— Então por que fez isso comigo? — perguntou, a voz rachada. — Por que se casou comigo usando o nome dele? Por que me enganou desse jeito? Eu tinha o direito de saber quem você era!
Leonardo passou a mão pelos cabelos escuros, como se quisesse arrancar a própria pele.
— Eu… — foi tudo que conseguiu dizer.
Suzana, impassível, continuou por ele:
— Porque era a única forma de garantir que Vinícius não o destruísse por completo.
E você, Clara… — ela inclinou levemente a cabeça — …se tornou parte dessa proteção.
Clara arregalou os olhos.
— Eu? O que eu tenho a ver com essa guerra?
Suzana respondeu sem hesitar:
— Tudo.
O silêncio caiu sobre o escritório como uma pedra lançada dentro de um poço profundo.
Clara sentiu o chão recuar milímetros sob seus pés.
— Não… não… vocês estão escondendo alguma coisa — ela balbuciou, a respiração curta. — Isso não está certo. Nada disso está certo.
Suzana deu mais um passo em direção a ela.
— Clara.
Leonardo precisava de um casamento para reivindicar parte da herança que Vinícius tentou tomar à força.
E você… você era a única pessoa em quem ele confiava o suficiente para isso não virar um escândalo.
Clara sentiu o estômago revirar violentamente.
— Ele confiava…? — repetiu, incrédula. — Eu não conhecia vocês! Eu nem sabia da existência dessa família!
Suzana não piscou.
— Nem por isso deixou de ser útil.
Clara levou a mão à boca, sufocada.
Leonardo deu um passo à frente, a voz falhando:
— Clara, eu nunca quis te usar. Nunca. Eu… — ele respirou fundo, tentando se recompor — …eu queria te contar tudo antes. Eu devia ter contado. Mas aconteceu tudo tão rápido… o acidente, a chance de você descobrir… e agora, com Vinícius voltando…
Clara empalideceu.
— Voltando… — repetiu num fio de voz. — Então ele… ele está vivo.
Dessa vez, Suzana hesitou.
Um segundo.
Somente um.
Mas Clara percebeu.
— Está — Suzana confirmou afinal. — E isso complica tudo, porque só te chamamos aqui e apresentamos à família porque pensávamos que Vinícius tinha morrido. Ele estava desaparecido há dois dias. Não sei como é possível que ele ainda esteja vivo.
Clara levou a mão ao peito, ofegante.
— O que vocês querem que eu faça agora? — perguntou, a voz falhando. — Ele vai voltar! Ele vai olhar pra mim e… e vai perceber que não me conhece! Como vocês esperam que eu encare isso?
Suzana não se abalou.
— Clara… — disse com calma calculada — primeiro você precisa respirar.
Ninguém está pedindo para você fazer nada agora.
— Não? — Clara arfou. — Então por que estou aqui? O que vocês querem de mim?
Suzana trocou um olhar rápido com Leonardo antes de continuar:
— Recebemos informações do hospital onde Vinícius está internado. Ele bateu a cabeça com força durante a queda. Os médicos disseram que ele… — fez uma pausa leve, estudada — …não voltou totalmente coerente.
Clara arregalou os olhos.
— O que isso significa?
Suzana respirou fundo, como quem escolhe palavras com extremo cuidado.
— Significa que Vinícius pode não se lembrar de tudo imediatamente.
Ainda está confuso. Desorientado.
Clara sentiu o estômago afundar.
— Vocês… estão dizendo que ele perdeu a memória?
Suzana ergueu as mãos, como se minimizasse:
— Não exatamente, você ouviu o que Henrique falou, que ele bateu a cabeça e teve um pequeno traumatismo. Essas situações de trauma podem provocar lapsos, esquecimentos e confusão.
Ele pode não reconhecer pessoas. Pode demorar a… se situar.
Clara sentiu um frio subir pelas costas.
— E o que isso tem a ver comigo? — perguntou, embora já temesse a resposta.
Suzana segurou o olhar dela, firme, incisiva.
— Significa que, quando ele voltar, não vai estranhar que você esteja por perto.
E tampouco vai lembrar imediatamente que jamais se casou com você.
E isso nos dá um tempo para resolvermos a situação.
Clara ficou imóvel.
A frase caiu sobre ela como gelo quebrando.
Leonardo fechou os olhos, visivelmente destruído.
Suzana, por outro lado, parecia satisfeita com a lógica de sua própria construção.
— Clara, essa confusão na memória dele… — ela continuou, suave como veneno — …pode ser a nossa vantagem.
Quando Vinícius chegar, você apenas precisa manter a calma. Ele estará fragilizado, confuso. Não vai questionar de imediato.
E ele vai querer saber como tudo aconteceu. Você pode contar exatamente como as coisas ocorreram entre você e Leonardo. É verdadeiro, é poderoso… ninguém vai desconfiar. Nem mesmo Vinícius.
Clara recuou dois passos, horrorizada.
— Vocês querem que eu minta para um homem machucado?
Que eu me aproveite disso?
Isso é… isso é monstruoso!
Suzana ergueu um sorriso frio.
— Não estamos pedindo nada.
Estamos dizendo que é a única forma de manter você… e todos nós… em segurança.
Incluindo sua família. Ele é perigoso e vingativo. Tudo está nas suas mãos.
Clara levou a mão à boca, tremendo.
Ela deu vários passos para trás, como se sua única âncora tivesse se partido.
— Não… não posso ouvir mais isso… eu preciso sair daqui — murmurou. — Preciso pensar… respirar…
Leonardo tentou alcançá-la.
— Clara, espera. Por favor. Me deixa—
— NÃO! — ela recuou violentamente. — Não chega perto de mim!
Leonardo parou, como se tivesse levado um golpe.
Clara abriu a porta, a mão tremendo de puro pânico.
Antes que saísse, Suzana acrescentou, com uma calma que gelava até o osso:
— Pense o quanto precisar, Clara.
Mas lembre-se: quando Vinícius voltar… ele vai querer entender tudo isso e você precisa está pronta.
Clara saiu do escritório como quem foge de um precipício que se abriu sob seus pés.