As sombras se moviam com a fúria do vento. Os Ceifadores Negros, conjurados pela mente do rei, avançavam pela floresta com seus olhos rubros queimando como carvões incandescentes. Cada passo era silencioso, cada respiração controlada, como se a própria noite lhes servisse de pele. O rastro de Igor e dos seus estava apagado pelo feitiço das ampolas, mas a experiência daqueles caçadores ia além do olfato: sentiam a vibração no solo, a energia vital que se agitava ao redor das presas.
No alto de uma pedra no centro da floresta fechada, Chakay observava ao lado do seu beta a mais dois ceifadores, tentando achar algum vulto, que pudesse denunciar os fugitivos. Seus braços cruzados para trás, sentindo a forte presença do seu lobo, os olhos faiscantes acompanhando a dança das sombras abaixo. Ele não se movia, apenas aguardava, como um predador paciente encima de suas patas. — Ache-nos… — murmurou com desprezo. — Não descanse até que encontre-os.Mais adiante, Igor e Valéria corriam exaustos, cada músculo tensionado. Dihedra, encolhida nos braços da mãe, choramingava em sonhos inquietos. O ar começava a se rarear, e foi então que Igor ergueu a cabeça e viu: um arco de arvores antiga, cobertas por musgo, onde símbolos de letras antigas esquecidas, brilhavam fracamente sob a lua minguante. O portal.
— Está ali, Valéria! — gritou ele, com a voz grave e rouca. — Mais alguns metros e estaremos fora do alcance de Chakay.
Mas sentiu não estavam sozinhos. Das árvores, três vultos saltaram quase ao mesmo tempo, e logo outros seguiram, cercando-os em um semicírculo. Os Ceifadores Negros revelaram-se em sua forma plena — lobos negros, altos como guerreiros gigantes, dentes como punhais e olhos vermelhos faiscantes. O chão tremia sob suas patas pesadas e afiadas.
Valéria recuou, abraçando Dihedra contra o peito, os olhos arregalados.
— Igor… eles nos encontraram!Ele deu um passo à frente, o olhar queimando em fúria.
— Não ousem se aproximar da minha família, ou matarei a todos.O primeiro Ceifador atacou com velocidade animal, mas Igor não hesitou. O rugido que saiu de sua garganta não foi humano. Sua carne estremeceu, os ossos se contorceram, a pele rasgou-se em estilhaços de dor e poder. Em segundos, o homem deu lugar a um Lycan colossal, sua pelagem dourada brilhando como fogo sob a lua e os olhos cintilando em um tom raro — azul profundo mesclado com verde-esmeralda.
A floresta inteira pareceu silenciar diante daquela presença. Os próprios Ceifadores hesitaram, recuando por um instante. Era como se o sangue de Anúbis, o ancestral dos antigos guardiões, tivesse despertado de um longo sono.
— Agora sim, ceifadores capturem-nos… — murmurou Chakay, de seu posto elevado, finalmente se erguendo com um sorriso gelado, e se preparando para descer, e se apresentar aos seus prisioneiros, quando olhou novamente seus olhos piscaram, não acreditava no que vendo ao longe. — O irmão bastardo mostra a herança Anúbis com garras e presas.
Enquanto que lá embaixo, o campo virou batalha. Igor avançou contra os Ceifadores, seus golpes brutais despedaçando costelas e jogando corpos contra árvores como bonecos. O chão se tingiu de sangue negro. Valéria, apesar do medo, puxou uma adaga escondida sob o manto e cravou-a em um dos lobos que se aproximava por trás, protegendo Dihedra com o corpo.
O rugido de Igor ecoava como trovão, esmagando a noite. Sua força era tamanha que nenhum dos Ceifadores parecia capaz de contê-lo. Mas por cada inimigo abatido, outros se lançavam sobre ele, e a luta tornou-se frenética.Foi então que o portal começou a pulsar, sua luz branca brilhante crescendo em intensidade, como se respondesse ao sangue derramado. Igor, coberto de cortes e respingos de sangue, virou-se para Valéria.
— Agora! — rugiu, em sua voz meio humana, meio bestial. — Leve Dihedra! Atravesse! Valéria correu, os pés tropeçando nas raízes, até alcançar o arco de arvores antigas. O portal abriu-se como um espelho líquido, cintilando. Ela entrou primeiro e olhou para trás, a criança nos braços, a mente chamava por Igor, mas não podia colocar sua filha em perigo, virou-se desaparecendo em meio à luz.Igor ficou para trás por um instante, esmagando o último Ceifador contra o solo. Enquanto Chakay se aproximava
— Então é isso… — murmurou Chakay, de seu posto elevado, finalmente se erguendo com olhos vermelho como sangue, denunciando o lobo cruel que espreitava para assumir e se transforma, entrando na batalha. — Achou mesmo Igor, que é capaz de escapar com algo que me pertence, ela é minha, ela me pertence! O lobo dentro dele, sentiu o desejo nas palavras dele e avançou se transformando em segundo. Quando Chakay abandonava a carne humana, o ar ao redor parecia se partir. Seus ossos estalavam como trovões subterrâneos, a pele se rasgava em veias sombrias, e do corpo surgia a fera que fazia até os mais valentes perderem o fôlego. O lobo não era apenas uma criatura, mas um abismo vivo.Sua pelagem era negra como breu, mas com reflexos metálicos que lembravam ferro frio à luz da lua, dando a impressão de uma couraça natural. Era colossal, ainda muito maior que os lycan ceifadores negros, os músculos saltando sob a pele como cordas tensionadas. As garras, longas e curvas, brilhavam com um tom prateado sujo, como lâminas de guerra sempre manchadas de sangue.
Os olhos de Chakay em forma lupina eram o mais aterrador: orbes vermelhos faiscantes, que pareciam não apenas ver, mas consumir a alma de quem ousasse encará-los. Sua boca, de presas longas e irregulares, parecia feita para dilacerar, e quando se abria, um hálito quente, carregado de enxofre e ferro, escapava.
Ao caminhar, o chão estremecia sob suas patas enormes, deixando marcas profundas no solo. E quando rugia, não era apenas um som animal, era como um eco de fúria ancestral não como Anúbis, algo entre o bramido de um trovão e o grito de um espírito condenado.
Diferente de Igor, cuja forma dourada refletia poder divino e ancestralidade guardiã, Chakay era pura escuridão, um avatar da destruição, nascido para caçar, dominar e esmagar qualquer resistência. Ainda assim não superava o poder de Igor, mas também Igor não superava o dele, a diferença entre eles era apenas o bem, e o mal, para qual foram destinados.
Avançou, como uma tempestade, seus olhos ardendo de fúria.— IRMÃO, agora é minha vez! — rugiu, sua voz ecoando por toda a floresta.
Igor ergueu-se, o peito arfando, o sangue pingando da boca. Os olhos dourados cruzaram com os do rei por um breve segundo. Então, sem hesitar, ele correu se jogou contra o portal que já estava quase se fechando por completo. E atravessou-o em um salto, desaparecendo na outra dimensão.
Chakay saltou contra o portal na tentativa de alcançar Igor, mas era tarde demais. O portal se fechou diante de seus olhos, a energia dissipando-se em faíscas que se apagaram no ar gelado da noite.
Sozinho entre cadáveres de seus próprios Ceifadores, o rei de Drakaria cerrou os punhos, o ódio queimando em sua alma.
— Não importa onde se esconda, Igor. Eu o encontrarei. Nem mesmo o mundo humano o salvará de mim.