Viajar juntos era, na cabeça de Valentina, o teste definitivo de um relacionamento. Mais até do que conhecer a sogra, dividir a coberta no frio ou decidir onde pedir delivery quando os dois estão famintos.
— Tem gente que termina na volta da viagem. — ela avisou a Rafael, enquanto encaixotava seus produtos de skincare num nécessaire rosa-choque. — E tem gente que casa. — ele rebateu, jogando a mochila no sofá com a empolgação de quem estava indo pra Disney. Eles tinham planejado um fim de semana em Visconde de Mauá, uma região turística localizada no alto da Serra da Mantiqueira, na divisa entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ficariam instalados numa pousada charmosa com lareira, trilhas e café da manhã com bolo de fubá. — É só um b**e-volta romântico, sem pressão. — ele disse. — Rafael, nada é “sem pressão” quando a gente viaja com alguém pela primeira vez. Vai ter ronco, vai ter toalha molhada na cama, vai ter você me vendo de touca de cetim. — Touca de cetim é afrodisíaco. — ele piscou. — Você só diz isso porque ainda não viu a versão completa com máscara de argila e pantufa de coelho. — Tô começando a ficar animado. Valentina j**a uma almofada rosa em cima dele, que sorri indo ao encontro dela, segurando a sua cintura e se j**ando em cima da cama. — Vai dar certo. — Rafael dizia carinhoso olhando nos olhos dela. — E se não der? — A gente arruma tudo, e tenta de novo. As palavras de Rafael deixam Valentina emocionada. Em pouco tempo ele conseguiu mexer com alguém que ela imaginava estar perdido: seus sentimentos. Era assustador, mas ao mesmo tempo apaixonante. [...] Na estrada, tudo começou bem. Playlist pronta, salgadinhos divididos, piadas internas rolando soltas. — Se a gente tivesse se conhecido no ensino médio, eu teria me apaixonado por você? — ela perguntou, olhando o mato passar pela janela. — Provavelmente. Eu era péssimo em matemática e teria pedido pra você me ajudar. — Eu odiava matemática. — Então a gente teria reprovado juntos. E aí virado um casal nos estudos de recuperação. Riram. Eram bons em imaginar versões alternativas da própria história. E assim seguiram viagem, felizes e conhecendo um pouco mais a história um do outro. Chegaram na pousada no fim da tarde. A recepção era rústica, com cheiro de lenha e uma senhora simpática chamada Dona Celeste, que ofereceu chá de capim-limão enquanto explicava as regras. — Ah, só um detalhe — disse ela, com um sorriso. — Tivemos um probleminha na reserva. O quarto que vocês pegaram pelo site não está disponível. Vamos colocá-los em outro, bem melhor, sem custo adicional. — Melhor como? — Valentina perguntou, desconfiada. — Com hidromassagem e varanda para a montanha. Mas... — ela hesitou — tem uma cama só. Bem grande, mas única. Valentina e Rafael se entreolharam. Não tinham falado sobre dividir cama ainda. Dormiam juntos de vez em quando, mas aquela era uma viagem. Com outras expectativas. Outras vulnerabilidades. — Tá tudo bem pra você? — ele perguntou, baixinho. — Se você não roncar como um trator, acho que sobrevivo. — Ronco como um gato filhote. — Isso é ronco sim, Rafael. Sem condições para rejeição, ambos concordam em dividir a mesma cama. Seria uma experiência inusitada, e Valentina só desejava que tudo desse certo no final, sem que fosse preciso cometer uma loucura por causa do ronco do motor velho de Rafael. [...] O quarto era realmente lindo. A cama parecia uma ilha, os travesseiros engoliam qualquer tensão, e a varanda dava pra uma vista de tirar o fôlego. Mas o clima logo mudou. Valentina percebeu