Pela primeira vez na semana, acordo sentindo que o dia vai ser bom. Sem atrasos, sem precisar gritar com um velho às seis da manhã.

Ao passar pelo hall de entrada do prédio, vejo o senhor Malone checando a correspondência. Quando ele me avista, estreita os olhos e vira o rosto. Argh. Não vejo a hora de não ter que aturar mais esse cara.

Chego à porta do escritório às sete e meia em ponto. Levando em consideração que a secretária não está aqui, ou ele ainda não chegou — o que seria uma droga —, ou ela está apenas atrasada.

— Você deve ser a senhorita Quinn, certo? — ela pergunta, correndo de volta para a mesa com um sorriso sem graça.

O que me faz pensar: será que alguém seria capaz de constrangê-la ainda mais por pura falta de empatia?

Bato na porta e só entro depois de ouvir o som abafado de uma voz rouca mandando entrar. Diferente de sua secretária, ele está impecável no terno de três peças. A aliança de ouro brilhando na mão esquerda só confirma minhas suspeitas: um completo canalha.

— Bom dia, senhorita Quinn. Recebi seu pedido de rescisão de contrato, junto com os anexos sobre os problemas do apartamento — diz, folheando os papéis enquanto me sento à sua frente. — Eu entendo perfeitamente a situação precária em que se encontra, mas, infelizmente, não posso retirar todo o valor da multa.

Claro que não pode. Canalhas raramente facilitam as coisas.

— E quanto o senhor consegue retirar? — pergunto, tentando manter a compostura. — Não me importo de pagar uma parte, só quero resolver logo isso.

Eu congelo.

— São quatrocentos e oitenta dólares. Qual será a forma de pagamento? — ele pergunta, sem nem me olhar.

Porra, isso é um assalto.

Alguns minutos depois, finalmente tenho o contrato de rescisão assinado em mãos — e um sorriso vitorioso no rosto. Me despeço do traidor e, ao passar pela recepção, vejo a secretária falando ao telefone. Apenas aceno, e ela me devolve um sorriso sem graça enquanto diz:

— Sra. Bane, o seu marido não conseguirá comparecer ao evento hoje. Como eu disse, ele tem um compromisso — finaliza com uma careta.

Coitada. Ainda tem que lidar com os ataques de histeria da esposa do amante. Tem mulher que se presta a cada coisa.

De volta ao meu futuro ex-apartamento, começo a juntar minhas coisas. Não são muitas — basicamente tudo o que está no meu quarto. Acho que consigo levar quase tudo sozinha. O único problema é a mesa de estudos: minha avó me deu no meu primeiro ano, e não quero me desfazer dela. É minha lembrança de casa. Além disso, no novo quarto não há mesa alguma — e está totalmente fora de cogitação estudar na cozinha.

O toque estridente do celular me arranca dos pensamentos. Número desconhecido. Atendo no terceiro toque e, antes mesmo que eu diga qualquer coisa, ouço uma voz ecoar do outro lado da linha:

— E aí, Ellie. Posso te chamar assim, né? — diz a voz do outro lado da linha, carregada de deboche.

— Max? — pergunto, mesmo já reconhecendo o tom irritantemente animado.

— O próprio. Só liguei pra avisar que tô saindo agora, mas o Asher vai estar em casa o dia todo. Caso precise de alguma coisa.

— Ah, ok — franzo o cenho. — Ele não disse que ia sair? 

— Mudança de planos — ele responde, com aquele tom leve que dá vontade de socar. — Longa história, mas resumindo: ele ficou. Então, se precisar de ajuda, chama ele.

— Ah, claro. Eu só preciso de paz, você pode providenciar isso também? — rebato, tentando manter o sarcasmo em um nível aceitável.

— Paz eu deixei na gaveta ontem, mas posso pedir pro Asher dar uma passada aí — ele diz rindo. — Tá precisando de alguma coisa?

Olho para a mesa enorme encostada na parede, o tampo pesado e a lembrança da minha avó colada a cada arranhão da madeira.

— Na verdade... eu tô com um problema pra mover uma mesa. Mas eu resolvo, tá? Não precisa…

— Beleza, então o Asher ajuda.

— O quê? Não! Eu acabei de dizer que…

Clique.

Fico olhando para o celular por alguns segundos, em completo silêncio.

Porque é óbvio que o universo conspira pra me obrigar a ver aquele homem de novo.

Maravilha.