Faltavam exatamente três dias para o Dia dos Namorados, e Valentina já estava se preparando psicologicamente para a enxurrada de posts com buquês de rosas, jantares à luz de velas e legendas cafonas no I*******m.
Ela respirou fundo, largou o celular no sofá e bufou como quem acabara de carregar uma geladeira nas costas. O problema não era estar solteira. O problema era estar solteira pela primeira vez em cinco anos — e ainda por cima depois de ser trocada por uma mulher que postava frases motivacionais e receitas fit. — Não é possível que eu tenha sido largada por uma mulher que usa “gratidão” como vírgula — murmurou, afundando o rosto no travesseiro. O apartamento estava silencioso, exceto pelo som do ventilador rangendo no canto do quarto. Valentina estava de moletom, com uma máscara de argila no rosto e um pacote de batata chips equilibrado na barriga. Aquela era sua rotina desde que Leandro, o ex, saíra de casa três meses antes com sua air fryer e metade dos talheres. A amiga, Fernanda, dizia que ela precisava “voltar pro jogo”. Valentina dizia que não era uma partida de futebol. Era a vida dela. Um coração partido. E um ego pisoteado por um personal trainer de sorrisinho falso. Mas naquele fim de semana, algo mudou. Enquanto comia cereal direto da caixa, viu um anúncio no celular: “Jantares exclusivos para casais e solteiros! Encontre o seu par no Dia dos Namorados com o aplicativo LoveSpark.” Ela riu. Alto. Quase engasgou com os flocos de milho. — Aplicativo de namoro no Dia dos Namorados? Nem se me pagarem. Corta para: duas horas depois, Valentina estava baixando o aplicativo, criando perfil e tentando escolher entre fotos em que parecia misteriosa, simpática ou “naturalmente desinteressada”, como Fernanda sugerira. Nome: Valentina Idade: 29 Profissão: Analista de marketing Hobbies: Café forte, séries ruins e reclamar da vida Procura por: Alguém que saiba usar vírgula e não tenha medo de compromisso A descrição era sincera demais? Talvez. Mas ela estava cansada de jogar. Queria alguém que não fingisse ser profundo só porque lia Paulo Coelho. Em menos de vinte minutos, ela tinha três matches. Um cara que dizia “se não for pra causar, nem saio de casa”. Um que mandou uma figurinha de um cachorro com coraçãozinho. E o terceiro — Lucas, 32 anos, advogado, amante de vinhos, cachorros e trilhas — parecia promissor. Valentina ficou olhando para a foto dele como se pudesse decifrar sua alma por trás de um blazer e um sorriso branco demais. — Ok, Lucas... Você é bonito demais pra ser real, mas vou fingir que acredito. Conversaram por dois dias. Ele era educado, engraçado na medida certa, e não usava abreviações como “vc” ou “td bem?”. Isso já era um milagre. Na véspera do Dia dos Namorados, ele a convidou para jantar em um restaurante elegante do centro. Valentina hesitou. Era arriscado. E se ele fosse esquisito? E se fosse casado? E se ela mesma surtar e desistir na última hora? Mas ela aceitou. — O que pode dar errado? — perguntou para o espelho enquanto passava batom vermelho. No dia do encontro, o céu estava nublado e o trânsito infernal. Valentina chegou ao restaurante com cinco minutos de atraso, usando um vestido preto justo e salto médio. Nada chamativo demais. Nada casual demais. Ela foi conduzida até uma mesa perto da janela, com uma vista bonita da cidade iluminada. Sentou-se, ajeitou o cabelo e checou o celular. Lucas ainda não tinha chegado. “Trânsito, imagino”, pensou, enquanto bebia o vinho que o garçom trouxe sem ela pedir. Cinco minutos depois, um homem alto, de barba por fazer e cabelo bagunçado entrou no restaurante. Vestia jeans escuros e uma camisa branca com as mangas dobradas. Parou, olhou em volta e veio na direção dela. Valentina sorriu. Era ele. Só podia ser. — Oi! Você é... — ele tenta falar, mas ansiosa Valentina pula a etapa inicial. — Valentina. E você, Lucas, né? Ele fez uma careta confusa. — Lucas? Não... Rafael. Silêncio. Valentina olhou para ele. Depois olhou ao redor, tentando entender. — Espera... Você não é o cara do aplicativo LoveSpark? — LoveSpark? Eu nem sei o que é isso. Ela arregalou os olhos. — Você... não tá aqui pra um encontro? — Tô, mas com a Camila. Minha amiga. A gente marcou de conversar. Tô tentando convencer ela a voltar com o ex. Ela piscou, sem acreditar. — Então você sentou aqui por engano? Ele olhou para o número da mesa, depois para o celular. — É... Acho que a Camila falou “mesa 7”. E essa é... — Mesa 7. Eles se olharam. E, por um instante, começaram a rir. — Ok, isso é oficialmente o pior começo de encontro da história — disse ela. — Ainda nem é um encontro — respondeu ele, puxando a cadeira e sentando. — Mas pode ser, se você quiser. Valentina riu mais alto ainda. — Você tá me cantando depois de invadir minha mesa? — Tô tentando salvar sua noite. Parece que seu match deu o cano. Ela respirou fundo e olhou para o celular novamente. Nenhuma mensagem. Nenhuma explicação. — Ele me deu um bolo. Literalmente. Nem avisou. — Então deixa eu te pagar um jantar e a gente finge que isso tudo foi planejado. Ela hesitou por dois segundos. Depois sorriu. — Por que não? O garçom voltou e eles fizeram os pedidos. Rafael era engraçado, espontâneo e um pouco sem filtro. Contava histórias absurdas sobre os clientes da agência de publicidade onde trabalhava e imitava vozes como se estivesse num stand-up. Valentina se pegou rindo com vontade pela primeira vez em meses. Eles comeram, beberam vinho, dividiram uma sobremesa de chocolate e ignoraram completamente o fato de que tinham se conhecido por acaso. Quase três horas depois, do lado de fora do restaurante, o vento estava frio e a cidade mais silenciosa. — Eu devia te agradecer por esse jantar acidental — disse ela, cruzando os braços. — Foi... inesperadamente bom. — Eu devia te agradecer por não ter me mandado embora assim que descobriu que eu não era seu Lucas. — Não foi tão difícil aceitar. Você fala melhor do que ele. — E você é mais bonita do que qualquer uma das minhas amigas. Mas não conta pra Camila. Ela sorriu. — Então... é isso? Boa noite, valeu pelo jantar, a gente nunca mais se vê? Ele enfiou as mãos nos bolsos. — Pode ser. Ou pode ser que eu te mande uma mensagem amanhã. — Mas você nem tem meu número. — Tenho certeza que se esse jantar aconteceu, o universo dá um jeito de te entregar pra mim de novo. — Poético. — Ou só confiante. Valentina sorriu, deu um passo para trás e acenou. — Boa noite, Rafael. — Boa noite, Valentina. Ela entrou no carro, ligou o rádio e deixou o motor roncar enquanto olhava para o espelho. O batom já tinha sumido, o cabelo estava um pouco bagunçado, mas algo nela estava diferente. Talvez fosse o vinho. Talvez a risada. Ou talvez o fato de que, pela primeira vez desde o fim do seu relacionamento, ela se sentia... leve. E tudo por causa de um encontro errado no Dia dos Namorados.