havia deixado rastros de sua vida oculta, e ela estava sozinha para lidar com eles.
No meio da noite, exausta, Helena recostou-se na parede do escritório. A mente estava em turbilhão, o corpo cansado, mas os pensamentos não paravam. Ela sabia que não podia ignorar nada. Cada papel, cada foto, cada bilhete codificado era um fragmento da verdade que precisava ser descoberto. Mas a verdade vinha com um preço: a dor de perceber que a pessoa que ela amava nunca havia sido totalmente real.
O luto, que antes era apenas tristeza, agora se misturava com raiva, medo e uma determinação silenciosa. Helena entendeu que a vida de Daniel havia sido construída sobre segredos e mentiras, e que ela não podia voltar atrás. A mulher que amava e confiava cegamente tinha morrido, e no lugar dela restava alguém marcado pelo luto, pela traição e pela necessidade de enfrentar toda a verdade.
Quando finalmente olhou para a pilha de papéis diante de si, Helena respirou fundo. Sabia que os próximos passos seriam perigosos, mas também inevitáveis. Descobrir os segredos de Daniel não era apenas uma questão de curiosidade: era uma questão de sobrevivência emocional, de compreender a extensão da vida dupla dele e, talvez, encontrar respostas para o vazio que ele deixara.
No silêncio da casa, a madrugada avançava, e Helena se manteve ali, imersa em documentos, fotos e bilhetes, começando a compreender que a vida que conhecera até então era apenas uma fachada cuidadosamente construída. O homem que amava havia partido, mas os segredos que deixara para trás a mantinham presa em um labirinto de dor, medo e revelações. E naquele momento, Helena percebeu que nada mais seria igual: ela não era mais apenas uma viúva. Agora era uma mulher determinada a enfrentar a verdade, não importando quão obscura ou perigosa ela fosse.