A semana passou como um furacão, e eu mal tive tempo de entender o que estava fazendo da minha vida.
Logo na manhã seguinte à minha aceitação, recebi uma ligação da agência. A voz da assistente era doce, calma, quase maternal, o que me deixou ainda mais nervosa. — Júlia, querida, preciso que venha hoje à tarde. Temos muito o que resolver. E seria interessante você já pedir demissão da boate. — Demissão? — Sim. Você vai viajar em alguns dias. Vai precisar se dedicar exclusivamente a isso agora. A papelada, os exames médicos, a entrevista na imigração. É um processo minucioso, e o cliente não aceita atrasos ou erros. Meu coração disparou. Ouvi aquilo e me dei conta, talvez pela primeira vez, de que era real, que eu realmente tinha vendido algo que não podia ser devolvido. Fui até a boate naquela noite como quem se despede de um pedaço da própria história, entreguei minha carta de demissão ao gerente, que me olhou surpreso, mas não perguntou nada, só desejou sorte. Tive vontade de chorar, mas engoli. Na tarde seguinte, fui até a agência. Eles tinham uma sala reservada só para mim, mesa de vidro, laptop aberto, uma pasta cheia de documentos, e uma mulher que parecia ter saído de um filme de espionagem, Carolina, uma das diretoras da agência. Ela cruzou as pernas, olhou pra mim com um sorriso profissional. — Sente-se, Júlia. Hoje começa a sua verdadeira preparação. — Eu nunca saí do país. Confessei, sentando tensa na cadeira. — Nem sei como tirar um passaporte... — Vamos cuidar disso. Você vai preencher estes formulários, fazer uma foto oficial, agendar a retirada. Tudo legal, tudo limpo. Afinal, nosso cliente exige discrição, mas também exige que tudo esteja perfeito. — Mas... e se eu errar na entrevista? O que eu vou falar? Eles não vão desconfiar? Ela sorriu, tranquila. — É por isso que você vai fazer uma aula de conduta, não vai precisar mentir. Vai apenas responder com firmeza. Diz que vai a passeio, turismo. Você é uma jovem rica que quer conhecer novos países, vai estar com tudo pago, e vai ter uma carta de recomendação da agência, como se fosse uma viagem de negócios. Eu assenti com a cabeça, mas meu estômago já doía. Passamos a tarde toda ensaiando como me portar, como responder perguntas simples, qual roupa usar, como cruzar as pernas, como não parecer nervosa, como sorrir sem parecer desesperada. Tudo era ensaiado, ensinado, corrigido. Em um momento, minha cabeça já latejava, eu fechei a pasta com força, levantei da cadeira e disparei... — Eu não sei se quero mais isso. Eu… não sei se consigo. Carolina me olhou por um instante, depois, se levantou calmamente e se aproximou de mim. — Júlia, olha pra mim. Eu levantei os olhos, cheia de medo. — Você tem ideia do que esse dinheiro pode fazer? Ela perguntou. — Você vai salvar a vida da sua mãe. Vai tirá-la de um hospital público, dar o melhor tratamento, os melhores médicos, vai dar conforto, dignidade. É uma única noite. Uma. — Mas, e depois? — Depois? Ela cruzou os braços. — Depois você decide o que quer fazer com o seu poder. Porque é isso que você vai ter, poder, liberdade. Fiquei em silêncio, com o coração ainda acelerado e as mãos suando. — E quem é esse homem? Perguntei de repente, minha voz mais baixa, quase sussurrada. — Quem… comprou isso? O sorriso de Carolina foi mais amplo, quase malicioso. — Um sheik. — Um…? — Um sheik. Árabe, bilionário. Tem dinheiro suficiente pra comprar um país inteiro só pra você, se quiser. E olha... Ela se inclinou levemente. Se você souber usar esse corpo, Júlia, pode sair de lá com muito mais do que quinhentos mil. Meu coração pulou no peito. Um sheik. A palavra soou exótica, distante, quase mística. Mas, ao mesmo tempo, perigosa, instável, impossível de prever. Voltei pra casa com a cabeça girando, os passos lentos, arrastados, como se eu tivesse acabado de sair de uma arena de batalha. As palavras dela ecoavam: “Dinheiro suficiente para comprar um país”. Na mesa da cozinha, abri a pasta com os documentos. Passaporte, formulário da imigração, instruções, tudo separado. Meu celular vibrava a cada hora com notificações da agência, confirmando exames, horários, o motorista que iria me buscar para a entrevista. Mas minha mente só conseguia imaginar o sheik. E se ele fosse velho? E se fosse um homem com dentes podres, olhos opacos, voz áspera? Um tarado, perverso, daqueles que colecionam garotas como troféus exóticos? E se... e se ele fosse cruel? Senti um enjoo súbito, corri até o banheiro e vomitei. As mãos agarradas à borda da pia, o corpo todo tremendo, as lágrimas vieram logo depois, silenciosas, desesperadas. Eu estava com medo, medo de mim mesma, do que estava fazendo, do que eu me tornaria depois disso. Mas aí pensei nela. Na minha mãe. Pensei no olhar fraco, nos dedos finos dela me tocando o rosto e dizendo “Vai ficar tudo bem, filha”. Lembrei das noites em claro, dos remédios negados, das filas no hospital. Lembrei da mulher que me criou com tanto esforço, limpando escadas e cozinhando para fora. Eu ia dar isso a ela. A chance de viver. Limpei o rosto, me olhei no espelho, e pela primeira vez em dias, tentei ver algo além da culpa. Vi uma filha, vi alguém lutando com as armas que tinha. Mesmo que isso custasse mais do que podia medir. A entrevista com a imigração seria em dois dias. E se o destino havia escolhido um sheik para cruzar o meu caminho, então que fosse. Ele teria o que queria e eu salvaria a minha mãe.