JÚLIA
* O espelho não mentia. Ele mostrava tudo. A pele, a curva da cintura, os seios expostos, a insegurança estampada no meu rosto, eu estava nua. Literalmente. E, pela primeira vez, não por descuido ou intimidade, mas por obrigação, por necessidade, por desespero. Nunca pensei que chegaria a esse ponto. Ali, parada em frente à câmera, eu tentava parecer confiante. Tentava parecer o que eles queriam que eu fosse, desejável, segura, ousada. Mas a verdade é que minhas pernas tremiam, meu estômago parecia um nó apertado, meus olhos fugiam do fotógrafo, da mulher com a prancheta, da gerente da agência que me observava com um olhar cirúrgico, como se estivesse avaliando um pedaço de carne rara. Tudo começou quando minha mãe adoeceu. Ela sempre foi meu porto seguro, minha fortaleza, e agora estava definhando em uma cama, esperando por exames e tratamentos que eu simplesmente não conseguia pagar. Dançar na boate já não bastava, o dinheiro sumia antes mesmo de chegar. Foi aí que Rebeca, uma das meninas do camarim, me puxou para o lado e disse, com uma naturalidade quase cruel... — Você não precisa se matar na boate. Tem gente que pagaria uma fortuna pra passar uma noite com você. Morena, novinha, com esse corpo… Dá até pra virar acompanhante de luxo. No começo eu ri, depois, chorei, e por fim, aceitei. Consegui o contato de uma agência de alto padrão. Me disseram que ali não era “qualquer uma” que entrava. Eles escolhiam a dedo. E eu fui selecionada para a avaliação. O lugar era lindo, frio, silencioso, impecável. Mármore no chão, paredes claras, cheiro de perfume importado. Nada parecido com o cheiro de álcool e cigarro da boate. Mas, mesmo assim, eu me sentia suja. Me pediram para colocar um robe de seda, leve demais, transparente demais. Depois, me levaram para uma sala com luzes fortes, câmeras, e três pessoas me olhando como se eu fosse um produto em exposição. A maquiadora me retocou os lábios, ajeitou meus cabelos e sussurrou... — Fica tranquila. Você é linda. Mas eu não estava tranquila, eu estava despedaçada por dentro. Me pediram para tirar o robe. Primeiro hesitei, depois, obedeci. Fiquei ali, com os braços cruzados sobre o peito, tentando proteger o que podia. — Pode abaixar os braços? Alguém pediu, gentil, mas impessoal. Engoli seco e fiz o que me pediram. Me senti completamente vulnerável. As fotos começaram, de frente, de lado, de costas, com os cabelos caindo sobre os seios, depois totalmente puxados para trás. “ — Agora mais sensual, Júlia... Tenta imaginar alguém que você deseja. Eu não conseguia imaginar ninguém, só a minha mãe, só o hospital, só o medo. — Abre as pernas Júlia, como se estivesse prestes a mostrar o útero. Eu respirei fundo, sentindo as lágrimas se formando em meus olhos, mas abri, com todos aqueles desconhecidos encarando a minha buceta aberta. Depois da sessão, vesti o robe com tanta pressa que quase o amarrei errado. Minhas mãos tremiam. Foi então que, sem pensar muito, eu soltei... — Eu ainda sou virgem. A gerente levantou os olhos na mesma hora. — O quê? — Eu… nunca fiz. Nunca estive com ninguém. Falei quase como um pedido de desculpas. O silêncio foi instantâneo, olhares trocados, suspiros. O brilho nos olhos da mulher da prancheta não me escapou. Eu não sabia o que vinha a seguir. — Você quer ganhar muito dinheiro Júlia? — O suficiente para pagar o tratamento da minha mãe que está com câncer. — Sinto muito querida, mas, sua virgindade vale uma fortuna. Se você aceitar vendê-la, com certeza terá grana de sobra para pagar o tratamento dela. Sem hesitar, concordei. Horas depois, recebi uma ligação, era da agência. Me ofereceram quinhentos mil, por uma única noite, com um cliente reservado, poderoso, discreto, mas tinha um porém... Eu teria que viajar para o país dele em Dubai. — E então Júlia? Aceita? Eu fiquei um tempo pensando, mas com muito medo de estar indo em direção a um sequestro, eu já havia lido bastante sobre isso. Em contrapartida, era dinheiro suficiente para pagar todo o tratamento da minha mãe, o suficiente pra mudar tudo. Mas também era o suficiente pra destruir tudo que eu achava que era. — Preciso de um tempo para pensar. — Pensa bem Júlia, esse valor é apenas o que a agência irá dar para você, porém, o cliente irá dar muito mais, se ele gostar de você. — Até o final eu mando uma mensagem com a resposta. Passei horas olhando minhas próprias fotos, ali estava eu, nua, provocante, quase outra pessoa. Senti nojo, senti vergonha, senti medo. Mas também senti uma força que eu nunca tinha sentido antes. A mulher que eu era até aqui, ela não existia mais. Peguei o celular, respirei fundo. E respondi: “Aceito.”