Clara fechou a porta assim que entrou no quarto, como se pudesse barrar o mundo inteiro do lado de fora.
O som seco da madeira ecoou pelo quarto amplo, mas, dentro dela, tudo estava ainda mais barulhento — um trovão de pensamentos, um nó de terror, a sensação de que o chão havia se deslocado alguns centímetros para longe dos seus pés.
Ela respirou fundo, mas o ar parecia não entrar. Seu corpo tremia — de raiva, de medo, de incredulidade.
O que Vinícius faria quando voltasse? A pergunta atravessou sua mente como uma lâmina. Suzana havia descrito um monstro. Um homem perigoso, vingativo, capaz de destruir a própria família. E, pior… capaz de fazer mal aos pais dela. Clara sentiu o estômago virar.
A casa, antes apenas estranha, agora parecia uma armadilha silenciosa — cada canto carregava o eco das palavras que ela acabara de ouvir.
“Ele é perigoso. Vingativo. Não perdoa.”
“Ele tentaria eliminar o próprio irmão.”
“Se descobrir a verdade, não vai poupar ninguém.”
As frases de Suzana se repetiam como um rosário macabro. E Clara, perdida, tentava entender onde terminava a mentira e começava a manipulação.
Será que Vinícius era mesmo assim? Ou Suzana estava criando um inimigo imaginário para mantê-la presa ali dentro? Ou Leonardo… Leonardo… quem ele era, afinal? Ela levou as mãos ao rosto, sentindo o corpo inteiro sacudir.
Estava com medo. Um medo real, primitivo. Mas também estava devastada.
Leonardo a enganou. A usou. E, ainda assim… a voz dele ainda ecoava no peito dela de um jeito confuso e doído.
O quarto, amplo e bonito, parecia diminuir ao redor dela. As paredes se fechando. O chão subindo. O ar ficando mais quente. Ela se sentou na beira da cama, mas imediatamente se levantou, como se não coubesse em si mesma. Caminhou até a janela, depois voltou, depois se encostou na parede — incapaz de organizar os próprios pensamentos. Tudo girava.
O que ela faria quando Vinícius chegasse? Fingir ser esposa dele? Fingir que reconhecia alguém que nunca viu? E se Suzana estiver mentindo? E se o verdadeiro Vinícius for inocente? E se o perigo… estiver ali dentro, com Leonardo e Suzana? O pânico subia como água por baixo da porta.
“Tudo está nas suas mãos.”
“Ele pode machucar sua família.”
“Ele é perigoso.”
Clara pressionou os braços contra o próprio corpo, tentando conter o tremor. Ela precisava fugir. Precisava avisar alguém. Precisava… pensar. Mas o corpo não obedecia. Estava presa entre duas verdades possíveis — e nenhuma delas parecia segura.
E então — TOC. TOC. TOC. Clara fechou os olhos com força. Não agora. Qualquer pessoa, menos ele.
— Quem é? — a voz saiu áspera, mais trêmula do que queria.
Um silêncio curto. Depois, a voz que perfurou sua espinha:
— Sou eu… Clara, por favor. Podemos conversar?
Ela sentiu o estômago despencar. Leonardo. Ou seja lá quem ele realmente fosse.
— Vai embora — disse sem pensar, as palavras cortando o ar. — Não quero te ver. Não agora. Não depois. Não nunca.
— Por favor — a voz dele quebrou um pouco, como se estivesse se segurando. — Me escuta. Só isso.
— Eu já escutei demais! — ela avançou até a porta, como se a proximidade a fortalecesse. — Você destruiu tudo! Me enganou, mentiu, usou meu nome para um casamento falso, para uma guerra que NÃO é minha! O que mais você quer? Me torturar mais um pouco?
Silêncio. Mas ela sabia que ele continuava ali. Sabia pelo jeito que o ar parecia preso atrás da porta, como se ele segurasse a respiração.
— Clara… abre, por favor. Eu não vou tocar em você. Eu só… eu preciso dizer—
— Dizer o quê, Vinícius? — ela travou, riu sem humor e corrigiu, com desprezo: — Ou melhor… Leonardo. Outro pedaço da sua mentira?
Ela ouviu o som da mão dele pousando na porta, do outro lado.
— Não são mentiras — ele murmurou, a voz baixa, ferida. — Pelo menos não tudo. Eu… eu precisava te falar antes. Eu queria. Eu juro que queria. Mas quando percebi… quando percebi que estava me apaixonando por você… ficou ainda mais difícil.
Clara riu — um som curto, devastado, incrédulo.
— Não ouse dizer que me ama — ela sussurrou, sentindo os olhos arderem. — Não ouse manchar isso também.
A maçaneta girou devagar e ela recuou instintivamente. Ele entrou apenas o suficiente para que a porta batesse atrás dele. Não avançou. Não tentou tocá-la. Parecia esculpido em culpa.
— Eu amo você, Clara.
Ela ficou imóvel. Ele continuou, com a voz trincada como vidro:
— Eu me apaixonei por você muito antes de perceber que isso ia me arruinar. Antes de perceber que… que usar seu nome seria a coisa mais nojenta que já fiz.
Clara apertou os lábios até doer.
— Você acha que isso melhora alguma coisa? Você acha que dizer que me ama… vai apagar o fato de que eu só fui uma peça no seu tabuleiro?
Ele fechou os olhos, a expressão destruída.
— Não. Não apaga. Eu sei. Mas eu precisava que você soubesse que… que tudo o que vivi com você foi real. Nada daquilo foi mentira.
— Tudo foi mentira. Até o seu nome.
Leonardo respirou fundo, como quem engole uma lâmina.
— Eu sei que você me odeia agora. E você tem todo o direito. Mas por favor… Clara… não vai embora achando que eu nunca te amei. Porque isso é a única verdade que eu tenho pra te dar.
Ela desviou o rosto, as lágrimas escapando mesmo quando tentou contê-las.
— Sai — disse, finalmente. — Sai antes que eu comece a gritar.
Leonardo hesitou por um segundo. Só um. Depois abriu a porta devagar, sem olhar para trás. E deixou o quarto como quem deixa um pedaço do próprio corpo para trás.