Na manhã seguinte, Valentina acordou com a cara grudada no travesseiro e um sorrisinho bobo que tentou, em vão, disfarçar.
— Tá rindo de quê, maluca? — perguntou Fernanda, que dividia o apê com ela havia dois anos e tinha o dom de surgir nos momentos mais inconvenientes. Valentina rolou na cama e puxou o edredom até o queixo. — Nada não. Sonhei que eu tava num jantar... com um desconhecido. — Desconhecido bonito? — Bonito, engraçado... e que apareceu na minha mesa por engano. Fernanda arregalou os olhos e se jogou ao lado da amiga, empolgada. — Não acredito! Você saiu com o cara do app? — Saí, mas não com o cara que eu combinei. O Lucas me deu o cano. Quem apareceu foi o Rafael. Sentou na mesa achando que era outra pessoa. Fernanda caiu na gargalhada. — Mentira! Você ficou no jantar com o cara errado? — E foi o melhor erro da minha vida. Valentina contou tudo: o mal-entendido, o jantar divertido, as piadas, o jeito leve como tudo aconteceu. — Ele parecia o tipo de cara que você não precisa decifrar. Só... vive. — Isso existe? — Fernanda arqueou uma sobrancelha. — E vocês trocaram telefone? — Não. Nem rede social. Nada. — Tá de brincadeira? Valentina, como é que você vai encontrar o homem de novo? Ela deu de ombros. — Ele disse que, se fosse pra acontecer, o universo daria um jeito. — Ah não. Agora você virou personagem de filme de sessão da tarde? Universo? Valentina se levantou, ainda sorrindo. — Depois de um ex que levava whey protein pra cama, eu tô aberta a experiências místicas. Mas a verdade era que, apesar do tom leve, Valentina passou o resto do dia com a cabeça em Rafael. Quem era ele, de verdade? Será que tinha rede social? Será que ia mesmo dar um jeito de aparecer? À noite, movida pela curiosidade e por uma leve obsessão investigativa, decidiu abrir o LoveSpark de novo. Não na esperança de achar Rafael — ele nem usava o app —, mas talvez para dar mais uma chance a si mesma. Surpreendentemente, Lucas tinha deixado uma mensagem: Lucas (10:03h): “Desculpa sumir ontem. Tive um imprevisto. Ainda topa um café essa semana?” Valentina encarou a tela por alguns segundos. Era o mínimo que ele poderia fazer, mas não anulava o bolo que levou. Por outro lado, ela não estava em posição de exigir perfeição de ninguém. — Vai ver ele é só um cara normal que teve um dia ruim — murmurou, enquanto respondia: Valentina (22:48h): “Oi, Lucas. Eu fui ao restaurante e você não apareceu. Mas tudo bem. Podemos remarcar o café, sim.” Fernanda apareceu na porta do quarto com as sobrancelhas arqueadas. — Trocando mensagem com o sumido? Valentina deu de ombros. — Talvez ele mereça uma segunda chance. — Ou talvez você só esteja tentando esquecer o Rafael. Ela não respondeu. Talvez fosse verdade. Mas não queria admitir. ***💘*** Do outro lado da cidade, Rafael largava o celular no sofá, frustrado. Camila, a amiga que ele tentara ajudar na noite anterior, tinha ido embora do restaurante furiosa porque ele “não levava nada a sério” e “só queria bancar o engraçadinho”. — Que ótimo — disse ele, jogando-se no sofá. — Perdi a noite com a Camila e esqueci de pegar o número da mulher mais interessante que conheci em anos. Pior do que esquecer o número, era esquecer o sorriso dela. O jeito que ela ria com as mãos no rosto, como quem tenta esconder, mas não consegue. A forma como ela não tinha vergonha de dizer o que pensava. — Valentina — murmurou. — Eu devia ter pego ao menos o sobrenome. Mas não. Nada. Nem uma pista. E assim, os dois seguiram