que havia esquecido sua escova de cabelo. Rafael, por sua vez, derrubou shampoo no chão e quase escorregou tentando limpar. O humor começou a ficar instável. — Não tem como você ser um pouco mais cuidadoso? — ela soltou, tentando organizar a mala. — Desculpa, Val. Foi sem querer, só tentei ajudar. — Mas ajudar não é bagunçar tudo. Você sempre diz “tentei ajudar” quando faz algo errado. — Uau. Isso foi... exagerado. Ela respirou fundo. — Tá. Eu tô sendo um pouco intensa. — Só um pouco? Valentina se virou, sentou-se na beirada da cama e ficou em silêncio. Ela odiava quando as coisas saíam do eixo, especialmente quando a expectativa era de um fim de semana perfeito. Rafael se sentou ao lado dela. — A gente tá cansado da estrada, faminto e dormindo num lugar estranho. É normal estar mais sensível. Mas isso aqui — ele apontou entre eles — vale mais do que essas pequenas irritações. Ela apoiou a cabeça no ombro dele. — Eu tenho mania de querer controlar tudo. É meu jeito de evitar frustrações. — E eu tenho mania de fazer piada até quando não devo. A gente vai errar. O segredo é lembrar que estamos do mesmo lado. Valentina suspira. Sem jeito pede desculpas. Rafael a abraça apertado. Um gesto de quem dizia: "vai ficar tudo bem." E no fundo, era apenas isso que ela queria... Que tudo ficasse bem. [...] À noite, saíram para jantar em um restaurante pequeno e acolhedor, com luz baixa e uma lareira ao fundo. Valentina pediu massa, Rafael foi de truta com amêndoas. — Preciso admitir que você sabe escolher bem os pratos. — ela disse, depois da primeira garfada. — E você é péssima com nomes. Aquele garçom se chama Eron, não Eros. — Poxa, mas olha essa vibe dele... É um cupido disfarçado! Eles riram. O mau humor da tarde parecia distante agora, dissolvido no molho de queijo e nas taças de vinho. Na volta à pousada, decidiram usar a hidromassagem. Colocaram uma playlist calma, acenderam velas e deixaram a água morna aliviar os pesos invisíveis. — A gente briga e faz as pazes rápido — ela comentou, entre bolhas. — Porque tem mais carinho do que ego aqui. Ela o olhou, com o cabelo preso em um coque bagunçado e os olhos semicerrados pelo calor. — Isso é bom, né? — É real. Valentina sorriu. Sentia-se vista, não apenas desejada. E isso, para ela, era novo. Acomodou-se mais perto dele, apoiando a cabeça em seu ombro. — Já posso dizer que sobrevivi à primeira viagem? — Ainda falta dormir. Vai que você descobre que eu falo dormindo. — Ah, Rafael... Eu falo sozinha, rio sozinha, até danço sozinha na madrugada. Você vai precisar de paciência. — Então estamos empatados. Eles sorriem. E selam seus lábios num beijo calmo, apaixonado, mas com um desejo intenso que não conseguiam mais esconder. [...] Na manhã seguinte, tomaram café com vista para a serra. Pão de queijo, suco, bolo de milho, frutas e… olhares cúmplices de uma noite regada a amor, paixão, desejo e entrega. — Eu gosto disso. Da gente sem filtro. — ele disse, segurando sua mão sobre a mesa. — Eu também. Mesmo com escova de dente esquecida, crises no banheiro e pequenas DRs. — Um match nada perfeito? — ele diz com um sorriso nos olhos. — Um match bem imperfeito. Mas com charme. Ele se inclinou e beijou sua testa. — Já posso marcar outra viagem? — Com uma condição. — Qual? — Que a gente leve duas escovas de cabelo e zero expectativas. Eles riram. E então, souberam: talvez tivessem mesmo passado no teste da primeira viagem. Agora só falta saber se acontecerá o mesmo com o que estava por vir. Mas, isso, eles deixariam para alguém bem mais qualificado: o destino.