Ao lembrar dos meses inteiros que passara trabalhando no projeto de Terra Serena, virando noites, refazendo detalhes, revisando cada traço, o olhar que Isabela lançou a Cristiano ficou ainda mais gelado, carregado de um deboche silencioso.
O ar caiu num silêncio absoluto.
Por quase meio minuto, nenhum dos dois disse nada.
Só então Cristiano quebrou o silêncio, com a voz baixa, contida à força.
— O que você quer dizer com isso? Vai processar a Lílian por quê, exatamente?
No instante em que ouviu as palavras "intimação judicial", o coração dele deu um salto violento.
O olhar que lançou a Isabela já não tinha vestígio algum de calor.
— Você sabe muito bem. — Isabela respondeu, fria. — Cristiano, foi você quem me contou que o meu projeto de Terra Serena tinha sido descartado, não foi?
Ela deu um passo à frente, com o tom cortante.
— Foi o meu projeto que foi rejeitado. Ou fui eu que você descartou?
O silêncio se tornou opressivo.
Só o som da chuva batendo na janela e do vento lá fora não foi capaz de dissipar o calor sufocante no ar.
Isabela lançou um olhar para a mão de Cristiano, que ainda segurava a porta com força.
— Já pode soltar?
O rosto dele estava rígido.
Quando voltou a falar, parecia sem fôlego.
— Isso não é como você está pensando.
— Não diga mais nada. — Isabela interrompeu. — Guarde tudo isso para explicar com calma ao juiz.
— Isabela!
— Me solta. — Disse ela, seca.
Cristiano apertou os lábios.
— Precisa mesmo levar isso a esse ponto? Somos uma família.
Isabela ficou em silêncio por um segundo.
Então soltou uma risada curta, amarga.
— Família? — Repetiu. — Que piada.
Ele não tentou se explicar de verdade.
Talvez porque não houvesse explicação alguma.
E foi exatamente isso que fez o coração de Isabela afundar de vez no frio.
Usar aquelas palavras, "somos uma família", naquele momento, era simplesmente repugnante.
A mão de Isabela se fechou com força.
Do outro lado, Cristiano apertou ainda mais a porta.
— Você não pode processá-la. — Disse ele, com urgência. — Ela acabou de dar à luz.
Isabela ficou em silêncio.
Mas aquela frase, "acabou de dar à luz", soou como um golpe direto no peito.
Ela tinha perdido dois filhos por causa de Lílian.
Ele não acreditara sequer na gravidez dela, tratara tudo como birra, como exagero.
E agora, quando ela falava em justiça, era ele quem entrava em pânico.
Isabela fechou os olhos por um instante.
Quando os abriu novamente, ergueu a perna e chutou Cristiano com força mais uma vez.
Desta vez, ele já estava preparado.
O instinto falou mais alto, e ele soltou a porta no reflexo.
No segundo seguinte, a porta se fechou violentamente diante do rosto dele.
— Isabela, abra a porta. Vamos conversar.
Cristiano passou a bater na porta como um louco.
Do outro lado, Isabela estava com o rosto frio como gelo, encostada à porta. Ela respondeu apenas uma frase.
— Fale com o meu advogado.
Ao ouvir a palavra "advogado", o peito de Cristiano pareceu ser comprimido com força.
Isabela virou-se e entrou no quarto, trancando a porta atrás de si.
Em seguida, enfiou-se debaixo das cobertas, isolando-se completamente do mundo exterior.
As batidas na porta e o toque da campainha ecoaram por um tempo que ela já não conseguia medir.
Depois, tudo ficou em silêncio.
Isabela dormia de forma inquieta.
O corpo estava fraco demais.
Os sonhos vinham confusos, fragmentados.
No meio da madrugada, alguém a sacudiu de leve.
— Belinha. Belinha.
Ela sentia o corpo ora como se estivesse dentro de um congelador, ora como se estivesse em chamas.
Abriu os olhos com dificuldade.
Era Karine.
— Karinha.
— Você está com febre. — Disse Karine, aflita. — Vamos ao hospital agora.
A voz dela tremia de preocupação, e isso só deixou Karine ainda mais inquieta.
No meio da madrugada, Karine ligou para a babá de casa e pediu que fosse imediatamente ajudar a cuidar de Isabela.
Ainda bem que tinha ido.
Se Isabela continuasse queimando daquele jeito até a manhã seguinte, quem sabia se não acabaria delirando de febre?
O celular de Karine vibrava sem parar.
Era Cristiano.
Ela estava tão irritada que só atendeu depois de colocar Isabela no carro.
— O que você quer agora?
— Passe um recado para a Belinha. — Disse ele, num tom sério. — Por maior que seja a raiva dela contra a Lílian, espere pelo menos até a Lílian se recuperar fisicamente.
Karine explodiu.
— Cristiano, vai se foder!
Isabela, meio inconsciente, acabou ouvindo aquela frase vinda do viva-voz.