a semana tentando retomar a rotina, fingindo que o acaso não tinha causado um pequeno terremoto no coração, deixando tudo fora do lugar. ***💘*** Na terça-feira seguinte, Valentina marcou o café com Lucas. Chegou no horário, sentou-se à mesa e esperou. Dessa vez, ele apareceu. Bonito como na foto, de terno azul, perfume marcante e sorriso calculado. — Valentina, né? Prazer finalmente te conhecer. — Igualmente — respondeu, tentando não fazer comparações. Conversaram sobre trabalho, séries, livros. Lucas era educado, centrado, falava de política e do mercado financeiro como se estivesse num podcast da Faria Lima. Valentina sorria, mas por dentro bocejava. — E você? Pretende ficar muito tempo na empresa atual? — perguntou ele. — Pretendo não surtar, já é um bom começo — respondeu, tentando brincar. Ele riu educadamente. Só isso. O encontro durou uma hora. Ele pagou o café e disse que adoraria revê-la. Ela agradeceu e foi embora com uma sensação morna. Assim que entrou no carro, Fernanda mandou mensagem: Fernanda: “E aí? E o Faria Limer?” Valentina: “Pontual, educado, bonito e sem graça. Nota 6.” Fernanda: “Seis tá bom pra quem largou a batata chips pela primeira vez.” Valentina riu, mas por dentro sentia um vazio. Por que era tão difícil se conectar com alguém de verdade? Por que o encontro acidental com Rafael tinha sido mais intenso do que uma conversa de uma hora com um homem supostamente perfeito? — Porque talvez eu não queira perfeição, apenas viver — murmurou. ***💘*** Naquela mesma noite, Rafael estava numa mesa de bar com dois amigos, ouvindo histórias aleatórias enquanto sua mente vagava. — E aí, Rafinha? Vai ficar encarando o copo ou vai contar quem é a mulher que tirou seu foco? Ele suspirou. — Lembra daquele jantar desastroso com a Camila? — Claro. Ela quase jogou água na sua cara. — Então... eu sentei na mesa errada antes. Achei que era a dela. Mas era de outra mulher. — E você ficou? — Fiquei. — E rolou? — Rolou tudo. Menos o número. O amigo assobiou. — Isso é tipo... o plot de um filme da N*****x. — Pois é. E agora tô aqui, tentando entender como faço pra encontrar essa mulher de novo. — Você não sabe nem o nome completo? — Só Valentina. Trabalha com marketing. Acho que mencionou que mora na Zona Norte. — Cara... boa sorte. Rafael levantou o copo como quem faz um brinde. — Vou precisar muito mais do que sorte para encontrá-la... Na verdade, eu preciso que aconteça um... Milagre. Ele voltou a beber, na tentativa de esquecer o encontro mais louco e também mais inesquecível que teve em sua vida. ***💘*** Dias Depois Quinta-feira. Valentina estava saindo da academia, cabelo preso, cara suada, quando viu algo no celular que fez seu coração bater mais rápido. Uma notificação: Rafael começou a seguir você no I*******m. Ela congelou. — Como ele me achou? — sussurrou. Entrou no perfil dele. Uma foto de perfil sorrindo com um cachorro. Bio simples: “publicitário, cervejeiro de fim de semana e fã de encontros aleatórios.” Valentina segurou um riso. Aquilo era um sinal? Ela seguiu de volta. E em segundos, uma mensagem chegou: Rafael: “O universo deu um jeitinho.” Ela mordeu o lábio, sem conter o sorriso. Valentina: “Demorou, mas deu.” Rafael: “Acho que te devo outro jantar... agora de verdade.” Valentina: “Sem erro de mesa?” Rafael: “Prometo que dessa vez acerto o lugar. E a pessoa.” A tela é fechada, mas dentro de Valentina um leque de oportunidade estava sendo aberto, e se dependesse dela, nunca mais seria fechado.