Mundo de ficçãoIniciar sessãoCapítulo 1
Coração "grande" demais Scarlett Johnson Eu tinha apenas dezenove anos, mas quando me olhava no espelho na luz fraca da madrugada, via a exaustão de quarenta. Não havia o brilho despreocupado da juventude em meus olhos, apenas uma vigilância constante, marcada por olheiras persistentes. Minha vida não era medida em anos, mas em doses de medicamentos, em ciclos de diálise e em boletos de cobrança. O despertador era desnecessário; o som fraco da tosse da minha mãe era o único relógio que importava. A rotina começava antes do sol nascer no nosso pequeno apartamento úmido, sempre o mesmo ritual: a água para o chá, os medicamentos na ordem certa, a medição da pressão, a verificação da sonda. Tudo tem que ser perfeito. A falha não é uma opção; um erro de cálculo poderia levá-la embora, e o medo disso é o que me mantém de pé. Enquanto as outras garotas da minha idade se preocupavam com maquiagem, faculdade ou festas de sexta-feira, eu me preocupava com a contagem de sódio e potássio, com o agendamento de consultas e, acima de tudo, com o dinheiro. O peso da vida adulta caiu sobre meus ombros aos quinze anos, quando o diagnóstico de insuficiência renal crônica da minha mãe transformou a casa em uma enfermaria e a adolescência em uma memória roubada. Minha mãe, Helena, era uma força gentil que o tempo e a doença haviam drenado. Ela luta, sorri em meio à dor, mas os rins não fazem barganhas. A única cura real é um transplante. - Não se preocupe, meu amor. - Ela sussurrou em seus raros momentos de energia. -Eu vou ficar boa. Vai aparecer um doador. Mas o doador nunca vinha. Eu passei incontáveis horas nos hospitais, em salas de espera frias e impessoais, preenchendo formulários, fazendo testes e implorando por respostas. Eu sou parcialmente compatível, mas não totalmente, o risco de rejeição é alto demais. A lista de espera é infinita, cruel, e a esperança se tornou um luxo que eu não podia mais pagar. Nosso apartamento cheira a antissépticos e desinfetantes, um odor que carrego comigo para o trabalho, misturado ao cheiro persistente de fadiga. Eu trabalho em dois turnos: de manhã, em uma cafeteria, sorrindo e servindo lattes para pessoas que reclamam da lentidão do Wi-Fi, enquanto eu rezo para que a máquina de café não quebre, pois isso significaria perder horas de salário. À noite, limpo escritórios, esfregando pisos e esvaziando lixeiras, uma tarefa solitária que me dá tempo para me martirizar com os números. Todo centavo é uma promessa para ela. Não há dinheiro para mais nada. Meus amigos se afastaram lentamente. Eu os entendo. Quem quer a companhia de uma jovem que vive sob a nuvem da morte iminente e do desespero financeiro? Eu não tenho sonhos de futuro. Eu preciso do diploma para ganhar mais, mas preciso trabalhar mais para pagar os livros, e preciso dormir menos para fazer tudo isso. É um ciclo vicioso de privação. Naquela semana, o balde transbordou. O seguro social negou um novo pedido de cobertura para um medicamento vital. O custo era exorbitante. O hospital ligou para avisar que, sem um pagamento imediato para cobrir os custos de manutenção da lista de transplante, minha mãe seria removida da lista. Eu senti o chão sumir sob meus pés. Sentada no chão frio da cozinha, eu chorei. Eram lágrimas silenciosas, de raiva e desamparo. Eu tinha apenas 19 anos, mas a leveza de ser jovem havia sido há muito tempo substituída pelo peso do medo. O medo de acordar e não ouvir a tosse fraca dela, o medo de falhar. - Eu preciso de um milagre. - sussurrei para o vazio. Mas milagres não aparecem em apartamentos pequenos e fedorentos a desinfetante. O que aparecia era a necessidade brutal. Eu me levantei, limpando o rosto. As lágrimas não serviam para nada. Eu precisava de uma solução radical. Precisava de dinheiro, muito dinheiro, e rápido. O tipo de dinheiro que se obtém apenas fazendo coisas que nenhuma pessoa em sã consciência faria. (...) A vida no meu minúsculo apartamento era solitária, mas a porta ao lado, a de Salomé, trazia um tipo diferente de silêncio. Salomé era a minha vizinha e, estranhamente, minha única amiga. Ela era reservada, misteriosa e, apesar de nunca falar sobre o próprio trabalho, eu sabia que ela recebia muito mais dinheiro do que uma garota de 22 anos deveria. Ela me ajudava com minha mãe, Helena, ocasionalmente trazendo medicamentos caros que ela dizia ter "ganhado". Mas por três anos, a vida de Salomé havia sido estranhamente... previsível. Ela ficava ausente por períodos, e quando voltava, estava sempre quieta, mas nunca infeliz. Até que, cerca de três meses atrás, ouvi um som que nunca havia ouvido dela: choro. E não era um choro discreto; era um grito rouco e desesperado, abafado por travesseiros. Eu corri para a porta. - Salomé? Está tudo bem? Demorou um minuto, mas ela abriu a porta, os olhos inchados e vermelhos. No rosto dela, havia pavor. - Eu estraguei tudo, Scarlett. Eu estraguei tudo. - ela soluçava, me puxando para dentro. Foi então que ela me disse: ela estava grávida. Eu tentei consolar, mas ela estava histérica. A gravidez era o fim de sua