Quando por fim o clímax os tomou, foi como um rugido contido na garganta, um terremoto silencioso que sacudiu não apenas o corpo, mas o espírito. Naryah tombou contra o peito dele, exausta e marcada, enquanto Chakay a envolvia com a posse de quem sabe que jamais abrirá mão.
E na penumbra, apenas o som da respiração deles preenchia o mundo.O rugido distante do lobo ecoou na mente dele, e a serva sentiu a corrente invisível apertar ainda mais seu coração.
Naquela noite, três destinos foram selados. Naryah retornou à casa de Igor na surdina da noite, os passos tão leves que mal perturbavam o silêncio que envolvia os corredores de pedra. A lua minguante filtrava-se pelas janelas altas, lançando fendas pálidas de luz que cortavam a escuridão como lâminas de prata. O ar da madrugada estava frio, e cada respiração dela se espalhava em nuvens discretas, como se até o próprio fôlego temesse ser ouvido.Deslizou pelo átrio principal sem acender qualquer chama, como sempre fazia quando precisava mover-se sem chamar atenção. Seguiu para a cozinha, onde o breu era quase absoluto, exceto pelo reflexo da lua nas talhas de barro. Ali, encheu um copo de água, bebendo em goles curtos, como se o líquido pudesse lavar da garganta o gosto amargo que ainda lhe restava do encontro com Chakay.
Foi nesse instante, com o copo ainda entre as mãos, que um movimento sutil lhe chamou a atenção. Além do limiar da cozinha, três vultos passavam em silêncio pelos corredores escuros, suas sombras alongadas e trêmulas no chão de pedra. O andar furtivo denunciava segredos, mas o coração de Naryah reconheceu algo mais profundo: a figura ereta de Igor, carregando contra o peito a pequena Dihedra, o rosto dela escondido sob um lenço; ao lado, Valéria, firme, com uma mochila leve nas costas, o olhar constantemente lançado para trás como quem teme caçadores à espreita.
Naryah prendeu a respiração, encostando-se à parede fria, o copo ainda em mãos. O coração apertou-se, dividido entre o juramento que fizera ao lobo tirano e a lealdade silenciosa que nutria pelo homem que a tratara como filha do lar. Cada passo deles em direção à porta dos fundos era um golpe em sua consciência. Quando a fechadura rangeu levemente e a escuridão da floresta os engoliu, ela sentiu que estava diante de uma escolha impossível: ser a sombra de Chakay ou a guardiã oculta de Igor.
Naryah permaneceu imóvel na cozinha silenciosa, o copo de água tremendo em suas mãos. O som da porta dos fundos se fechando ecoava em sua mente como um tambor distante. Igor, Valéria e a pequena Dihedra… fugindo. Parte dela queria correr atrás, impedir, gritar. Outra parte cobrava a obediência. Lembrava-se do juramento que fizera ao lobo de Chakay em sua mente, ao senhor que a moldara desde menina.Ela fechou os olhos e respirou fundo, permitindo que a escuridão da casa fosse o véu de sua decisão. “Serei sombra, como sempre fui. Servirei Chakay até o fim.”
A conexão mental abriu-se como um corte afiado. A voz dela, trêmula, mas firme, atravessou o vínculo:
— Senhor… Igor fugiu. Está com Valéria e a criança. Partiram agora, pela porta dos fundos em direção as arvores da floresta lado oeste da casa.Na mente de Naryah, o silêncio se fez pesado, até que a resposta veio como um trovão abafado:
— Ousam me desafiar.A imagem de Chakay surgiu clara, em seus aposentos, os olhos incandescentes de fúria. Ele ergueu a mão, e o chamado ecoou nas sombras. Da profundeza das muralhas e dos campos, ergueram-se os Ceifadores Negros, soldados devotos, homens de olhos tão escuros quanto a noite, que ao se transformarem tornavam-se lupinos de pelagem negra e olhos vermelho-sangue. Cada um deles respondeu ao rugido mental de seu rei com um único propósito: caçar.
— Tragam-me meu irmão… vivo ou morto. A criança, tragam inteira. — A ordem de Chakay atravessou a noite, gelada e cruel.
Enquanto isso, já sob o abrigo da floresta, Igor corria com passos pesados, mas firmes, mantendo Dihedra aninhada contra o peito. Valéria seguia ao seu lado, a respiração acelerada, o coração oscilando entre medo e determinação. O vento frio da noite cortava o rosto, e cada galho estalando soava como um presságio.
— Para onde vamos, Igor? — perguntou ela em voz baixa, quase um sussurro, sem querer alarmar a filha adormecida.
Ele não a olhou, mas apertou os dentes antes de responder:
— Para o mundo humano. Só lá Chakay não ousará nos seguir com toda sua força.Valéria vacilou, o coração apertando-se em apreensão. Mundos distantes, desconhecidos… perigos que não compreendia. Mas nada disse, apenas assentiu, confiando nele como sempre fizera.
De repente, Igor interrompeu a corrida e pousou Dihedra no colo de Valéria. A mochila que carregava nas costas caiu ao chão, e dele retirou aquela pequena caixa de madeira escura. A caixa, entregue pelo mensageiro.
Ele a abriu com rapidez, revelando três ampolas de vidro translúcido, cada uma cintilando com um líquido de tonalidade âmbar e um leve fulgor esverdeado. O cheiro era agridoce, quase metálico.
— Beba, Valéria. — Igor entregou-lhe uma das ampolas maiores. — Eu tomares está.
Ela obedeceu em silêncio. O líquido queimou a garganta como fogo líquido, mas logo desceu deixando um frescor estranho que parecia apagar todo vestígio do próprio ser. Igor bebeu em seguida, os olhos fixos na escuridão atrás deles.
Por fim, pegou a menor das ampolas e a levou aos lábios de Dihedra, que ainda sonolenta, tomou alguns goles. O brilho da bebida refletiu nos olhos da criança, que voltou a repousar contra o ombro da mãe.
— Agora não poderão rastrear nosso cheiro. — Murmurou Igor, arremessando os frascos vazios contra as raízes da floresta. — Pelo menos por esta noite, estamos invisíveis aos caçadores de Chakay.
Valéria estreitou os braços em torno da filha, sentindo tanto alívio quanto medo. Igor voltou a caminhar à frente, e o vento levou suas últimas palavras, graves como uma promessa: — Mas eles virão, Valéria. E quando vierem… estaremos longe.