O coração dela afundou ainda mais no frio.
Karine lançou um olhar para Isabela, pálida e fraca.
Tomada pela fúria, começou a gritar.
— A condição da Lílian você se preocupa tanto. Mas a sua esposa mal...
Antes que terminasse a frase, o celular sumiu da mão dela.
Karine virou a cabeça e viu Isabela pegando o aparelho e encerrando a ligação na hora.
— Por que você fez isso? — Karine quase gritou. — Eu ia acabar com ele!
Ela estava à beira de perder o controle.
Até como espectadora, Karine sentia vontade de explodir.
Como Isabela tinha conseguido aguentar tudo aquilo por tanto tempo?
Karine lançou um olhar cheio de dor para a amiga.
Isabela falou em voz baixa, exausta.
— Ele não acredita em nada disso. — Disse. — Você discutir com ele é só desperdiçar saliva.
Karine ficou em silêncio.
Era verdade.
Nesses últimos seis meses, todas as vezes em que Isabela se revoltava por causa de Lílian terminavam exatamente do mesmo jeito.
Ele nunca acreditou.
Cristiano não só não evitava, como ficava cada vez mais exagerado.
Dessa vez, chegou ao ponto de acompanhar o parto.
Só de pensar nisso, Isabela sentia o peito apertar.
Ela semicerrava os olhos, a voz baixa e fria.
— Não fale mais com ele sobre o meu aborto.
Karine se surpreendeu.
— Por quê?
Por quê?
Porque, no fundo, Cristiano sempre achou que ela estava fingindo.
Que aquela gravidez nunca tinha existido.
Depois de tantos anos de casamento, eles já não tinham sequer o mais básico: confiança.
Se nem isso restava, para que pedir qualquer outra coisa?
— Já que eu decidi me divorciar. — Disse Isabela, com uma calma cansada. — Quero que seja limpo. Direto. Sem arrastar nada.
Ela não queria a culpa de Cristiano.
Muito menos a compaixão tardia.
Culpa só serve para prender, para continuar machucando.
Karine entendeu.
E o coração dela doeu ainda mais.
— Esse desgraçado…
A raiva vinha forte, mas ela se conteve.
— Tá bom. — Respirou fundo. — Vamos primeiro para o hospital.
Vendo Isabela tão abatida, Karine não insistiu mais em conversa.
Elas tinham sido tão próximas, tão bem uma com a outra, e agora tinham chegado a um ponto em que nem amor nem ódio valiam a pena guardar.
Karine levou Isabela até o hospital.
E, como se o destino tivesse gosto por ironia, logo na entrada deram de cara com Cristiano e Lílian.
Cristiano carregava um dos bebês nos braços.
Atrás dele vinham várias pessoas da família.
Lílian estava sentada numa cadeira de rodas.
A cena era completa.
Empurrada na cadeira de rodas, seguindo logo atrás de Cristiano, Lílian enxugava as lágrimas, com a voz trêmula.
— Cris. O bebê não pode acontecer nada. Não pode.
— Fique tranquila. — Cristiano respondeu, suave e firme. — Não vai acontecer nada.
Aquele tom.
Aquela gentileza cuidadosa, quase reverente.
Isabela percebeu com uma clareza cruel.
Era a primeira vez, em seis meses, que ela o ouvia falar assim.
Não era como quando a acalmava com frases vazias.
Não havia impaciência.
Não havia concessão forçada.
Ele estava realmente confortando Lílian.
Quando os dois passaram lado a lado, Cristiano viu Isabela.
Os passos dele hesitaram.
Os lábios se moveram levemente, como se quisesse dizer alguma coisa.
Mas, antes que qualquer som saísse, Lílian começou a chorar de forma ainda mais descontrolada.
— Cris. — Soluçava. — Se acontecer alguma coisa com meu bebê, eu também não quero mais viver.
No fim, Cristiano desviou o olhar do rosto pálido de Isabela.
Virou-se e seguiu em frente, apressado.
Atrás dele, um grupo de pessoas empurrava a cadeira de rodas de Lílian, acompanhando-o.
Isabela talvez já não sentisse raiva.
Mas Karine tremia de indignação da cabeça aos pés.
— Cristiano, para agora mesmo, seu desgra...
— Ei. Belinha. Belinha.
A Isabela que ela estava apoiando de repente perdeu as forças.
O corpo inteiro deslizou para baixo.
Karine entrou em pânico e a segurou às pressas.
— Doutor! — Gritou desesperada. — Alguém chama um médico. Socorro.
Já perto do elevador, Cristiano ouviu o grito.
O coração dele deu um salto violento.
Instintivamente, virou a cabeça.
Viu Karine segurando Isabela nos braços, gritando por ajuda.
Sem pensar, Cristiano colocou o bebê nos braços de outra pessoa e deu um passo à frente, pronto para correr até ela.