Salvatore
Meu nome pesa. Na Sicília, poucos têm coragem de sussurrá-lo — e os que ousam, o fazem com respeito ou medo. Tanto faz. Para mim, é tudo controle.
Sou Salvatore Mancini. Filho de um homem cruel e de uma mulher que sabia se vender com um sorriso. Cresci entre gritos, joias falsas e whisky barato. O amor, se um dia existiu, não passou do corredor da casa em que nasci.
Meu pai foi meu primeiro inferno. O tipo de homem que gritava com o cachorro por respirar alto. Batia por esporte. Engolia o mundo com a boca suja e os punhos cerrados. Me ensinou que emoção é fraqueza, que homens de verdade sangram por dentro e mandam calar o mundo ao redor. Morreu cedo, e cedo demais foi tarde.
Minha mãe? Uma boneca quebrada que se perfumava para os amigos dele. Sempre maquiada, sempre sorrindo. A única coisa verdadeira nela era o vazio dos olhos. Eu a vi se despir de orgulho aos poucos, como quem vende a alma em prestações.
Cresci entre sombras. E decidi dominar a noite.
Construí meu império com silêncio e punhos fechados. Fiz negócios com homens que tremem ao som do meu nome. Faço o que quero. Tomo o que é meu. O mundo é uma guerra, e eu nunca perdi uma batalha.
Cresci entre sombras. E decidi dominar a noite.
Não esperei o destino me dar um trono — tomei o meu. Com sangue, silêncio e estratégia. Comecei dentro de casa, como todo bom império que nasce da ruína.
Matei meu pai numa noite em que ele não esperava. Um copo de vinho batizado, um infarto discreto, e pronto: o tirano caiu como o cão velho que era. Chorei? Não. Fiquei ali, observando o corpo dele no chão da cozinha, enquanto a garrafa rolava até parar nos meus pés.
Minha mãe durou mais um tempo. Não precisei matá-la com as mãos. Ela mesma se matou aos poucos, como fazia desde sempre. Quando a encontrei sem vida, cercada de comprimidos e perfume forte, só fechei a porta. Não derramei uma lágrima. A única coisa que pensei foi: pelo menos não vai se vender mais pra ninguém.
Foi Giovanni quem me ajudou a enterrar o passado — literalmente. Meu amigo de infância, meu cão de guerra, meu espelho quebrado. Ele viu tudo, soube de tudo, e ainda assim ficou. Porque Giovanni sabia o que viria depois.
A gente cresceu em becos diferentes, mas com as mesmas feridas. Ele comia vidro nos olhos e cuspia fogo quando alguém ousava encostar em mim. Fiel como uma sombra. Leal como um pecado antigo. E juntos, começamos do zero. Tráfico, proteção, chantagem. De Palermo até Milão, meu nome virou sinônimo de ordem. E o caos se curvava diante de mim.
Hoje, sou o Don.
O rei oculto da máfia italiana.
Não preciso levantar a voz. Um olhar basta. Não ando com multidões — ando com o silêncio. E onde eu passo, o ar pesa.
Mas o poder, por maior que seja, não preenche. Ele domina. Silencia. Controla. Mas nunca satisfaz.
É por isso que estou aqui hoje. Porque até a pureza pode ser comprada. E porque mesmo um homem cheio de tudo, às vezes, quer a única coisa que nunca teve.
Inocência.
Os outros homens ao meu redor falavam baixo, comentando como urubus cercando um banquete. Whisky nas mãos, olhos lascivos. Mas eu não vim para observar. Eu vim para tomar.
As luzes mudaram. O palco se esvaziou, uma a uma foi sendo levada, vendida, entregue a outros bolsos e vontades.
Até que sobrou ela.
A virgem.
A joia rara da noite.
Estava no centro do palco, com os ombros erguidos à força, mas os olhos gritavam. Não era provocante. Não era atrevida. Era trágica — e ainda assim, deslumbrante. Uma rosa sangrando por dentro.
A pele pálida refletia a luz como porcelana, o vestido abraçava suas curvas com crueldade, os saltos altos forçavam sua postura como um castigo antigo. Mas havia algo nos olhos dela… uma súplica muda, uma resistência que ainda não tinham quebrado. Era isso que me atraiu.
O leiloeiro se aproximou do microfone, a voz grave ensaiada:
— Senhores... o momento mais aguardado da noite. Temos aqui um verdadeiro tesouro. Virgindade certificada, beleza inquestionável, e apenas dezoito anos. Uma flor não tocada pelo mundo. A partir de cinquenta mil euros.
Ela respirou fundo, os olhos tentando encontrar algum lugar seguro, mas não havia. Não ali. Não comigo na sala.
— Cinquenta mil — disse alguém à minha esquerda.
— Sessenta! — outro respondeu, rindo.
— Oitenta mil!
A voz do leiloeiro se animava como um cão farejando carne fresca. Mas eu não jogava.
— Duzentos mil — falei, em voz firme. Não gritei. Não precisei.
Silêncio.
O salão inteiro calou. A tensão se espalhou como fogo. O leiloeiro hesitou, engoliu seco. A bambina me olhou — direto. Foi um segundo. Mas foi o suficiente.
Pude ver.
Ela sabia.
Sabia que, naquele momento, já era minha.
— Duzentos mil euros, senhores... — O leiloeiro pigarreou.
Por um instante, achei que seria o fim.
Mas então, da lateral direita, um homem de paletó bege se inclinou para frente, o cabelo grisalho penteado com arrogância:
— Duzentos e cinquenta mil.
A plateia murmurou. O leiloeiro sorriu como se tivesse ganhado na loteria.
— Temos duzentos e cinquenta mil!
Eu virei o rosto lentamente, encarando o velho. Ele me conhecia — todos ali conheciam. E ainda assim, ousou.
Talvez estivesse entediado com a própria fortuna. Ou talvez quisesse provar alguma coisa. Não importava. Eu não jogava. Eu vencia.
— Trezentos mil — falei, sem tirar os olhos dele.
O silêncio voltou. O leiloeiro parecia ofegar de excitação.
— Trezentos mil! A virgem está quente esta noite, senhores!
O velho hesitou. Mas então outro, mais novo, de terno azul-marinho e olhos famintos, se manifestou:
— Trezentos e vinte mil.
Idiota.
Sorri.
Giovanni se aproximou por trás, sussurrando no meu ouvido:
— Quer que eu os cale?
— Não. Eles vão se calar sozinhos.
Levantei a taça de vinho, bebi devagar e disse:
— Quinhentos mil.
A voz saiu calma. Quase preguiçosa.
A multidão ofegou.
O leiloeiro gaguejou:
— Q-quinhentos mil! Senhores, temos uma nova oferta! Alguém mais?
Ninguém ousou.
O velho de paletó bege olhou para baixo. O jovem do terno azul se recostou na cadeira, derrotado.
A garota estava imóvel no palco. As mãos tremiam levemente. Mas os olhos... ainda não estavam quebrados.
— Vendida! — o leiloeiro declarou. — À mesa do senhor Mancini!
O salão inteiro bateu palmas — não de alegria, mas de alívio.
Eu levantei, ajeitei o paletó, e caminhei até a lateral do palco. A rosa da noite seria colhida. E nenhuma mão, além da minha, tocaria em seus espinhos.