vida controlada, de sua segurança financeira. E o pânico dela tinha uma razão terrível. - Eu não sei quem é o pai, Scarlett! Eu... eu não sei quem é ele! - ela confessou, com a voz quebrada. - Há três anos, eu só estive com ele. Exclusivamente. Mas ele me deixou, de repente, há meses, sem dizer uma palavra. E antes dele... eu estava tão... perdida. Eu estava em festas. Eu não sei. Eu não sei! O terror dela era palpável. Eu não podia julgar. Eu apenas a segurei, tentando acalmar. Ela estava convencida de que o pai, fosse ele quem fosse, não aceitaria a criança, e que ela perderia tudo. Salomé tentou seguir em frente. Ela parou de chorar e passou a acumular empregos, trabalhando como eu, para se preparar para a chegada do bebê. Ela se tornou reclusa. Ela nunca quis tocar a barriga, nunca quis olhar para roupas de bebê. A criança, para ela, era uma mancha, um erro. Meses depois, nasceu Luigi. Ele era lindo, um bebê tranquilo e de olhos claros, mas a mãe dele não o amava. Ela o olhava com uma indiferença gélida. Luigi chorava, mas ela raramente o pegava. Eu me ofereci para ajudar, para cuidar dele quando eu voltava do trabalho. Para mim, acostumada a cuidar, Luigi era uma distração bem-vinda, um pequeno pedaço de inocência no nosso mundo doente. Eu o aninhava, o alimentava, e ele logo me reconheceu, se acalmando em meus braços, algo que ele raramente fazia com a própria mãe. Ele estava com cerca de dois meses de vida quando a tragédia aconteceu. Eu voltei da limpeza de escritórios às duas da manhã. O apartamento estava quieto, e por um momento, senti a paz. Então, ouvi um choro. Não era um choro de fome ou de fralda molhada. Era um choro de desamparo, estridente e incessante. Eu bati na porta de Salomé. - Salomé? Você está bem? Luigi está chorando muito! Silêncio. Eu bati mais forte. Tentei a maçaneta. Fechada. O choro continuou. Um desespero me atingiu. Eu sabia que algo estava errado. Salomé nunca deixaria Luigi chorar tanto, mesmo que o odiasse, ela temia a atenção dos vizinhos. Lembrei-me. Salomé, em um momento de fraqueza, havia me dado uma chave reserva do apartamento dela, pedindo que eu cuidasse de Luigi se algo acontecesse. Eu a peguei no fundo da minha bolsa. Na época achava que era segurança, mas agora tenho minhas dúvidas. Minhas mãos tremiam quando a girei na fechadura. O apartamento de Salomé estava escuro, iluminado apenas pela luz de rua que entrava pela janela. O choro de Luigi era ensurdecedor, vindo de um Moisés no canto. Corri para ele. No instante em que me viu, os olhos dele se arregalaram, e o choro se transformou em soluços. Peguei-o nos braços. Sua pequena cabeça se aninhou no meu pescoço, e ele se acalmou imediatamente. Aquele reconhecimento me deu forças. Com Luigi seguro em meus braços, olhei ao redor. Salomé estava na cama, imóvel. Ao lado dela, havia a evidência nauseante: uma seringa vazia e alguns pequenos sacos plásticos. Overdose. O pânico foi uma onda de choque elétrico. Minha amiga. Morta. E o bebê, o bebê que ela mal conhecia, agora estava órfão em meus braços. Eu me aproximei da cama, confirmando o que já sabia. O corpo dela estava frio. Ela se foi, e levou consigo o segredo do pai de Luigi. Eu não podia chamar a polícia. A polícia significaria serviço social, e serviço social significaria que Luigi seria levado, jogado em um sistema que eu odiava. E eu tinha uma promessa silenciosa de proteger aquela criança, uma promessa feita nos meus braços enquanto ele chorava. Olhei para o rosto de Luigi. Ele era tão pequeno, tão inocente. Eu já o amava. E eu sabia que Salomé nunca quis que ele tivesse um futuro, mas ele era a única prova viva daquele homem misterioso. Em um surto de adrenalina e desespero, tomei a decisão. Uma decisão que mudaria minha vida e a colocaria em rota de colisão com a máfia. Eu o peguei. Peguei Luigi e o enrolei no único cobertor que parecia limpo. Corri para o armário e peguei as poucas roupas de bebê que Salomé tinha, jogando-as em uma bolsa de lona. Dinheiro? Não havia muito, apenas alguns trocados em uma gaveta. Salomé nunca quis saber do filho; ela nunca preparou nada para ele. Eu não podia deixá-lo ali para ser levado. Saí do apartamento de Salomé, trancando a porta atrás de mim com a chave reserva. Em meus braços, Luigi estava pesado, mas era um peso que me dava propósito. Voltei para o meu apartamento e olhei para a minha mãe, que dormia, alheia ao horror que se desenrolava. Como eu explicaria isso? Eu não podia. Eu tinha que garantir a segurança dele, e isso significava tirá-lo dali. Se o pai de Luigi fosse alguém perigoso, a última coisa que eu faria seria arrastar a criança para a minha vida de miséria e doença. E se a polícia encontrasse a criança em meu apartamento, eu perderia a custódia, e talvez até me envolvesse na investigação da morte de Salomé. Não sei quanto tempo passou. Quando eu menos esperava alguém bateu na minha porta, era madrugada, Luigi agora alimentado dormia em meu colo. Outra batida, essa mais forte. Eu abri a porta, e quase me arrependi de ter feito isso. - Cadê o menino? - Eu entrei em pânico, o que eu deveria fazer?






