O telefone tocou no meio da tarde do dia seguinte, interrompendo qualquer resquício de paz que eu fingia ter. Atendi com o coração já batendo mais rápido, como se meu corpo soubesse o que vinha pela frente.
— Senhorita Júlia?
A voz do outro lado era séria, profissional, do hospital.
— Sou eu… Aconteceu alguma coisa?
— Sua mãe deu entrada agora há pouco. Teve uma crise. Está na emergência. Precisamos que venha o quanto antes.
Não pensei duas vezes. Larguei a pasta com os documentos no chão, peguei a bolsa e corri como se a cidade inteira estivesse em chamas.
O hospital era o mesmo de sempre, gelado, abafado, com aquele cheiro de desinfetante e sofrimento misturado.
A recepcionista me indicou o andar e lá estava ele, o mesmo médico que vinha acompanhando minha mãe nos últimos meses. O rosto dele era sério demais.
— Doutor… o que aconteceu?
Ele tirou os óculos, respirou fundo, como quem precisava pesar cada palavra.
— Júlia… a sua mãe teve uma piora significativa. O tumor se espalhou mais rápido do que esperávamos. Infelizmente, o protocolo de tratamento que estávamos usando não está mais surtindo efeito.
— Mas… como assim? Vocês disseram que estava tudo sob controle por enquanto, que eu teria tempo para me programar para o outro tratamento.
— Estava, até certo ponto. Mas câncer, Júlia, é traiçoeiro. E no caso da sua mãe, é um subtipo agressivo, um carcinoma inflamatório. Ele avança rápido e compromete outros órgãos silenciosamente. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance com os recursos que tínhamos. Mas agora, precisamos entrar com uma nova linha de medicamentos, imunoterapia, quimioterapia combinada de terceira geração. Só que esse tipo de protocolo é extremamente caro. E o hospital não cobre.
— Quanto… quanto custa?
— O tratamento completo pode ultrapassar quatrocentos mil. E pelo menos vinte por cento precisa ser pago antecipadamente, para que possamos importar os medicamentos e iniciar as sessões emergenciais.
A cabeça girou. Quatrocentos mil. Era quase o valor da minha primeira vez.
As mãos suavam, a respiração ficou presa no peito, mas não podia ceder ao pânico. Não ali. Não agora.
— Eu vou pagar. Vou resolver isso. Por favor, inicie tudo. Pode colocar meu nome nos papéis, eu assino o que for necessário.
O médico assentiu, aliviado.
— Tudo bem. Vou deixar tudo pronto, mas seja rápida, Júlia. Cada hora conta agora.
Pedi para vê-la.
Minha mãe estava tão frágil que parecia feita de vidro. A pele pálida, os olhos fundos, mas ainda assim, ela sorriu quando me viu. Aquele sorriso era o que sempre me segurou no pior.
— Oi, filha…
— Mãe…
Me aproximei da cama, segurando sua mão gelada.
— Você me deu um susto.
— Só um pequeno susto. Nada com que se preocupar. Eu sou forte, lembra?
Meus olhos marejaram. Ela sempre dizia isso, desde que eu era criança, mas agora, ela não parecia forte, parecia cansada. Quase indo embora.
— Não fala assim, mãe…
Tentei sorrir.
— Eu vou te tirar daqui, eu prometo. Eu só preciso de alguns dias, tenho um trabalho importante e vou conseguir o dinheiro que você precisa.
Ela me olhou com ternura, mas também com curiosidade.
— Um trabalho? É coisa da boate?
— Não exatamente…
Desviei o olhar.
— É outra coisa. Mas é sério, profissional, vai mudar nossas vidas.
Ela franziu o cenho, mas não insistiu.
— Quando você vai?
— Ainda não sei a data exata. Mas é logo. E assim que eu voltar, você vai ter tudo. Remédio, clínica, quarto particular, tudo.
Ela apertou minha mão com dificuldade.
— Eu confio em você, filha, sempre confiei. Só não se esquece que nenhuma riqueza vale a sua paz. Nem a sua alma.
Engoli o choro.
— Eu não vou esquecer. Juro.
Beijei sua testa com carinho e saí do quarto com o coração aos pedaços.
A agência parecia ainda mais fria do que o hospital. Um lugar limpo demais, bonito demais, artificial demais.
— A diretora está ocupada.
Disse a recepcionista.
— Mas posso ver se ela consegue encaixar…
— Eu preciso falar com ela, agora.
A mulher hesitou, mas cedeu. Poucos minutos depois, Carolina apareceu no corredor com aquele andar impecável, vestida como se estivesse indo para um desfile de moda e me olhou de cima a baixo.
— Toda vez que te vejo, penso que vai desistir.
Disse, antes mesmo de eu abrir a boca.
— Eu não vou desistir.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Não?
— Não. Mas eu preciso de um adiantamento. Minha mãe precisa começar o tratamento imediatamente, o médico disse que vinte por cento precisa ser pago antes de tudo. E eu...
Respirei fundo.
— Eu não tenho esse dinheiro ainda.
Carolina caminhou até a mesa, pegou uma pasta e folheou calmamente, como se estivesse decidindo se ia salvar ou destruir minha vida.
— Você quer metade?
— Quero o suficiente pra pagar o início. Depois o restante pode vir quando eu voltar, eu cumpro com tudo, mas preciso disso agora.
Ela pensou por alguns segundos. Depois, tirou um contrato de dentro da pasta.
— Tudo bem. Mas vou precisar que você assine um adendo.
— Que tipo de adendo?
— Uma cláusula de desistência. Ou melhor, de não-desistência. Depois que assinar isso, não há mais volta. O dinheiro vai estar na sua conta amanhã, mas você não poderá fugir. Não poderá dizer não ao encontro com o sheik. Está me entendendo?
Olhei para o papel. Uma folha com palavras secas, diretas, um contrato simples, mas definitivo.
— Estou.
Peguei a caneta, a minha mão tremia, mas não hesitei.
Assinei.
Carolina sorriu satisfeita.
— Boa garota. O sheik vai gostar de você. E você vai sair disso com muito mais do que dinheiro.
Saí da agência com o contrato na bolsa e o alívio rasgando meu peito como uma navalha.
Minha mãe teria uma chance. E eu não tinha mais escolha.
Agora, só restava seguir até o fim.